Sonhar com Michael Jackson na sexta-feira seguinte a sua morte não parecia um bom sinal. Com o corpo todo doído, acordei do pesadelo no momento em que Madonna catava "Material Girl" no velório do Rei do Pop, a poucos metros do corpo que, no sonho, estava sem o nariz. Uma cena pouco agradável.
Definitivamente, não era um bom sinal!
O sonho conturbado se deu no dia do reteste prático para a carteira de moto. Um mês antes, sonhei que namorava a atriz Ana Paula Arósio e que havia dormido com ela - se bem que "dormir" é o verbo menos adequado para descrever o que se passou em minha mente. Naquela ocasião, acordei otimista com a vida. Embora os bons fluídos e a manhã de céu de brigadeiro, ainda assim reprovei no teste. Após a conturbada noite, em que participara do velório de Michael Jackson, uma segunda reprovação era presumível.
Fazia frio naquela úmida manhã com cara de Finados. O céu acinzentado e antipático era capaz de intimidar a autoestima e afugentar o pouco de confiança que teimava em me acompanhar. Diante do mesmo circuito - oito, prancha, rampa, cones, etc -, a confiança mudou de ideia e evaporou como água de chaleira. Ao contrário da primeira vez, estava demasiadamente ansioso, a ponto de pensar que um fraldão teria sido uma boa ideia. Felizmente - e talvez por pouco -, o acessório geriátrico não fez falta.
Se o universo pode mesmo conspirar a favor ou contra alguém, ele deve ter apostado alto contra mim naquele dia. O capacete era pequeno e mal cabia em minha a cabeça tamanho GG, a dor de barriga era grande e a ansiedade, quase insuportável. Como um músico sem confiança, na iminência de desafinar, parti em busca da volta perfeita. Passei o oito, dei aula na prancha e segui o percurso...
Ao deixar o circuito, por um portão de metal, o primeiro a surgir no campo de visão foi o instrutor da autoescola. "E aí, passou?" Quem dera! Havia deixado a moto de nada possantes 125 cilindradas afogar na rampa. O instrutor custava a acreditar no relato.
- Você nunca deixou a moto afogar nas aulas! Assim vai parecer que não te ensinei direito - exclamou.
- Não podia deixar isso acontecer depois de tirar a carta? - questionou, durante o "sermão". A bronca era devida. Às vezes é preciso um chacoalhão para despertar, um choque de 220 volts para recarregar o ânimo. Mantive os dedos longe da tomada, de qualquer forma, a segunda reprovação foi como um choque.
Um choque que fez aflorar algumas lembranças, no caminho de volta para casa. Recordei de quantas coisas boas o excesso de ansiedade me privou, num passado não tão distante. Durante a faculdade, disputava as ditas "olimpíadas" internas representando o curso de Jornalismo no tênis de mesa. Sempre chegava à final, sempre perdia. Na decisão, no grande momento, encontrava-me dando raquetadas contra o adversário e contra minha própria ansiedade. O mesmo acontecia nos relacionamentos: a ansiedade explodia minhas chances com as garotas mais interessantes, logo, era relegado a ficar com quem menos me identificava.
Bastou deixar a Ciretran, cabisbaixo, para o nível de ansiedade despencar. Embarquei em meu Fusca 1975 e fui afogar as mágoas com um pingado - mais forte de café do que leite - na panificadora de sempre, com as atendentes de costume: as simpáticas Simone e Rose. Ambas têm carteira de moto, ambas tiveram bons conselhos para dar ao indignado reprovado, num momento de necessário consolo.
- Da próxima vez, tome maracugina dias antes do teste. Deu certo comigo - sugeriu Rose. A dica de Simone veio em seguida e foi, digamos, mais ousada.
- Acha uma namorada e no dia do reteste dá umas duas logo cedo, antes de sair de casa - disse. Algo a ponderar.
No jornal também fui consolado, inclusive por uma colega repórter que reprovou três vezes e que hoje, com alguma persistência e vários retestes depois, dirige sua motoneta com proeza. Dias depois, estava no jornal quando recebi uma ligação da autoescola, que havia agendado a terceira tentativa para agosto. Com tanto apoio e boas dicas, algo me diz que a aprovação é questão de tempo.
Para fuzilar a ansiedade, vou correr mais no parque e procurar, na farmácia, a dita maracugina. Para aproveitar a dica mais levada (e gostosa, por que não), apoio feminino é indispensável - e sempre bem-vindo. Para que tudo dê certo, só não posso ter outro pesadelo na véspera, como aquele com Michael Jackson. Negro ou branco, que Deus o tenha.
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