18 de janeiro de 2011

Santo de casa não faz milagre

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Popularidade é algo que mexe com o ego das pessoas – com algumas mais, com outras menos. Na escola, quem não se preocupou em ser aceito perante os colegas, em fazer parte da turma, em atrair a atenção da menina mais bela da classe? Na vida adulta as preocupações são outras, porém, o objetivo da maioria segue sendo o mesmo: agradar e ser aceito. Para todo puxa-saco (e conheço vários), por exemplo, isso significará lamber o chão que o chefe pisa, ser for preciso.

Quadro com imagem de Jesus Cristo
em exposição no Centro de
Pato Branco (Foto: LF Cardoso)
Prefiro não agradar tanto, mas não nego: curto esse lance de índice de popularidade. Com alguma frequência, confiro o desempenho de meus blogs no Google Analytics. Analisando as métricas dos blogs, fico sabendo de detalhes importantes, tais como a origem da audiência e o total de visitantes em determinado período.

Importo-me mais com o que o Analytics revela sobre minhas crônicas do que a respeito das "postagens jornalísticas". Em recente checagem, descobri que foram 800 acessos únicos nos últimos 30 dias – um aumento de 11% no período. Bons números para um blog que tem em média quatro atualizações por mês e um público seleto: pessoas que gostam de ler.

Da última vez, quis saber quais cidades compõem o Top 10 de visitas ao blog. Para minha surpresa, a cidade de onde venho e onde vivi até os 23 anos ficou de fora. Em outras palavras, não estou agradando meus conterrâneos. O ditado, que não “perdoou” nem Jesus, segue firme e forte nos dias de hoje: “santo de casa não faz milagre”.

Em 30 dias, tive 106 acessos únicos em Maringá, isto é, as crônicas foram lidas a partir de 106 endereços de IP (máquinas distintas) na cidade onde moro há três anos – e onde tenho mais audiência. Em segundo ficou São Paulo (103 acessos únicos), com Cascavel (47) em terceiro e Curitiba (39), em quarto.

Considerando familiares, amigos, ex-colegas de aula e de trabalho, tenho mais conhecidos em Pato Branco do que o dobro dessas quatro cidades, juntas. Contudo, Pato Branco aparece na 20ª colocação no relatório do Google. Foram apenas seis acessos únicos em 30 dias, 20 a menos do que Lima, capital do Peru, onde meus amigos não passam de meia dúzia.

Dizem que a bíblia tem explição para tudo. Verdade ou exagero, sei que para esse caso as escrituras me serviram. Vamos à teoria:

Jesus era da Galileia. Na região onde nasceu, não operava milagres. Não porque preferia outras cidades, mas, sim, porque os nazarenos não tinham fé nele. Certa vez, em uma sinagora, ele deu a entender que era filho de Deus, deixando seus conterrâneos furiosos. Moisés havia ensinado: "não matarás", mas os fieis da sinagoga não pensaram duas vezes em atentar contra a vida de Jesus. Disseram (em adaptação livre, de minha parte): "este aí não é o carpinteiro, filho de José? Vamos atirá-lo do penhasco!"

Se quem dividiu o ocidente em AC e DC não era aceito em sua própria terra, quem sou eu para querer ser lido em Pato Branco. Não tem jeito, as pessoas vivem e morrem, mas os ditados permanecem.
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Baseado em texto publicado no Café com Jornalista.
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17 de janeiro de 2011

Maldita balança

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A caminho da cafeteria preferida, na companhia de um colega de trabalho, fiz breve pausa em uma farmácia. Enquanto ele comprava algumas aspirinas, arrisquei conferir meu peso, o que não fazia desde o final das férias e de meu retorno a Maringá. Na balança, de camiseta e calça jeans: 92,2 kg. Conclusão: ou estava pesando demais para alguém de 1,79m ou precisava de uma calça mais leve - enfim, gordo sempre tem uma desculpa na ponta da língua.

Com dor de cabeça, o colega trocou o café pelo rumo de um quarto escuro e sem barulho. Segui para a cafeteria, sozinho, com a maldita balança em mente. Aliada às festividades de fim de ano, as férias haviam causado um baita estrago. Antes dela, a balança apontava 88,5 kg. Parte do aumento de peso, sei bem, encontrei em sobremesas, sorvetes, chocolates, filtrados doce, churrasco, massas, pães...

Outra parte da culpa atribuo às dezenas de guloseimas que provei em Lima, capital do Peru, durante as férias. Oh lugar onde se come bem! Se for colocar tudo no papel, o ganho de 3,7 kg foi pouco. Pelo que comi e bebi, poderia bem ter retornado com o tamanho do Ronaldo “fofômeno”.

Na cafeteria, pedi um café latte, com adoçante. A estratégia seria a mesma de perdas de peso anteriores: nada de açúcar. Para comer, uma empadinha de carde seca com abóbora cabotiá - a melhor opção em se tratando de empadinhas, da cidade.

- Algum molho para acompanhar - perguntou Graziela, a simpática atendente que costuma tirar o café na medida: com um leve toque de leite. No gosto da maioria dos maringaenses, ao contrário, bom é quando leva muito leite e pouco café. Quase uma heresia.

- Não, nada de maionese e afins - respondi.

Estava decidido, seria radical no controle da alimentação, mostrando ao estômago quem é que manda. Zero açúcar e nada de ketchup, mostarda ou maionese. Se deu certo no passado, daria de novo.

Ao som da guitarra de Marcos Santana, músico instrumental que se apresenta quinzenalmente na cafeteria do shopping e toca Pink Floyd aos amigos que vão prestigiá-lo, lembrei-me do objetivo que me propus ao completar 29 anos: chegar em forma aos 30. E estar em forma no meu caso, na avaliação da nutricionista do jornal, é pesar entre 81 e 82 kg. Posso não chegar lá faltando dois meses para completar 30 anos, mas a política do zero açúcar e nada de maionese, mostarda e ketchup já é um bom começo.

Naquele sábado, dispensei o açúcar, inclusive do café trufado da moça corpinho de violão da mesa à frente. Ela pode! Entretanto, no calor de rachar que fez no domingo, convidei a namorada para ir à sorveteria. Dieta que se preze, todos sabem, começa na segunda-feira.

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PS.: A moça corpinho de violão, apenas para registrar o ato, roubou a cena ao chegar na cafeteria. Era como se eu pudesse ler o pensamentos dos demais no recinto que olhavam para as curvas de seu corpo.
Homens: “nossa, o que é isso... que gostosa!”
Mulheres: “vaca!”
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15 de janeiro de 2011

Arroz com fungos

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Diante da geladeira, e olhando para dentro dela como se tivese visto uma assombração, Pretty Woman ficou em silêncio por alguns segundos. Mediu as palavras... e foi diplomática: "acho que tenho de vir menos em sua casa, para você ter mais tempo de limpá-la". Fosse ela menos polida, diria: "Não acredito no que estou vendo, seu porco. Alguma vez na vida você já limpou sua geladeira?"

Lembro-me bem da resposta dada à época: "Tem de limpar... pensei que isso fosse automático".

No terceiro compartimento, de cima para baixo, os restos da salada de manga com creme de leite do réveillon completava, naquele dia, aniversário de um mês. A aparência embolorada, entretanto, dava a impressão de a salada já estar ali há pelo menos um ano. Não fosse o ambiente frio, provavelmente seria uma salada-mofo-com-larvinhas-brancas.

Morar sozinho - ou longe dos pais - tem suas vantagens e as principais delas, sem dúvida, são a privacidade e a liberdade. Você passa a gerenciar o negócio, a ser o presidente da situação, a ter o livre arbítrio de criar as regras a seu bel-prazer. A desvantagem de morar sozinho é que sem o "Congresso", digo, sem a mãe por perto, acaba-se esquecendo de criar "leis" básicas, como a da limpeza mensal da geladeira. Movido pela vergonha, tratei de fazer o degelo e limpar o refrigerador no dia seguinte.

A manga com creme de leite, do pote de plástico, estava com péssima aparência, mas ainda não cheirava mal. O mesmo não se aplicava ao conteúdo que duas panelas, bem tampadas, escondiam. Uma delas, que fora usada para cozinhar arroz branco, tinha aspecto de queijo mofado, com tufos de fungos verdes. A outra, com a arroz a grega, passados 30 dias, abrigava uma outra espécie de fungo, branco, parecido com algodão, que ocupava todo o espaço entre o arroz e a tampa.

Um espetáculo da natureza, diria Darwin. Aqueles organismos haviam se desenvolvido em ambiente hostil, no frio de uma geladeira pouco frequentada e que havia programado para visitar ao máximo. Tivesse o homem semelhante potencial de adaptação, teríamos algumas dúzias de cidades na Antártica. Com certo nojo daquelas colônias de microorganismos, cogitei levar as panelas ao forno. Só não o fiz porque, antes, imaginei o odor que o processo de aquecimento liberaria da comida azeda.

Passados muitos meses desde aquele episódio, lembrei-me do arroz com fungos ao lavar outra panela cheia deles - essa, porém, esquecida sobre a pia em dias de calor. Os fungos que se desenvolveram no frio, vale o relato, eram mais bonitos. Aliás, bonita também era a diplomática Pretty Woman. O namoro terminou faz algum tempo, mas é possível que ela lembre de minha habitada geladeira como se fosse hoje.
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10 de janeiro de 2011

Almôndegas nota dez

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#microconto

I

Namorada convida o amado para almoçar. No cardápio: almôndegas com arroz branco. Rápido, prático e gostoso;

II
Ele come (as almôndegas)... e repete, duas vezes. O amor faz milagres: almôndegas podem ficar mais saborosas que costela de fogo de chão;

III
Fosse um almoço virtual (como dessas fazendinhas do Facebook), ele certamente teria dado "curtir" para as almôndegas dela!

IV
Para cumprir o trato, ele foi à locadora. Na tarde chuvosa, passariam a tarde juntinhos, assistindo a um bom filme;

V
Rocky Balboa!

VI
Ela não curtiu. Brava, assistiu ao começo, até cochilar. Mulheres não sabem apreciar um clássico;

VII
Ele subiria as escadarias do Museu de Arte da Filadélfia, como fez Rocky no cinema, se tivesse dinheiro para ir aos EUA;

VIII
Ela, se pudesse voltar atrás, não teria preparado as deliciosas almôndegas. Preferia Titanic... ou qualquer filme com DiCaprio;

IX
Ele se emocionou com a última vez de Rocky nos ringues, procurando contextualizá-la sobre a importância daquela luta histórica.

X
Ela cochilou durante o assalto final... talvez tenha sonhado com o namorado ideal, que assistiria à novela com ela, toda noite;

XI
Rocky Balboa perdeu, mas as almôndegas estavam ótimas. Ponto para a namorada!
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5 de janeiro de 2011

A novela do Ingá

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Em recente viagem de férias a Lima, capital do Peru, tirei um tempo para conhecer o tão bem falado – pelos guias de turismo – Bosque das Oliveiras (Bosque de los Olivos, em espanhol). Vi de perto as árvores centenárias e, satisfeito pela oportunidade, fico a imaginar o tamanho da frustração caso tivesse me deparado com o local fechado por tempo indeterminado. Decepção maior teriam dois colegas de redação, que optaram por férias em Nova York, caso encontrassem na ilha de Manhattan o Central Park interditado.

Foto: odiario.com
Guardadas as devidas proporções, é isso que se passa em Maringá com os visitantes que dão de cara com cadeados no portão de entrada do Parque do Ingá. Situado no Centro de Maringá, com mata nativa e um lago ocupando área de 47,3 hectares, o Parque do Ingá foi fechado em 15 de abril de 2009 após a morte de 20 saguis e um macaco-prego. Havia o receio das autoridades de que se tratasse de febre amarela, mas exames laboratoriais revelaram que as mortes dos animais foram causadas por herpes. Os cadeados, porém, permaneceram nos portões para indignação dos moradores e, quem sabe, até dos saguis – sempre com o "olho maior que a barriga" sobre o lanche dos visitantes.

Ao correr ou caminhar no entorno de um dos principais cartões postais de Maringá, algumas vezes senti a vontade de pular a cerca para ver se de fato existiam obras em execução no local. Sem autorização, poderia ser preso, porém, meu lado jornalista pressentia que o atrevimento renderia uma boa matéria. Novelas, todos sabem, dão boa audiência. No "vou, não vou", minha ousadia não chegou a tanto, nem a de um vereador de oposição que confessou ter a vontade de pular a cerca também – no bom sentido da palavra, claro.

O Parque do Ingá não foi aberto ao público em julho do ano passado, contrariando a previsão inicial do governo municipal. Num discurso otimista, o prefeito da cidade deu lá suas justificativas para o atraso e disse que o parque seria reaberto, parcialmente, em janeiro de 2011. À imprensa foi apresentado um belo projeto de revitalização, com uma série de atrativos a serem criados em parceria com a iniciativa privada. O resultado seria tão bom, dava a entender a prefeitura, que, no final das contas, a espera pela reabertura do parque valeria a pena.

O tempo passou, veio janeiro e... nada de concreto! A reabertura, vi na matéria de um colega de redação, foi adiada pela quarta vez. A novela, que já completa 21 meses, segue sem data para um final feliz. Os saguis mais jovens, nascidos na "era dos cadeados", imagino eu, continuarão por alguns meses a ouvir as belas histórias contadas por seus anciãos, sobre o quão bom eram os tempos dos visitantes que burlavam a fiscalização para lhes oferecer as mais variadas guloseimas.

Na condição de jornalista, seguirei dando minha contribuição profissional ao informar os leitores das novidades e reclamar das promessas não cumpridas. Na condição de cidadão, prosseguirei tentando explicar aos parentes e amigos, que vêm volta e meia me visitar em Maringá, o porquê de nosso principal parque continuar fechado ao público. No otimismo de que tudo termine bem, na ceia de Natal brindei para ter a sorte grande na Mega-Sena da Virada e para ver o Parque do Ingá na ativa outra vez. Em ambos os casos, o ano novo não teve um início feliz.

Crônica baseada em opinião publicada em odiario.com.

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