1 de novembro de 2012

In memoriam

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Primeiro de novembro, véspera de Finados. Primeiro dia de uma eternidade sem a Livraria Espaço Maringá Park, que fechou as portas após liquidação relâmpago – tão relâmpago que, quando cheguei, Hemingway já tinha "ido embora" – de seu acervo de livros. Um fim sem cerimônias e com boa dose de lamentação dos viciados em café que, agora, sentem-se órfãos nessa cidade sem grandes opções em cafeterias.


Tudo bem que a qualidade no atendimento por lá, talvez por conta do fechamento que estava por vir, havia decaído muito. O pedido demorava a chegar, os músicos contratados não tocavam mais Pink Floyd, as atendentes já não tinham os mesmos olhos e pareciam menos apetitosas. Nesse caso, referindo-me às tortas, inclusive à alemã, minha preferida.

Saudades. Arrependo-me das tantas vezes que, por conta do atendimento, troquei a melhor cafeteria da cidade pelo "méque-café" do andar de cima. Sem comentários. Não se pode comparar um prato de feijoada a qualquer sanduíche com gosto de plástico ou um bom vinho a uma latinha de cerveja. No hemisfério dos cafés, o ambiente faz parte de um todo que, em Maringá, só a Livraria Espaço tinha.

Perguntei-me uma dúzia de vezes: onde os aficionados por café degustarão um bom expresso, lendo algum livro e ouvindo música instrumental ao vivo? É nessas horas que os adeptos de um expresso sem pressa percebem a grande diferença entre morar na capital e no interior. Em Maringá, não há uma alternativa ao espaço que acaba de fechar as portas. Dizem que no local será inaugurada uma grande rede de livrarias, dessas que têm livros demais e café de menos.

Sentia-me tão à vontade naquele café que de minha última centena de crônicas, penso que um terço foram escritas de lá. Escolhia sempre a mesa de canto, ao lado dos vidros temperados com vista para o Parque do Ingá. Nos tempos de solteiro, um olho focava nos manuscritos outro, nos "violões". O local sempre foi bem frequentado. E o expresso de lá sempre agradou.


PS.: foto de Andye Iore.


10 de agosto de 2012

Viajar é preciso

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Em plena sexta-feira, cansado de uma longa semana de jornada dupla de trabalho, o jornalista se depara com uma interessante mensagem, publicada no perfil de uma amiga, no Facebook. Dizia a mensagem: "Quer ser feliz. Não compre mais coisas... vá viajar". Foi inevitável, a ele, recordar das últimas férias e também do que lhe disse um conhecido, quando soube do destino escolhido para seu mês de descanso.


— África do Sul?
— Sim.
— E vai fazer o que lá?
— Estudar inglês, num intercâmbio na Cidade do Cabo  —  respondeu o jornalista, para ouvir do conhecido uma gozação a la Fernando Collor de Melo, o "caçador de marajás".
— Hummmmm, tá virando marajá então!
— Marajá nada. Nem som no meu carro 1.0 eu tenho.

Além de ser um destino paradisíaco, a Cidade do Cabo – em inglês, Cape Town – tem custo de vida menor do que outros destinos mais conhecidos para intercâmbio de inglês, como Londres e Nova York, por exemplo. E as passagens de avião para a África do Sul saem mais em conta do que para a os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e outros destinos onde é possível estudar a língua de Shakespeare.

O jornalista tentou explicar ao fanfarrão que estudar inglês no exterior não é mais uma opção reservada à burguesia. Economizando um pouco por mês, até repórter pode. Ambos riram, pois o conhecido também é jornalista e sabe que, na profissão, ganhar um bom salário é para William Bonner e alguns poucos. E a conversa prosseguiu.

— E você, para aonde vai nas férias.
— Não vou viajar. Comprei um videogame e um televisor de tela plana e vou aproveitar.
— Mas nem uma viagem curta, de uma semana?
— Não. Tenho de economizar para pagar as contas  —  respondeu o conhecido, referindo-se às prestações dos aparelhos eletrônicos recém-adquiridos. E do último gole de café, que regava a conversa, ambos retornaram para seus afazeres na redação.

Passados alguns dias, horas antes do embarque para o outro lado do Atlântico, para um mês longe dos problemas, o jornalista conferiu as malas e os documentos. Na mania de sempre, tirou tudo da tomada. Um dia de tempestade poderia queimar seu televisor 21 polegadas, do tipo tela-tubo-de-imagem-nada-plana, e seu aparelho paraguaio de DVD. Seria uma lástima ter de gastar com uma TV nova o dinheiro que ele já guardava para as férias seguintes, quiçá, no Canadá.

Publicado também por Infomacaiba.
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15 de junho de 2012

L'automne

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Automne. Foi minha resposta na aula da francês à pergunta do professor sobre les saisons de l'année. Uma opção que gerou olhares duvidosos, como se os colegas pensassem: "sujeito metido; garanto que prefere o verão". Afirmar que gosta mais do outono do que das outras estações do ano é quase tão inusitado quanto dizer que prefere refrigerante de uva quando todos os demais do grupo terão respondido "coca" ou "guaraná".

O outono costuma ser associado ao cinza. E não há dúvida: qualquer outra cor é mais bela do que essa. E logo surgem os argumentos pró-verão: sol, corpos bronzeados, mulheres de biquíni, cerveja gelada, bermudão, churrasco à beira da piscina. E pró-primavera: flores, muitas cores, a vida que renasce, academias lotadas. E também pró-inverno: lareira, cobertor quentinho, a elegância das roupas de frio, a paisagem com geada, a neve.

Mas a desprezada estação, que no hemisfério sul vai de 20 de março a 20 ou 21 de junho, tem seus encantos. No Brasil, é época das festas juninas e do quentão com gemada – que os maringaenses odeiam, mas que não pode faltar lá em Pato Branco. Nos Estados do Sul, é tempo de pinhão, o fruto da araucária, símbolo do Paraná. Só de escrever a respeito deu água na boca.

Em regiões de clima subtropical, o frio do outono é suficiente para espantar os insetos, inclusive o infame mosquito da dengue, mas passa longe do ar gelado de trincar os ossos, do inverno. Não tem flores, mas também não tem pólen nem alergia nem espirros que custam a cessar. E o barulho das folhas a cair, no instante em que tocam o chão, tem um mágico poder anti-stress quando escutado sem pressa.

No hemisfério norte esse fenômeno é ainda mais deslumbrante. Por lá, as folhas passam por uma metamorfose de várias cores antes de despirem as árvores. O encanto é tamanho que o símbolo de uma folha  de bordo ilustra a bandeira canadense. E quando o céu não é de brigadeiro – de um belo azul como o dos olhos de minha namorada –, o dia pode amanhecer tomado por neblina. Um terror para quem tem voo programado. Um deleite para quem ama o clima de serra, do vinho a dois defronte a lareira, e não vê a hora de tirar férias para ir às montanhas outra vez.

Poucas coisas se comparam ao mar e outono não é a melhor época para ir à praia. Contudo, para quem vive em Maringá ou qualquer outra cidade distante seis horas ou mais de viagem da praia mais próxima, a magia do quebrar das ondas não serve de argumento para desqualificar o outono. Se um dia eu morar em Florianópolis, aí sim, talvez prefira o verão.
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29 de fevereiro de 2012

As sete vidas de Kanu

#microconto

I
Dona Clacy, minha mãe, liga desesperada, lá de Pato Branco, com péssimas notícias. Kanu, o gatinho preto que eu lhe dera no Natal, havia sido envevenado.

II
Lá pelo meio-dia, o corpo do felino amolece e começa a esfriar. O bravo Kanu, elétrico, sempre disposto a uma boa brincadeira, parecia dar seus últimos suspiros.

III
Kanu desfalece. Às lágrimas, Dona Clacy massageia o peito do gatinho, dizendo: "não morre, não morre". Os segundos se passavam e o felino não reage.

IV
Por acaso ou por ação divina, o coraçãozinho do bichano, de apenas cinco meses de vida, volta a bater. Há esperança no lar de Kanu, o pequeno caçador.

V
À noite, um novo telefonema. É Dona Clacy, com boas notícias. Kanu se recupera bem, mas lentamente.

VI
Em minhas preces, peço a Deus para que aqueles que envenenam animais possam por engano, algum dia, provar do próprio veneno. Algumas pessoas não merecem vida longa.

VII
Uma semana depois, novo relatório "médico". O Kanu sobrevive sem sequelas e retorna, inclusive, à sua atividade favorita: caçar baratas no bueiro.

VIII
O gatinho preto perdeu seis de suas setes vidas, mas a última delas, posso apostar, será bem longa. Ainda mastigará muitas baratas e, no futuro, conquistará várias gatinhas. No mundo dos felinos, as fêmeas não têm pavor de baratas.
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25 de janeiro de 2012

Amnésia literária

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Um bombom de chocolate com avelãs, alguns biscoitos com recheio de goiabada, três expressos depois e... nada! Sem nenhuma boa ideia para apresentar à folha de papel, ociosamente em branco, o lápis recém-apontado seguia em repouso. Se lápis pudesse falar, aquele um teria dito: “Vamos lá, você consegue. Já escreveu antes, por que não escreveria agora?”

Um frase memorável, pensei, deve ser tudo na vida de um lápis. E aquele HB queria fazer seu grafite valer a pena.

Amnésia literária é o que de pior pode ocorrer com um escritor. Num passe de mágica, você transborda de boas ideias, de estórias sedentas para serem contadas. Claro, isso costuma acontecer no chuveiro; na fila do banco; no trânsito; no almoço de família; na cama, em especial quando o sono bate à porta. Noutro passe de mágica, esquece-se de tudo na companhia do lápis ou defronte o computador, tão logo os dedos tocam o teclado.

A xícara fora esvaziada 15 minutos antes e a cafeína na corrente sanguínea tornara inquietas minhas pernas. Era chegada a hora de encarar o papel em branco e escrever. O quê? Qualquer coisa que, posteriormente, pudesse ser lido pela namorada, sem conflitos. Ali ao lado, quase sem piscar, ela folheava um livro com centenas de fotos de gatos, adultos e filhotes. O livro parecia dar dicas do universo dos felinos.

Falei pra minha irmã que não pode assustar o Alfredinho quando ele está dormindo — disse Ines, que insiste em chamar seu gato cores preto e branco, de mais de cinco quilos, pelo diminutivo.
Mas teu gato vive dormindo — respondi.
Só de dia. À noite, ele sai atrás das gatas.
Sei bem como é — comentei. — O último gato que eu tive, o Fundi, também era pegador. Ele morreu numa enchente, lá em Pato Branco.
Que dó.
É.

Por falar em gatos e gatas, entre sucessivos goles de café, foi impossível não notar a ruiva com lábios de Angelina Jolie em uma mesa próxima. Um tipo exótico de mulher. Pele bem clara e com sardas, unhas pintadas de preto, batom vermelho Ferrari, óculos escuros prendendo os cabelos lisos e coluna ereta, tipo manequim. Ofuscava quase que completamente uma amiga pouco produzida, cabelos curtos e unhas por fazer. A protagonista bebia água tônica e a coadjuvante, cappuccino gelado com creme.

A Angelia Jolie versão Irlanda estava vestida comportadamente, sem decotes nem minissaia. Uma prova de que mulher não precisa “usar uniforme de biscate”, como diria o jornalista Marco Antonio Araujo, para ser notada. Nessa linha de conduta, há um ano, os belos olhos azuis e o jeito delicado de Ines me conquistaram. No papo de boteco com amigos, sempre rola o comentário de que mulher ideal é aquela que não faz o homem passar vergonha.

As lembranças do início do namoro me arrebataram da cafeteria para o passado. Quando retornei, a ruiva já tinha partido. Melhor assim. Com a namorada ao lado, era preciso redobrar a cautela para evitar uma “guerra mundial” por coisa pouca. Bem pouca.

Li na internet que a cada 100 habitantes no mundo um, no máximo dois, são ruivos. E mais: os cabelos avermelhados, provenientes de um gene recessivo, correm o risco de desaparecer até 2060. E se o rutilismo é exceção, então, jovens e belas ruivas como aquela “irlandesa” são raridade. Certamente, precisam ser "estudadas" antes que acabem. Em dia de amnésia literária, em que o lápis pouco trabalhou, Alfredinho há de concordar comigo.
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