10 de abril de 2009

Do que as mulheres gostam (na lotérica)

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A habilidade de ler pensamentos não é ficcão, é real, aconteceu comigo esta semana. A pessoa que teve sua mente escaneada por mim, numa fração de segundo, percebeu a façanha - e ficou encabulada, tentou disfarçar. Ora, se o pensamento é tão secreto assim (e eu acreditava ser, até então), por que a pessoa ficou sem jeito? Vou relatar como tudo aconteceu.

Foi por acaso, num momento de estresse e ansiedade. A fila da casa lotérica da atendente de cabelos tipo Barbie, num meio dia de calor fora do normal, não andava. Dos dois caixas, um deles dava o atendimento preferencial aos idosos, que pelo visto tinham revolvido pagar a conta de luz todos eles naquele dia, naquele horário. No outro guichê, a fila sumia para fora do estabelecimento.

Já vegetava na fila há meia hora e ainda faltavam quatro pessoas para serem atendidas, antes de mim. Engolia seco de raiva pelo tempo perdido, torcendo para os números que anotei num dos jogos da loteria, enquanto derretia de calor, serem sorteados no final do dia. Aí, certamente, não teria mais de encarar novamente uma "bicha" (como se chama "fila" em Portugal) daquelas. Enquanto imaginava o que faria com os milhões (um ar-condicionado em casa seria prioridade), observava os demais "vegetais", que também deviam fazer planos para o caso de se tornarem milionários.

Uma mulher e um homem, em especial, despertaram minha atenção. E passei a observá-los num período de tempo que não durou dois minutos. Ela, magra, aparência de 45 anos, bem cuidada, não aparentava ser uma mulher de posses. Não tinha aliança nos dedos. Ele, um senhor descendente de japoneses, septuagenário, que fazia tudo em câmera lenta, estofava a carteira com uma boa grana sacada no guichê. Também não tinha aliança nos dedos.

A carteira ele pôs no bolso de trás, o comprovante de pagamento preferiu guardar na barriga. Desabotoou a camisa, enfiou para dentro os papéis, fechou novamente o botão e ajeitou a camisa dentro da calça preta, de modo a encobrir o cinto. Com passos curtos e sem pressa, o aposentado-japonês-cheio-da-grana (leia-se com hífens como força de expressão) deixou a lotéria observado atentamente pela quarentona bem cuidada.

Não foi uma olhada qualquer. Ela secou o velhinho, torceu o pescoço para vê-lo como se ela fosse um homem tarado e ele a Juliana Paes, de biquíni. Profundamente envolvido com a cena que presenciava, ali estático, consegui ler pela primeira vez a mente de alguém. Era como se o pensamento da mulher fosse sussurrado em meus ouvidos, numa frequencia bem sintonizada.

"Um velinho desse, cheio da grana, eu aguentava", pensou a mulher, possivelmente avaliando a boa vida que teria assim que ficasse viúva - o que, por pressuposto, não demoraria muito. Ainda com os olhos arregalados pelo interesse, ela percebeu estar sendo observada por mim. Ficou sem jeito de repente, a pele de seu rosto ficou levemente avermelhada, como se tivesse dito em voz alta o que pensara instantes antes, e depois se arrependido. Ela soube que seu pensamento havia sido invadido por um estranho, justamente num momento delicado.

Não é errado uma pessoa ter ambições. Talvez ela tenha trabalhado uma vida toda apenas para pagar contas e, na reta final de seu estoque de juventide, estava disposta a qualquer coisa para garantir o futuro. Contudo, ela, eu e a torcida do Flamengo sabemos que socialmente, ainda hoje, o interesse por alguém mais velho, por causa do dinheiro desse alguém, não pega bem. E a ajeitada quarentona pagou suas contas e foi embora, evitando olhar em minha direção.

Ter o poder de ler pensamentos, tal como tinha o personagem de Mel Gibson no filme "Do que as mulheres gostam", seria algo fantástico. Ainda pasmo pela convicção de ter lido um único pensamento alheio, num centésimo de segundo, paguei as taxas de água e luz e rumei para o jornal, já sem estresse algum. Agora eu sei, ler pensamentos faz bem à saúde.
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11 comentários:

  1. bom texto, sr. LF!
    aquela parte do "homem tarado" e "a Juliana Paes de biquini" ficou muito engraçada!

    =D~

    Abraço, FELIZ PÁSCOA!

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  2. Ahhh... coitada da moça LF! vai saber se era isso mesmo que ela queria! hehehe. Muito bom o texto. Só você mesmo para, de uma fila de lotérica, arranjar inspiração para escrever mais uma crônica fantástica. Você realmente, além de bom jornalista, é um escritor de fato.
    Andréa Tragueta

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  3. FANTÁSTICO!!! e é tudo verdade, por que eu estava lá no final da fila acompanhando tudo..
    Mas meu querido, pensei que tu foste falar mais da boneca Barbie..rsrs, ela tbém daria um bom texto..
    Beijos, sou sua fã.
    Edlaine Sanches.

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  4. Salve LF (e sua camisa de flanela xadres ou quadriculada)!
    Outro dia achei que também, por nano-segundos, havia conseguido ler o pensamento de uma garota. Estava enganado, o tapa na cara doeu pra caramba.
    É isso.

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  5. Se eu leio pensamentos, nunca irei saber... mas esse tipo de coisa agente percebe... eu teria dado umas boas gargalhadas, isso sim :D

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  6. Um dia consegui ver páginas e páginas do pensamento de uma mulher, mas infelizmente estava escrito em russo e não consegui ler!

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  7. amei essa primo e vou me cuidar para não pensar besteira perto de você já pensou se você lê e ai conta no blog meu Deus vai ser muito ilario ou talvez muito chato depende do pensamento né.

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  8. Nota: 7,0

    Thiago Ramari (por email)

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  9. Nota: 8,0

    Elaine Utsunomiya (por email)

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