29 de dezembro de 2010

Retrospectiva 2010

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Chego ao final de 2010 com o sentimento de que, assim como em 2009 (o melhor ano de minha vida), fiz valer a pena. Cobrei muito de mim mesmo para que, no fim da jornada, a colheita fosse boa. Colhi bons frutos da profissão, das novas amizades, do convívio familiar. Como quem vai à guerra, tive baixas em determinadas batalhas, porém, na fé de que recebi o auxílio divino nas minhas escolhas, tudo terminou bem.

Para quem amargou uma separação, há quase três anos, comecei 2010 com uma namorada  que hoje vive em São Paulo capital  e terminei o ano com outra. Duas mulheres fantásticas, que em muito contribuíram para meu crescimento como homem. Foi também neste ano que realizei dois desejos antigos: a compra de um carro zero e a sonhada viagem a Machu Picchu, no Peru. É para realizar sonhos que trabalhamos, senão de que valeria passar 11 meses por ano ouvindo cobranças e reclamações (tantas vezes injustas) do chefe?

No jornal, perdi algumas batalhas, mas quem não perde? Contudo, triste por não ter crescido tanto quanto esperava, comemorei em 2010 meu retorno ao jornal impresso e, melhor, à editoria de Política. Sigo firme para 2011 e com o anseio de escrever cada vez melhor.

Como cronista, 2010 não foi tão bom quanto 2009. Escrevi 22 crônicas, contra 47 do ano passado. Se considerar minha estreia como blogueiro de O Diário, com a página "Café com Jornalista", o número de crônicas está de bom tamanho. Não é fácil encontrar disposição para alimentar dois blogs. E é certo, saibam disso, que o ânimo para isso veio do feedback dado nos comentários e das palavras de incentivo de cada um de vocês, que acompanham o que escrevo.

Fecho 2010 com o sentimento de que fiz o suficiente, mas com o pensamento de que em 2011, ano em que completo 30 anos, devo fazer ainda mais. Concluir o primeiro livro está nos meus planos, cobrem-me quanto a isso. Deixo aqui, então, a lista das sete crônicas que mais curti escrever ao longo deste ano. Se possível, dê seu voto (em forma de comentário) para aquela que te agradou mais. Vou contabilizar também os votos (se houver) dados no Twitter, Facebook e Orkut. Depois publico o resultado. Feliz 2011 a todos. Que Deus nos abençõe.

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Escolha a melhor de 2010

- A Conspiração (ACREdite)
- A Parábola do Velho Boi
- Camilas, Vanessas e Grazielas
- Das Auto
- Chora, me liga
- As mulheres vão dominar o mundo
- Iracema vai se casar
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28 de dezembro de 2010

Iracema vai se casar

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Soube que uma paixão do passado, alguém de quem gostei sem medo de ser feliz, vai se casar. Por um instante, fiquei sem palavras. Não sei ao certo o que senti naquele momento. A notícia não trouxe tristeza ao meu coração, tampouco felicidade. Buscando compreender um sentimento que me fora apresentado pela primeira vez em quase 30 anos de vida, encontrei em uma canção do saudoso Tim Maia – a qual recordei com auxílio de um bom amigo – uma explicação razoável.

"Paixão antiga sempre mexe com a gente. É tão difícil esquecer / Basta um encontro por acaso e, pronto, começa tudo outra vez". Ouvi "Paixão Antiga" uma dezena de vezes. Lamentei o fato de que grandes vozes, como Tim, tenham partido tão cedo. Enquanto isso, nossos ouvidos são "agraciados" com doses cavalares de Joelmas que, a considerar a incansável Lei de Murphy, terão fôlego para cantar até os 130 anos de idade.

Como poderia imaginar que nossas vidas tomariam rumos tão diferentes. Como bem cantava Tim: "Foi bom demais, não tinha que acabar". Mas acabou. Na década que chega ao fim, o destino tentou nos aproximar novamente, algumas vezes. Como é doce o beijo de quem se gosta. Penso que o destino quase teve êxito. Não tinha que acabar, mas acabou.

Três anos mais jovem do que seu admirador nada secreto, Iracema não faz jus ao nome indígena. Na faculdade, a descendente de italianos, de pele clara e cabelos e olhos castanhos, destacava-se das demais colegas de jaleco branco. A primeira vez que a vi foi na biblioteca, numa fria manhã de outono. Se faltou ousadia para puxar conversa, naquele dia, sobrou esperteza. Foi a bibliotecária, dona Helda, que fez o favor de levantar a ficha de Iracema a meu pedido. De quebra, Helda topou entregar um bilhete meu à bella italiana.

Estudava Jornalismo à noite e, durante o dia, trabalhava na faculdade. Volta e meia, levava ou buscava alguns livros a pedido do coordenador do curso. Depois de ver Iracema pela primeira vez, tudo era motivo para ir à biblioteca. Entre as estantes de livros, após o bilhete surtir efeito, se deu a primeira troca de olhares. Era como em outro trecho da canção de Tim: "eu, sem disfarçar, te como com meu olhar".

Encontrávamos no intervalo das aulas e fora da faculdade o mIRC – ferramenta de bate-papo que nem existe mais – ajudava a matar a saudade. Desejava vê-la sempre e era prazeroso estar próximo dela. Não bastasse sua beleza, a voz de Iracema (a considerar o exagero da paixão) era doce e meiga como a de uma sereia – ou ao menos como eu imaginava ser a voz de uma sereia.

Com a trágica morte de seu pai, Iracema se afastou de mim. Com o término de meu estágio, afastei-me dela. Achei que um tempo seria bom e, na pausa de um romance que tinha tudo para dar certo, conheci uma outra estudante, da mesma faculdade. Em dois anos, namorei e fiquei noivo. Uma grande amiga e colega de Jornalismo me alertou: "você não está sendo precipitado?" Estava. Casei meses depois de me formar... e a precipitação, claro, não teve um final feliz.

Em meu íntimo, repeti uma pergunta por meses a fio após a separação: "por que razão me casei com quem me casei?" Descobri que não conhecia o caráter da mulher que havia levado ao altar e, anos depois, ainda não tenho respostas àquela pergunta, que repeti a mim mesmo um milhão de vezes. Hoje, imagino o que Iracema deve ter sentido ao tomar conhecimento de meu casamento. Talvez não seja muito diferente do sentimento que Tim Maia me ajudou a compreender numa solitária tarde de verão.
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12 de dezembro de 2010

Nunca desista de seus sonhos

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Aos 64 anos, mãe de duas filhas, quatro netos e uma bisneta, dona Alice trabalhou em um grande hospital de São Paulo durante boa parte de sua carreira como técnica de enfermagem. Hoje, aposentada, não quer saber de descansar e esperar o tempo passar. Quer, sim, realizar o sonho que nutre desde a juventude: concluir um curso superior.

Ainda que eu entre na faculdade com 80 anos não terei vergonha. Teria se desistisse de meu sonho - disse-me dona Alice, no caminho de Maringá a São Paulo.

Nas viagens que faço de ônibus, escolho entre três poltronas que sempre me trazem sorte: as de número 3, 9 ou 12. Até uma namorada gaúcha já consegui viajando em um desses assentos. A caminho da capital paulista tive novamente boa companhia. Dona Alice viajou na poltrona 11 e sua rica história de vida ajudou a aliviar a ansiedade que me acometia em decorrência da longa viagem - de ônibus para São Paulo e de avião para Lima, no Peru.

Lembro-me de ter puxado conversa com a senhora ao lado. Meus irmãos brincam que nossa mãe, uma tagarela descendente de portugueses, gosta de fazer amizade com todo mundo. Embora eu seja o retrato de meu pai 25 anos mais novo, suspeito ter herdado de dona Clacy os genes responsáveis pela comunicação.

- A senhora vai a passeio a São Paulo - perguntei, ao retornar com o copo de água que, gentilmente, dona Alice me pediu para apanhar no fundo do ônibus.
- Eu moro lá. Só vim visitar minha filha, netos e uma bisneta - respondeu.
- Caramba, a senhora já é bisavó! Não parece ter idade para tanto.
- Fui mãe aos 17 anos e minha filha e neta também tiveram filhos muito cedo.
- Se a senhora tem família em Maringá, não seria melhor se mudar para cá.
- Bem que eu gostaria meu jovem, mas meu marido é um português teimoso que não admite sair de São Paulo - lamentou a senhora. - Aquela é uma cidade boa para quem trabalha e quer ganhar dinheiro, mas para quem já se aposentou Maringá é bem melhor. As ruas são arborizadas, a cidade é segura e o custo de vida é menor.

Percebi se tratar de uma mulher esclarecida. Tinha um português de verbos bem conjugados e carregava um livro de Augusto Cury na mão e outro (não deu para ver o título) na bolsa. Ao contrário de passatempos como a televisão, a leitura torna as pessoas mais sábias e críticas e permite a quem lê viajar o mundo sem sair de casa ou da biblioteca. Para Dona Alice, ver tevê demais e ler de menos seria o primeiro passo para a perdição dos jovens hoje em dia.

- Não consigo entender como existem pessoas que não gostam de ler - comentou dona Alice. - Um dia desses, num supermercado, ouvi a conversa de dois rapazes que faziam a reposição de produtos.
- Eles não gostavam de ler - interpelei.
- Um deles parecia gostar. Falava sobre um livro que acabara de ler, mas fiquei muito triste ao ouvir o outro responder que nunca havia lido um livro. Isso é péssimo para a sociedade.
- Imagino dona Alice. Hoje os jovens só querem saber de internet e de redes sociais.

Expliquei, rapidamente, o que são as redes sociais na internet para, depois, nos atermos ao assunto mais interessante da conversa: livros. Contei a ela que Ernest Hemingway, autor do ótimo “O Velho e o Mar”, está entre meus autores preferidos e que entre os contemporâneos aprecio o humor ímpar das crônicas de Luis Fernando Verissimo. Dona Alice revelou que leu O Cortiço, de Aluísio Azevedo, três vezes e que só conhecia o Verissimo pai, o Érico. Preferia os escritores antigos.

- Hemingway trabalhou como jornalista antes de se tornar escritor - comentei, após contar a dona Alice que escrevo para o principal jornal da cidade, mas que meu grande sonho é seguir os passos de Hemingway. - Estou escrevendo um livro e quero conclui-lo antes de completar 30 anos.
- Então você precisa ler “Não desista de seus sonhos”, de Augusto Cury. No livro, ele relata todas as dificuldades que teve de superar até se tornar um escritor famoso.
- Já que a senhora está recomendando, lerei com maior prazer.
- Qual teu nome completo? - perguntou-me dona Alice. - Preciso saber para comprar teu livro, que seré um best seller. E é assim que tempos de pensar, sempre com otimismo.

Conheci poucas pessoas na vida que me impressionaram tanto quanto dona Alice. Depois de criar os filhos, atualmente ela cuida dos netos da filha que mora em São Paulo, porém, planeja para breve retomar os estudos. Tão logo os netos entrem em idade escolar, garante dona Alice, prestará vestibular para Matemática ou Biologia. Não tenho dúvida de que alguém capaz de me surpreender a cada nova palavra realizará o sonho de se formar.

- Meu conselho é que você estude, viaje e se dedique na profissão o máximo possível antes de se casar e de ter filhos.
- Por que a senhora diz isso?
- Porque casamento é uma coisa muito difícil, tira muito a liberdade da pessoa. Não entendo por que os jovens de hoje ainda se casam - disse a aposentada, surpreendendo-me outra vez. - Talvez ainda seja pela influência da igreja.
É interessante ouvir isso de uma senhora - comentei.
- Se pudesse voltar atrás não teria casado tão cedo. Teria feito faculdade antes.

O bate-papo com Dona Alice me permitiu ver o quanto esse tempo solteirice e sem filhos é precioso para a realização profissional e que, por mais que as dificuldades causem desânimo, jamais devo desistir de meus sonhos. Na poltrona 12, que costumeiramente me traz sorte, tive um lição de vida. Segui viagem menos ansioso e na despedida, no terminal da Barra Funda, entreguei meu cartão de apresentação à dona Alice, que me garantiu que vai se esforçar para aprender a navegar na internet. “Assim que eu aprender eu te escrevo um email”, brincou a aposentada, desejando-me boas férias em Lima e em Machu Picchu.
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8 de dezembro de 2010

Um dia sem relógio

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Durante o jantar na cantina do jornal, entre desapressadas garfadas em batatas fritas que de tão gordurosas seriam capazes de assustar até a mais liberal das nutricionistas, minha nova namorada quis saber o que eu faria no dia seguinte, o primeiro de meus 30 dias de férias. Havia planejado detalhes da viagem que faria para o estrangeiro, mas sobre o primeiro dia de folga não havia pensado.

Desde 1943, quando o então presidente Getúlio Vargas se empenhou em aprovar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) os principais direitos dos trabalhadores, os brasileiros sofrem de um salutar “problema” chamado Tensão Pré-férias. Em suma, TPF é aquela dose extra de ansiedade percebida nos dias que antecedem o merecido descanso após um ano todo de trabalho duro. É um momento oportuno para passar mais tempo com a família, colocar a leitura em dia, passear com o cachorro - ou mesmo de ir ao parque para ver as moças dando uma volta com o melhor amigo -, ir mais ao cinema e, por que não, de viajar.

- Quer saber, acho que não vou fazer nada no primeiro dia de férias.
- Então você terá um dia sem relógio - concluiu a namorada.
- Isso mesmo. Sem despertador, sem régio de pulso, sem internet. Talvez desligue até o celular.

Dormiria até o sono acabar e quebraria o despertador se ele ousasse tocar por engano. No primeiro dia de férias, poderia até correr no Parque do Ingá, o que costumo fazer quando tenho tempo, mas isso só no caso de cansar de tanto zapear na TV a cabo recém-instalada. Vi na programação que um dos canais de filmes passaria Avatar, porém, duvido que a opção dublada e na telinha de 21 polegadas de meu velho televisor, sem os efeitos em 3D, valha a pena.

- Deixa eu retornar para o trabalho que ainda preciso fechar uma matéria antes das férias.
- Te vejo no fim de semana?
- Claro, desde que cozinhe algo gostoso pra mim - disse, já imaginando o suculento pernil de porco que ela prepara como poucos.

Minha última matéria do ano foi sobre a falta de investimentos do poder público em transportes alternativos. Entre os entrevistados, falei com um professor de Geografia da Universidade Estadual de Maringá que, tendo carro e moto na garagem, prefere ir ao trabalho de bicicleta. Diz o professor que alunos da graduação e colegas do doutorado, possivelmente influenciados pelo convívio com ele, também adotaram a bicicleta como meio de transporte. Fiquei entusiasmado e passei a cogitar, seriamente, comprar uma magrela dez marchas para começar 2011 com mais saúde.

Ciclovias à parte, aproveitei o último dia no jornal para checar os colegas quais deles gostariam de participar da “vaquinha” para comprar uma cachaça das boas, dessas de procedência mineira e que na Europa é vendida por mais de 50 euros. Levaria o presente dos amigos da redação para Geordano, ex-infografista do jornal que hoje reside em Lima, no Peru. Passaria as férias por lá e, sem precisar gastar com hotel, o mínimo que poderia fazer é levar um bom presente.

Ouvi falar, algumas vezes, que crente não bebe porque a ingestão de bebidas alcoólicas é pecado. Espero que pinga não esteja nessa lista, porque não quero que ninguém vá para o inferno por minha culpa. Aliás, uma amiga me advertiu a no Peru preferir a palavra cachaça. Fiquei curioso, óbvio. Parece que na terra dos incas “pinga” é o nome popular dado ao órgão sexual masculino. Ao menos na frente de quem acha que vai para o inferno por causa de álcool e sexo, nada de pinga no Peru. Do pernil de porco, porém, não abro mão.
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