29 de janeiro de 2010

A Conspiração (ACREdite)

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Pablo Sica tem seus motivos para desconfiar da existência do Acre, o mais isolado dos Estados brasileiros. No 1º Encontro de Twitteiros de Maringá, ele tocou no assunto e deu a impressão de realmente acreditar no que dizia. Falou em uma suposta conspiração para fazer o brasileiro crer que lá distante, mais perto do Peru e da Bolívia do que do restante do Brasil, em meio à Floresta Amazônica, há uma capital e tantas outras cidades. Duas doses de café alcoólico mais tarde, foi além: mencionou algum envolvimento da Rede Globo, que teria com o Acre uma ligação semelhante à da Iniciativa Dharma com a Ilha de Lost.

Alguns dos twitteiros do Grupo dos Nove (G9, como ficaram conhecidos os nove participantes do primeiro encontro) se entreolharam, como se dissessem: "que diabos colocaram no café dele?" No encontro – combinado no Twitter, claro –, mais de 20 confirmaram presença, mas só oito deles cumpriram com a palavra. Pablo, porém, foi o único que compareceu sem anúncio prévio. Marcou presença porque era em Maringá, em chão conhecido. Fosse no Acre, não iria.

No G9 do Twitter maringaense, a maioria é jornalista. Um deles, atiçado pela curiosidade inerente à profissão, marcou um café com Pablo no mesmo shopping do encontro anterior, na mesma livraria. Somente os dois – esposa de um viajando e a namorada do outro, também –, e uma tarde inteira pela frente. Não demorou para Pablo falar da conspiração.

O jornalista aproveitou para fazer muitas perguntas, mas nem em todas obteve respostas. "Há coisas que um incauto talvez não deva saber", cogitou, em pensamento, o jornalista. "Há coisas que é melhor que um jornalista não saiba; não num primeiro momento", deve ter pensado Pablo. O lance de o Acre não existir, ao menos não da forma como ensinam os livros escolares, era inquietante, mas não tanto quanto a participação da Dharma, ou melhor, da TV Globo na dita conspiração. Difícil imaginar que alguém ACREditasse nisso.

Para ser mais convincente, Pablo relatou passagens vividas por dois de seus amigos. Um, das Forças Armadas, havia sido convocado para uma missão no Acre. Outro, voluntário em um clube de futebol do Mato Grosso, acompanharia o time num amistoso em Rio Branco. Antes, ambos não acreditavam na conspiração, agora, ambos já não têm tanta certeza.

 Fui relacionado para uma missão no Acre, no mês que vem  comentou o amigo de Pablo, do Exército, por telefone.
 Pode esquecer. Se minha teoria está certa, vão cancelar a missão.
 Por que cancelariam?
 Porque o Acre não existe  afirmou Pablo, que, no mês seguinte recebeu novo telefonema:
 Meu amigo, estou assustado  disse o militar.  Cancelaram a missão no Acre e nem explicaram o motivo.
 Não te avisei. Qual a explicação para o Acre, que faz fronteira com dois países, ser o único Estado brasileiro sem base aérea  disse Pablo, mais cheio de razão do que nunca.

Outra vez, contou Pablo ao jornalista, um de seus amigos acompanhou um time de Mato Grosso em um amistoso que se daria em Rio Branco. No avião, tão logo o piloto anunciou o procedimento de pouso na capital do Estado, as aeromoças se apressaram em fechar as 'cortinas'. "É um procedimento padrão", diziam, "fechem logo".

 O que houve, por que não pousamos no aeroporto?  questionou o amigo de Pablo, assim como alguns jogadores.
 Tivemos um problema com a torre de comando. Vamos, há um ônibus esperando por vocês  disse o encarregado da recepção da delegação mato-grossense. O que aconteceu dali em diante, conforme relatou o amigo de Pablo, foi surreal.

 Fomos levados a um campo de futebol em um ônibus com vidros escuros. Mal dava para ver do lado de fora. Quando descemos no estádio, a poucas horas da partida, não vimos torcedor algum  relatou.  Vi ali um varredor de rua e perguntei a ele para que lado ficava a cidade. Sem dar uma palavra, o varredor, de macacão cinza, deu-me as costas e continuou varrendo.

Inquieto e irritado, pela falta de respeito do gari, o amigo de Pablo insistiu. Aproximou-se e, ao tocar o ombro do varredor, disse:

 Você pode me responder para que lado fica a cidade?  insistiu. O gari se virou, fitou nos olhos o mato-grossense, que, ao reparar o logotipo da Rede Globo no bolso do uniforme daquele senhor, ficou perplexo e, até deixar o Acre logo após o jogo, não tornou a abrir a boca. Sentiu medo. Existiria, de fato, a uma conspiração envolvendo o Acre? Correria ele algum risco? Por que eles não foram levados para visitar a cidade? De qualquer forma, para o amigo, Pablo já não parecia tão insano quanto antes.

Regada a um bom café com torta de limão, a conversa prosseguia sem pressa, na cafeteria do shopping. O jornalista não se dava por convencido, até porque ele não conhecia os dois amigos de Pablo. Conhecia, sim, uma ex-colega de faculdade que, dias depois da colação de grau, mudou-se de "mala e cuia" para Rio Branco.

 Tenho uma amiga que mora em Rio Branco há cinco anos. Se formou em Jornalismo comigo e hoje dá aulas na Universidade Federal do Acre. O que você me diz disso?  perguntou a Pablo, em tom de confronto.

 Depois que essa tua amiga foi para lá, você a encontrou novamente, falou com ela?
 Sim, conversamos com alguma frequência pelo MSN. Ela diz estar feliz por lá.
 Ok, MSN. Mas você a viu pessoalmente depois que ela foi para o Acre.
 Não.
 Algum de teus colegas de faculdade a viu?
 Não que eu saiba.
 Ela já retornou de lá para visitar os amigos?
 Não! – e a essa altura o Jornalista já começava a temer pela colega.
 Algum conhecido já foi visitá-la e voltou para contar história?
 Acho que ninguém foi visitá-la.
 Até que alguém faça isso, e prove, lamento te dizer: talvez vocês não vejam mais essa amiga.

O gole seguinte de café teve sabor de suspense, um misto de pavor e medo. Segundo Pablo, a colega de Jornalismo não corria risco de morte, mas, por algum motivo que ele mesmo desconhecia, jamais retornaria do Acre. Mistérios da conspiração. Talvez ela também estivesse usando macacão ou jaleco com logotipo da Globo.

 Ela me convidou para ir visitá-la  comentou o jornalista.
 Eu não iria – disse Pablo.  Estão querendo te recrutar, é assim que funciona.
 E se de fato houver algum mistério por trás do Acre e eu for vê-la?
 Aí não tornaríamos a vê-lo, infelizmente.
 E os heróis do Acre, como Plácido de Castro e Chico Mendes, o que você me diz deles?
 São personagens dos livros escolares. E faz tempo que não acredito mais na versão oficial que nos ensinam sobre o Acre.
 Quer saber, vou visitar minha colega no Acre, mas só se ela vir de lá antes.
 Nem assim eu iria  exclamou Pablo.  Terminou o café?
 Sim.
 Garçom, a conta por favor.

Publicado também em: Mais1Livro.com

Translation into English
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23 de janeiro de 2010

Mensagens de Natal

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Conta a história que o primeiro cartão de Natal comercializado data de 1843. Teria sido bolado em Londres, por Henry Cole, com ilustração de John Callcott Horsley. Trazia a imagem de uma família unida e feliz, com uma criança de colo e vinho posto à mesa. Talvez estivessem eles mais sob efeito da bebida fermentada do que felizes, mas, de qualquer forma, a ideia do cartão de Natal vingou. Décadas depois, tornou-se prática comum entre os cristãos.

Ainda hoje, o cartão é uma das maneiras mais utilizadas, e mais baratas, de desejar felicitações a quem se quer bem na data mais importante do calendário cristão. Todo pão-duro, que quer marcar presença sem gastar muito, encontra nos velhos cartões a solução para o problema – em vista do custo-benefício.

Duas guerras mundiais e vários conflitos armados depois da sacada de Cole e Horsley, multiplicaram-se as maneiras de desejar feliz Natal. Isso não por remorso, muito menos por fé em Cristo, mas puramente pela vontade capitalista de ganhar dinheiro em cima de produtos pensados por engenheiros, designers, etc, e comercializado por mentes publicitárias. Então os cartões, antes apenas manuscritos, agora vêm até com música polifônica. Para quem tem grana, as opções são as mais variadas, e caras. Passar as festas de fim de ano em Paris, por exemplo, e enviar de lá alguns postais natalinos é chique... embora haja o risco de o "new parisiense" parecer esnobe.

Há quem prefira contratar um papai noel de barba postiça para entregar os presentes. A opção é um tanto brega, mas o cachê segue fazendo a alegria de velhinhos barrigudos e aposentados, todo mês de dezembro. O Papai Noel, por si só, é brega. Contudo, bastou um publicitário da marca mais famosa de refrigerantes pôr nele roupas vermelhas, e dizer que ele vinha do Polo Norte, para parecer chique também – para alguns, acreditem, tanto quanto ou mais que um cartão com selo francês e carimbo de Paris.

Mais antiquado que os noéis barrigudos, de barbas postiças e que – crianças, prestem atenção – não moram no Polo Norte e não gerenciam o trabalho de duendes-operários da fábrica de brinquedos, são as mensagens por telefone. Mais brega que isso tudo, indiscutivelmente, é o carro de som (ou, pior, bicicleta de som) na porta de casa. Não duvide da capacidade humana em querer aparecer. Há sempre alguém disposto a felicitar, parabenizar, paquerar, etc, do jeito mais escandaloso. Dizem até que o Papai Noel conquistou a Mamãe Noel com um trenó de som, com direito a Jingle Bells e roupas de baixo comestíveis... bem, o que os outros fazem entre quatro paredes não nos diz respeito.

Com tanta opção no mercado, os cartões virtuais são como mísseis de longo alcance, teleguiados. Nenhuma outra maneira de desejar feliz Natal é tão abrangente, tão prática, tão em conta. Pela internet, é possível enviar um cartão para o outro lado do mundo e para o colega de trabalho ao lado com a mesma rapidez – e sem custo adicional pela quilometragem. Tóquio, Nova York, Londres, Dubai, Antananarivo e Pato Branco são todas, ao menos na web, logo ali.

Os cartões virtuais de sites especializados, encaminhados para o email do destinatário, são na web a maneira mais clássica de enviar felicitações de Natal. Contudo, num ambiente que muda tão rapidamente, tais cartões estão caíndo em desuso. Na moda, agora, estão os gifs. Traduzindo: trata-se de imagens animadas, que os internautas enviam a seus contatos em redes sociais virtuais, como Orkut e Facebook e que, quase sempre, não agradam quem as recebe.

Coisa que não cai em desuso é o SMS, popularmente conhecido como "torpedo". Já falaremos disso. Antes, é preciso comentar sobre a última das últimas em se tratando de cumprimentos natalinos: os #FF (Folow Friday, que em 2009 caiu numa sexta-feira) de Natal no Twitter. Nesse caso, o usuário escreve para seus seguidores algo como:

#FF especial de Natal para os queridos @FulanodeTal @CiclanodoBar @Natalino @Siliconada @GirlFatal @ElizabethQueen – por exemplo. Ao contrário dos cartões por email e dos gifs, essa modalidade de feliz Natal parece não ter enjoado.

Conheço dezenas que não abrem mão do SMS. Helitron von Kaík é um deles. Sujeito de aparência dinamarquesa, de estatura pigmeia, de bondade ímpar e coração verdadeiro, de várias histórias e muitas esposas, que já é alfabetizado digitalmente e tem até Orkut; no Natal passado torpedeou todos seus mais chegados, inclusive seu primo jornalista (que responde por esta crônica). A este, pouco depois da meia-noite, enviou a carinhosa mensagem:

– Feliz Natal. Que Deus te abençõe... beijos gatinha! – escreveu. Coisas de Helitron, que, prefiro imaginar, enganou-se no intuito de agradar alguma namorada. Ninguém deseja, a essa altura do campeonato, duvidar da masculinidade do Di Caprio da família. Engano ou não, arrancou risos de todos presentes à ceia.

Há, no entanto, mensagens desse naipe enviadas de propósito, como uma outra recebida pelo mesmo jornalista, de outro primo:

No Natal, todos pensam no Papai Noel, mas se esquecem dos veadinhos que puxam o trenó. Eu lembrei de todos. Feliz Natal!!! – dizia o torpedo. Disso, tiro uma conclusão: o primo caminhoneiro deve ter investido horas de grande esforço mental, durante alguma estressante viagem em que lutara para se manter acordado ao volante, pensando na dita mensagem de Natal. Ou, ainda, a recebeu por email de algum funcionário público aspirante a humorista.

Passadas duas noites da ceia de Natal, em outro jantar em família, o caminhoneiro esclareceu ter recebido a mensagem, aquela dos "veadinhos do trenó", de um conhecido. E quis apenas compartilhar o momento com seus queridos primos. Uma outra, mais misteriosa, ele leu aos presentes naquela ocasião, não sem antes estender o prato para o repeteco do peixe assado. E que peixe... outra hora passo a receita.

– Não sei como te dizer isso, mas é melhor que você saiba por mim – dizia o SMS. – Só não te disse antes por medo de te magoar. Mas você tem de saber a verdade e tem de ser forte. Muitas vezes somos enganados e nos decepcionamos com a verdade. Seja forte e aceite a realidade: Papai Noel não existe (kkk). Feliz Natal! – por sorte, não havia criança alguma por perto.

Quem estava por perto era Edinelson von Kaík. "Vocês precisam ver uma que recebi de meu irmão", disse ele, referindo-se a Helitron, que, novamente, não estava presente. Ao ler a dita mensagem, a mesmíssima do "beijos gatinha", uma nova onda de risos tomou conta do ambiente. Se rir faz bem ao coração, todos ali ganharam uns cinco anos de vida... e uma porção de dúvidas acerca do parente.

Teria Helitron encaminhado a mensagem a todos seus contatos? Estaria ele apenas zoando com todos? Estaria, ainda, revendo suas preferências (sexuais, por que não)? Pior, teria ele enviado o torpedo a seu chefe? Correria risco de ser demitido? Sobre o fato, Helitron ainda não foi sabatinado pela família, mas será. Ainda não foi demitido, mas... todos esperam que não seja.

Quando os britânicos Henry Cole e John Callcott Horsley pensaram o primeiro cartão de Natal, não faziam a ideia da dimensão que tomaria o invento. O manuscrito pintado a mão, indiretamente, inspirou outras formas de se desejar feliz Natal. Inspirou Helitron, que, com o torpedo do "beijos gatinha", deve ter feito com que Cole e Horsley se revirassem em seus túmulos. E o jornalista, com o coração mais jovem, ainda que 30 dias atrasado, deseja um feliz Natal a todos que não pôde ver pessoalmente.
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