28 de abril de 2010

Time-out

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Tenho três amigos que vão ao psicólogo regularmente e sei de alguns outros que também vão, eventualmente, mas por preconceito bobo não contam a ninguém, talvez por receio de parecerem loucos. Nada contra os psicólogos, mas prefiro meios alternativos para vencer traumas e superar problemas, mesmo aqueles que impõem medo.

Erga a mão quem não tiver problemas para resolver. Viver é matar a dentadas um leão a cada dia, é pagar dívidas, brigar e se reconciliar com a mulher amada, pensar no futuro dos filhos, reclamar do preço do combustível, fazer o mesmo do preço da carne, perder 35% do salário para os impostos, pedir aumento e ouvir não do chefe, procurar outro emprego, estudar para se manter competitivo no mercado de trabalho, tomar vacina contra gripe suína, irritar-se com o colega puxa-saco, sonhar com o carro novo e ter de parcelar em dez vezes a troca dos pneus do Gol "geração um", pagar mais impostos e, de dois em dois anos, votar nos mesmos "bons e honestos" políticos. É tanta coisa que chega a dar saudade dos tempos de criança.

São problemas que geram estresse. Para mim, a melhor maneira de extravasar é parar, respirar fundo, preparar um bom café, refletir bebendo o café e escrever. Pôr os problemas no papel – ou no blog –, às vezes com ajuda de personagens criados para resguardar alguma privacidade, é um método quase infalível. Com permissão para uma analogia barata: é como o time-out do basquete, ocasião em que o técnico de um time da NBA pede tempo para conversar com os jogadores, traçar estratégias alternativas e colocar a "casa" em ordem. Escrever, para quem é chegado das letras, é como um time-out.

Há ainda outros métodos para extravasar o estresse. Um deles são os livros de autoajuda. Mas cuidado, há muita porcaria editorial na praça, especialmente nessa área. Há também a opção milenar de buscar soluções no âmbito espiritual, em Deus e com ajuda de uma igreja (ou mesquita ou sinagoga, etc), ou até mesmo na esfera secular, numa rodada de chope com amigos para chorar as mágoas, por exemplo. Aliás, quantos reis já não ansiaram ser plebeu ao menos por um dia, no dia de maior tristeza, para ter a liberdade de desabafar com amigos numa mesa de bar.

Rei ou plebeu, "sangue azul" ou não, é bom ter amigos por perto em momentos de dificuldade. Como ensinou o apóstolo Paulo: "Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor". Contudo, se nenhuma dessas técnicas funcionar, não relute em procurar um bom psicólogo. E se por acaso você for um rei ou algo parecido, faça como no cinema e seja "normal" por um dia... e vá beber com os amigos.
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26 de abril de 2010

Das Auto

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A caminho do trabalho, numa pálida tarde de outono, de sol encoberto por nuvens e chuviscos que não bastavam para ser taxados de garoa, decidi visitar um bom amigo. "Você pode vir vê-lo sempre que quiser", disse-me o mecânico, uma semana antes. Havia deixado meu Fusca 1975 para reforma e pintura, para os ajustes finais antes da venda. Santo Deus... venda era um verbo que não desejava empregar, sequer pensar, naquela situação.

Em seu azul escuro perolizado, com branco-gelo nas portas no provocante estilo minissaia, Sólido estava reluzente, quase pronto para ser disputado por colecionadores, em alguma garagem da cidade. Embora exuberante, parecia estar com um olhar triste, como se soubesse que seria vendido após o "banho de beleza".

— Teu Fusca não está pronto ainda — disse o responsável pela pintura — falta o polimento. Depois disso você vai vendê-lo num piscar de olhos.

Com ajuda de entendidos no assunto, avaliei meu Volkswagen bicolor em sete contos e pouco. Triste pela previsão de venda fácil e certo de que dificilmente tornaria a vê-lo após o negócio, fiquei ali, estaticamente triste, a observar o Sólido sem pressa. Fosse pelo afeto, nem R$ 20 mil o tirariam de mim. Precisava da grana para ajudar nas despesas de um caro curso de pós-graduação que havia cursado, seis meses antes, em São Paulo.

"Das Auto", como na propaganda. Na tradução livre do alemão: "O Carro", e que carro. No namoro de seis anos, o único problema que tive com o Sólido foi nos meses seguintes à aquisição. Bateria fraca, nada mais. O motor 1300 foi "feito" e, embora não seja lá tão econômico, é o ponto forte do fusqueta. Assoalho impecável; pneus largos e novos; interior em azul e gelo, combinando com a lataria externa; bancos em azul e preto; volante retrovisor e painel originais; vidros escuros. Um luxo. Com a pintura, desfilaria como um gentleman com terno a la James Bond e gravata borboleta.

Mais de uma vez, pensei em desistir da venda, porém, a iniciativa parecia acertada. Sem garagem coberta, o sol e o sereno mancharam a pintura sem dó. Agora, de "terno" novo, ele era merecedor de melhor abrigo, de uma espaçosa garagem para repousar. "Das Auto" merecia cuidados além do que eu poderia oferecer. A iniciativa da venda parecia realmente, vendo por esse ângulo, acertada.

Nunca liguei para a avaliação feminina do Sólido. Para as mulheres, era só um Fusca. Ao sair com ele pelas ruas da cidade, arrancava olhares interessados... de marmanjos que queriam o Sólido a ponto de fazer propostas obscenas por ele. "Te dou R$ 5 mil agora", disse um sujeito certo dia, no semáforo, de dentro de seu novo Vectra. "Por esse valor, tu devias procurar no ferro-velho do Seu Zé", retruquei. Para as mulheres, as mesmas que se interessavam pelo jornalista com crachá e carro adesivado do jornal, eu era invisível dentro do Sólido. Pobreza de espírito delas não entender a magia de um clássico bem conservado.

Comprei o Sólido em Pato Branco, de um sujeito que havia largado tudo no Brasil para assentar tijolos em Verona, na Itália, e que precisava de dinheiro para as passagens. Com financiamento do "banco paterno" – aquele da taxa de juros de 0% ao ano – paguei à vista e em espécie, garantindo o melhor Fusca do sudoeste paranaense por uma pechincha. O fechar das portas lembrava uma geladeira, a partida dava a impressão de o Sólido ter injeção eletrônica.

Vai precisar trocar a bateria, o fluído de freio e o óleo. Nada mais — disse o pai de um amigo de infância, da Mecânica do Di, que avaliou o Sólido antes da compra.
— E quanto tu achas que vale um Fusca como esse?
— Seis mil, no mínimo. Mas se for vender em cidade grande, consegues mais que isso por ele.
— Nooooossa — exclamei, como se tivesse descoberto a pólvora.
— Quanto custou? — disse, já curioso, o mecânico.
— Misericórdia, saiu de graça — comentou, após saber o valor.

Passados seis anos, era chegada a hora de algum felizardo colecionador ter o Sólido em sua garagem. No jornal, deram-me alguns anúncios nos classificados, para agilizar a venda. Pensei em deixá-lo em alguma garagem de confiança, em terceirizar a venda para não correr o risco de me arrepender da decisão.

Na cinzenta tarde de outono, que testemunhou a redação desta crônica, passei em uma lotéria a caminho do jornal. Apostei novamente em minhas seis dezenas favoritas, esperançoso de que a sorte me permitisse ficar com o Sólido. Quem sabe a sorte, o destino, Deus, sei lá, percebessem que o Sólido ficaria bem comigo, mesmo exposto ao sol e ao sereno. Quem sabe.
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9 de abril de 2010

Entrevista com Cobain

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"Quando Toddy chamar seu nome acene para o público e vá ao encontro do entrevistador, okay?", disse a assessora, enquanto retocava a maquiagem da mais recente celebridade do País. Cobain não participou do reality show Big Brother, mas havia se tornado conhecido da noite para o dia. Foi dormir anônimo, e acordou com pedidos de entrevista ao telefone. Chamou uma amiga jornalista – e ex-namorada, claro – para ajudá-lo a lidar com a situação e com o assédio da imprensa. Tornara-se famoso, por acaso.

Cobain era o entrevistado da noite no Toddy Show, programa que se tornara campeão de audiência no horário nobre, liderado por John Toddy, um apresentador de humor sarcástico e perguntas ácidas. Composto por três blocos, o programa normalmente tinha três entrevistados. Contudo, Toddy falaria apenas com Cobain naquela noite. O mundo queria saber mais sobre o moreno de 1,82m de altura, que conquistava as mais belas mulheres até nas muitas vezes que, sem carro, teve de ir à pé ou de carona para as baladas.

A fama veio após o lançamento do livro "Cobain e o Universo Feminino", que revela romances de um galã e dá dicas de como entender mais bem as mulheres. "Quando compreendidas e amadas, mesmo na TPM, elas fazem tudo o que eles querem (na cama)", diz trecho do livro, que se tornou best seller mundial em menos de um ano após seu lançamento. Averso a entrevistas e se sentindo pressionado a revelar a identidade do protagonista, Luiggi Oliveira contou em entrevista exclusiva à revista semanal "Tudo" quem era Cobain e como o conhecera. Feito isso, o escritor se isolou em sua casa na Serra Gaúcha e Cobain, não teve mais sossego.


— Vou receber agora aquele que talvez seja o maior galã desde Don Juan. Vem pra cá Cobain — anunciou John Toddy, seguido de música de entrada de seu sexteto.
— Depois que Luiggi Oliveira revelou seu verdadeiro nome, você prefere ser chamado apenas de Cobain. Por quê?
— Nossa, como estou nervoso. Se ficasse assim com as mulheres ainda seria virgem — disse Cobain, arrancando risos da plateia. Era sua primeira entrevista em rede nacional e ele, ainda confuso com tamanho assédio, esperava agradar.
— Queria eu ser mais tímido diante das câmeras e ter tanta facilidade com as mulheres.
— Não há segredo, você só precisa dizer o que elas querem ouvir. E ser romântico e atencioso na dose certa.

— É possível manter esse nível de conquistador sempre? Por exemplo, no fim de semana agora acontece a Atchuca, uma das maiores raves do País. Você consegue se dar bem nesse tipo de festa?
— Vixi, faz tempo que não vou a uma rave. Hoje em dia deve ser bem diferente. No meu tempo não existia "emos", por exemplo — disse o bem apessoado, seguido de mais risos da plateia.
— O que rola numa rave, além de "emos"?
— Rola de tudo: música tecno, várias tribos de gente, de hippies a playboys, muita "bala" e muito "doce" — disse, referindo-se ao uso de entorpecentes ilícitos. — Muito energético também. Tem uma galera que faz swing, que é um malabarismo com foto e cordas e não orgia sexual, claro — acrescentou o entrevistado.

— Você quer dizer que em rave fica todo mundo noiado? — perguntou Toddy, que insistia no assunto ao ouvir de seu diretor que a audiência havia disparado.
— No meu tempo, cerca de 85% usavam algum tipo de droga, infelizmente.
— Fiquei sabendo que essas festas às vezes duram dias. Como isso é possível Cobain?
— Então Toddy, quando você está numa festa que não tem hora pra acabar, afastada da cidade, com bebida, comida, drogas e opções para sexo... cheio de gente, por que ir embora?

— Como o oportunista Cobain se comportaria na festa deste fim de semana?
— Não vou a essa festa, mas vou traçar um perfil psicológico do Cobain (risos). Ele é um cara que se dá bem com as mulheres, certo? Sai com mulheres que os outros geralmente nem chegariam. Quero dizer, sai com mulheres casadas e noivas, isso pra não falar naquelas que têm namorado. Então, ele é um cara que analisa as meninas, que sabe conversar com elas e encontra as lacunas que elas querem.


— Mesmo em uma rave?
— O tempo todo. Agora, como conselheiro amoroso, faço isso também profissionalmente.
— Como conselheiro, que dica você tem a quem quer se dar bem numa rave sem usar drogas, e que quer deixar a festa direto para um motel?
— Quanto mais sóbrio você estiver, melhor. É isso que posso dizer. Estando sóbrio, você tem condições de chegar na menina na hora certa.

Com a audiência bombando, John Toddy encerra o primeiro bloco e chama o intervalo comercial. Cobain, já mais relaxado, é aconselhado por sua assessora. Em sua primeira aparição em horário nobre, e em rede nacional, o galã conquista sorrisos e audiência.

Não saia daí, nem mesmo para estourar pipocas. Voltamos em segundos com Cobain, o novo Don Juan... (pausa) que merda isso aqui. Oooo direção, a gente está economizando no ar-condicionado por acaso? Deixa mais frio isso aí!
Você acha que me saí bem? — perguntou Cobain.
Claro, mas vê se conta mais detalhes sórdidos, para apimentar a entrevista. Aliás, acho que aquela minha assistente de palco ali está de olho em você.
— Eu sei, já combinei uma volta com ela assim que sair do teu programa.
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