25 de janeiro de 2012

Amnésia literária

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Um bombom de chocolate com avelãs, alguns biscoitos com recheio de goiabada, três expressos depois e... nada! Sem nenhuma boa ideia para apresentar à folha de papel, ociosamente em branco, o lápis recém-apontado seguia em repouso. Se lápis pudesse falar, aquele um teria dito: “Vamos lá, você consegue. Já escreveu antes, por que não escreveria agora?”

Um frase memorável, pensei, deve ser tudo na vida de um lápis. E aquele HB queria fazer seu grafite valer a pena.

Amnésia literária é o que de pior pode ocorrer com um escritor. Num passe de mágica, você transborda de boas ideias, de estórias sedentas para serem contadas. Claro, isso costuma acontecer no chuveiro; na fila do banco; no trânsito; no almoço de família; na cama, em especial quando o sono bate à porta. Noutro passe de mágica, esquece-se de tudo na companhia do lápis ou defronte o computador, tão logo os dedos tocam o teclado.

A xícara fora esvaziada 15 minutos antes e a cafeína na corrente sanguínea tornara inquietas minhas pernas. Era chegada a hora de encarar o papel em branco e escrever. O quê? Qualquer coisa que, posteriormente, pudesse ser lido pela namorada, sem conflitos. Ali ao lado, quase sem piscar, ela folheava um livro com centenas de fotos de gatos, adultos e filhotes. O livro parecia dar dicas do universo dos felinos.

Falei pra minha irmã que não pode assustar o Alfredinho quando ele está dormindo — disse Ines, que insiste em chamar seu gato cores preto e branco, de mais de cinco quilos, pelo diminutivo.
Mas teu gato vive dormindo — respondi.
Só de dia. À noite, ele sai atrás das gatas.
Sei bem como é — comentei. — O último gato que eu tive, o Fundi, também era pegador. Ele morreu numa enchente, lá em Pato Branco.
Que dó.
É.

Por falar em gatos e gatas, entre sucessivos goles de café, foi impossível não notar a ruiva com lábios de Angelina Jolie em uma mesa próxima. Um tipo exótico de mulher. Pele bem clara e com sardas, unhas pintadas de preto, batom vermelho Ferrari, óculos escuros prendendo os cabelos lisos e coluna ereta, tipo manequim. Ofuscava quase que completamente uma amiga pouco produzida, cabelos curtos e unhas por fazer. A protagonista bebia água tônica e a coadjuvante, cappuccino gelado com creme.

A Angelia Jolie versão Irlanda estava vestida comportadamente, sem decotes nem minissaia. Uma prova de que mulher não precisa “usar uniforme de biscate”, como diria o jornalista Marco Antonio Araujo, para ser notada. Nessa linha de conduta, há um ano, os belos olhos azuis e o jeito delicado de Ines me conquistaram. No papo de boteco com amigos, sempre rola o comentário de que mulher ideal é aquela que não faz o homem passar vergonha.

As lembranças do início do namoro me arrebataram da cafeteria para o passado. Quando retornei, a ruiva já tinha partido. Melhor assim. Com a namorada ao lado, era preciso redobrar a cautela para evitar uma “guerra mundial” por coisa pouca. Bem pouca.

Li na internet que a cada 100 habitantes no mundo um, no máximo dois, são ruivos. E mais: os cabelos avermelhados, provenientes de um gene recessivo, correm o risco de desaparecer até 2060. E se o rutilismo é exceção, então, jovens e belas ruivas como aquela “irlandesa” são raridade. Certamente, precisam ser "estudadas" antes que acabem. Em dia de amnésia literária, em que o lápis pouco trabalhou, Alfredinho há de concordar comigo.
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