20 de dezembro de 2011

Africanos torceram pelo Santos

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Assisti à vitória do Santos, na semifinal do Mundial de Clubes da Fifa, em um pacato bar na Long Street, a rua mais agitada do Centro de Cape Town, na África do Sul. Contudo, foi como se eu estivesse em meio a santistas, num bar qualquer no Brasil.

Os sul-africanos são apaixonados pelo esporte bretão, em especial pelo jeito brasileiro – cheio de ginga e malandragem – de jogar futebol.

No gol de Neymar, o primeiro dos três anotados pelo Santos contra o time japonês, ouvi alguém comentar:

He's the best, fantastic! Neymar is better than Messi —, na tradução do inglês:  ele é o melhor, fantástico! Neymar é melhor que o Messi.

A cada gol, bola na trave, drible ou lance de efeito, o pessoal focava em mim e disparava perguntas sobre o Santos e brasileiros que brilharam na Europa ou em Copas do Mundo. “Verdade que o Sócrates morreu?”, perguntou um deles. “Onde está jogando o Ronaldinho [Gaúcho]?”, questionou outro. Apesar de a TV sul-africana transmitir ao vivo os jogos da seleção brasileira, o Campeonato Brasileiro recebe pouco ou nenhum espaço da imprensa local.

Nossa seleção é muito apreciada por aqui. Em Cape Town, não conseguiria enumerar quantos africanos (da África do Sul e de países vizinhos) já vi vestindo a amarelinha. O 9 do Ronaldo Fenômeno e o 10 imortalizado por Pelé são os preferidos. O Rei do Futebol, ouso afirmar, é mais rei por aqui do que no Brasil – onde costuma ter suas declarações contestadas pela crítica. E quando eles, os africanos, não veem seu país na Copa, é para o Brasil que costumam torcer.

Matei aula de inglês para ver o Santos jogar, mas valeu a pena. Menos pelo jogo – porque aquele que aqui escreve é palmeirense –, mais pela oportunidade de vivenciar a admiração dos africanos pelo Brasil. Ao menos naquele barzinho, chamado Bagdah, ninguém tinha dúvidas de que o Santos de Neymar, Ganço e companhia teria força suficiente para bater o badalado Barcelona de Messi.

Entre um gole de cappuccino e uma bela jogada dos garotos da Vila, senti-me em casa em meio a estranhos, todos torcendo pelo time de Pelé.



Artigo escrito para o jornal O Diário, de Maringá. Publicado em 15/12/2011.

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25 de novembro de 2011

Um pé na África

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Nos tempos de faculdade, quando Orkut não era nada além de um nome oriental e YouTube não existia, uma das diversões na internet era receber e-mails com perguntas de amigos. A gente lia o questionário, apagava tudo para incluir nossas respostas para as mesmas perguntas e, depois, enviar para uma outra dezena de pessoas.

Hoje taxado como spam, esse tipo de e-mail era um dos principais passatempos de uma época virtual não tão distante assim. A diversão top, claro, era o extinto mIRC.

Naquela época, esses questionários traziam quase sempre as mesmas perguntas, entre elas: quem você levaria para uma ilha deserta? Qual sua comida favorita? O que você pensa da pessoa que te enviou este e-mail? Essa era uma pergunta especial, talvez a melhor do questionário. Dependendo da resposta da moça, você poderia partir para o ataque. Atualmente não, as pessoas ficam se cutucando no Facebook para demonstrar interesse.

Das perguntas daqueles longos questionários, gostava de uma em especial: "você já esteve na África?" Respondia que não e a cada resposta negativa a vontade de conhecer o continente dos leões, leopardos, elefantes e girafas crescia um pouco mais. Foi crescendo, crescendo e virou sonho. Passei a desejar pôr os pés em solo africano. Ah, como eu queria ser como aqueles apresentadores dos canais da TV a cabo, com suas mochilas nas costas, apresentando as maravilhas dos safáris para o resto do mundo.

O tempo passou e o sonho deixou de ser algo tão distante, impossível de ser alcançado. Passados mais de dez anos desde aqueles bons tempos de "arroba bol", de ter um @ para ser alguém (operador) no mIRC, vivo a expectativa da realização de um sonho. A contar da data desta crônica, dentro de uma semana estarei no aeroporto, em São Paulo, aguardando voo para a África do Sul.

O destino será a bela Cidade do Cabo, por lá chamada de Cape Town (foto). A desculpa para gastar o pouco que consegui economizar – porque pobre não pode se dar ao luxo de viajar para o exterior por mera diversão – é um curso intensivo de inglês, visando a ganhar fluência no idioma. Os velhos questionários por e-mail ficaram no passado, mas quem se importa? Graças ao YouTube, tive acesso a dezenas de vídeos sobre o que me espera do outro lado do oceano.

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Clique aqui para ver o vídeo que inspirou esta crônica.
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1 de outubro de 2011

Vergonha no fundo do poço

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Meu pouco tempo de vida – aos 30, ainda me considero jovem – e também de Maringá não me impedem de afirmar, com propriedade, que a Câmara Municipal viveu em 29 de setembro de 2011 o pior momento de sua história.

Para evitar a revogação de um artigo que restringe a construção de casas geminadas na cidade, o vereador John Alves (PMDB) tirou a camiseta durante a sessão e ameaçou baixar as calças se os colegas insistissem na votação da matéria. Indignados, alguns vereadores deixaram o plenário no ato e a sessão, sem quórum, teve de ser encerrada.

Um episódio vergonhoso, que me leva a refletir, na condição de assídio frequentador das sessões ordinárias (aquela foi ordinária no outro sentido da palavra), sobre o que há de podre por trás do dito artigo 39 a ponto de um vereador se despir para impedir sua revogação?

Semanas antes, a Câmara havia dado um bom exemplo, ao atender ao clamor da população e votar contra o aumento do número de cadeiras. O striptease diante de um plenário lotado – construtores e lojistas do setor marcaram presença para pressionar os vereadores – foi a prova cabal de que o Legislativo fez bem ao manter as 15 cadeiras. Por pressuposto, com mais vereadores o risco de ocorrerem baixarias como essa promovida por John seria maior.


John conseguiu o que queria. Interrompeu a votação e mostrou que ele só precisa falar grosso para a maioria baixar a cabeça e obedecer. Concordo que os vereadores ficaram constrangidos com o episódio, mas largar a sessão por conta disso foi covardia. Deixaram o plenário como cães acuados ao invés de partir pra cima de John, cobrar a saída dele e permanecer para votar a matéria após a bagunça.

Apenas cinco ficaram no plenário: Mário Hossokawa (PMDB), Manoel Sobrinho (PC do B), Mário Verri (PT), Humberto Henrique (PT) e Marly Silva (DEM). Não restou a eles muito mais do que se desculpar com os presentes e levantar suspeitas sobre as geminadas. Qual o tamanho do "bicho da goiaba"?

Um dos vereadores disse que pode recorrer ao Ministério Público para que o projeto seja investigado. Outro, falou que entrará com uma representação, o que pode culminar com a cassação do mandato de John. Quem foi àquela vergonhosa sessão, e ouso falar (escrever) em nome deles, não espera menos que isso.

Também me entristeceu, já na redação, escrevendo a matéria, a reportagem levada ao ar por uma emissora de TV. Em uma conclusão infeliz, o âncora (apresentador do telejornal) fez piadinha com o ocorrido. Uma situação séria como essa não se leva na brincadeira – pelo menos não em público. Alguém, por acaso, tem a ousadia de aplaudir um indivíduo que pisoteie a bandeira nacional?

A luta por um Estado democrático – e muitos pagaram pela liberdade com o próprio sangue – foi por isso? A mácula deixada no Legislativo maringaense não será esquecida por essa geração. Deixei a Câmara, naquela quinta-feira, com vergonha de ser eleitor em Maringá.

Versão completa do artigo publicado no jornal O Diário.
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19 de setembro de 2011

Champions League

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A votação do número de vereadores em Maringá foi única. Fosse um show, diria: "valeu o ingresso". Nunca antes houve tamanha mobilização em torno de uma matéria apreciada no Legislativo maringaense. Pelo interesse popular, qualquer que fosse o resultado, a democracia sairia ganhando.

Em jogo estava a disputa pela manutenção das 15 cadeiras contra o aumento para 21 ou o limite constitucional para Maringá, 23. Uma quarta opção, passível de descrédito, sugeria a redução para 9. Pura demagogia. A proposta tinha como signatário um dos vereadores que lutavam pelo aumento e, indignado com a falta de apoio da maioria, fazia birra: "se não for pelo aumento, então vou votar pelo mínimo".

Na histórica sessão ordinária, plenário lotado. Dos 290 assentos, mais de dois terços eram ocupados pelo movimento que cobrava a permanência em 15. Todos uniformizados, de posse de adesivos da campanha e vestidos com camisetas pretas bacadas pela associação comercial. Alguns poucos corajosos, pró-21 ou 23, erguiam seus cartazes escritos a mão, em apoio a seus vereadores – a minoria na votação.

Da área reservada à imprensa, bebericando um cafezinho preto, o repórter que vos escreve observava atentamente a multidão, instantes antes da votação. O cenário lembrava uma decisão de campeonato de futebol, no qual, os vereadores eram os jogadores. No "gramado", somente a eles era dado o direito – conquistado pelo sagrado voto – de disputar a partida e marcar os gols da vitória. Aos mortais, restava torcer.

Como em qualquer grande clássico, emissoras de tevê e repórteres fotográficos disputavam o melhor ângulo para suas lentes. Ai de quem não voltasse à redação com a melhor imagem; teria de se explicar com o editor-chefe. Uma rádio e o próprio site da Câmara faziam transmissão ao vivo e um portal de notícias publicava as novidades minuto a minuto.

A maioria dos profissionais de imprensa estava ali, no "estádio", pela primeira vez no ano, sem a mínima noção das regras do jogo. Finalíssimas são assim mesmo, despertam atenção especial da mídia, inclusive de quem não é do ramo. O público, tão ansioso quanto a imprensa pelo pontapé inicial, observava os jogadores (vereadores) em aquecimento. Articulações de última hora são de praxe na política.

"Estádio" lotado para a decisão
Na arquibancada, a torcida do time dos 15 recebia chocolates – suflair e sonho de valsa – sem moderação. A considerar o nível do espetáculo e o aperitivo para formiga nenhuma botar defeito, diria que se tratava de uma final de Champions League, com o Real Madrid (time dos 15) jogando no Santiago Bernabéu. Uma legítima final europeia porque, fosse sulamericana, ao invés de suflair o público receberia balas de banana ou de canela ou, na melhor das hipóteses, aqueles "mumus" de doce de leite.

Jogando em casa, o Real Madrid sentia-se confiante. Discussões nos bastidores apontavam para uma vitória sem dificuldades do time dos 15. Flávio Vicente (PSDB) – o Cristiano Ronaldo deles – acenava para a torcida empresarial, sorridente, momentos antes do início do jogo. Parecia prever o que estava por vir.

Do outro lado, o modesto Fiorentina, do capitão John Alves (PMDB), não se dava por vencido. No futebol, e por que não na política, não há jogo ganho antes do apito final (votação). A pressão da torcida, toda de preto e com as energias repostas (lembra do suflair?), era grande. John tentava tranquilizar os seus. Ex-presidente da Casa, já havia passado por situações bem piores... e sobrevivido.

O temor é de que o Fiorentina cedesse à pressão. Quem já jogou futebol sabe que, até mesmo em peladas de fim de semana, jogar contra a torcida adversária é largar em desvantagem – emocional, no mínimo.

Primeiro tempo
As jogadas de destaque partiram dos vereadores que fizeram uso da tribuna. Frustrou-se quem esperava toques refinados, de classe. Não faltaram caneladas nos adversários, de um lado e de outro. No lance mais polêmico, talvez já sentido o peso de jogar "fora de casa", Marly Silva (PPL, na época DEM) deu um carrinho por trás – daqueles que no futebol de verdade rende cartão vermelho no ato – ao alegar que o Real Madrid jogava "de quatro" (em referência à subserviência ao poder Executivo). Quase deu briga.

Os principais lances do modesto Fiorentina, bem menos endinheirado que o Real Madrid, partiram de John. Entre uma e outra jogada, o peemedebista demonstrava que não cederia à pressão. Estava preparado psicologicamente. Em seu time, além de Marly, contava com a dupla de zaga do PRP, Luiz do Postinho e Wellington Andrade – que faltava muito aos "treinos" –; com o lateral esquerdo Mário Verri (PT), que conseguia alguns bons articulados cruzamentos à área; e com o atacante Manoel Sobrinho (PC do B), que tentou alguns dribles mais ousados, entre os quais citar Jesus Cristo pela enésima vez em discurso, sem êxito na tentativa de impressionar a torcida.

Com a simpatia do público "madrilenho" e aparente vantagem em campo, o capitão do Real, Mário Hossokawa (PMDB) e o volante turrão do time, Heine Macieira (PP), deixaram os lances de efeito da tribuna para "Cristiano Ronaldo" Vicente, que estava mordido por, dias antes, ter sua viagem à Europa vetada pelos colegas. Queria vingança.

O Real também levou à tribuna o lateral esquerdo, Humberto Henrique (PT), que muitos queriam ver disputando a temporada pelo Fiorentina; o meia Zebrão, recém-chegado ao time dos 15; e o back central Paulo Soni (PSB), um sujeito de pavio curto, famoso por suas frases de efeito. Durante a partida, Soni chegou a chamar os próprios colegas de time de burros. Ficaram no banco Márcia Socreppa (PSDB), Dr. Saboia (PMN) – todo time precisa de um preparador físico – e Bravin (PP), que um dia antes havia declarado num programa de TV que jogaria pelo Real.

Segundo tempo
Com sobras em campo, os gols do Real foram saindo naturalmente. O primeiro veio com a rejeição da proposta de 23 vereadores. A proposta de 9 também não passou... outro gol. Ao final do jogo, a goleada foi assegurada com 11 votos a 4 contra o aumento para 21 cadeiras. Três a zero.

No Fiorentina, John, Verri e Manoel se mantiveram firmes até o final. Marly e Wellington cederam à pressão e, no último momento, votaram contra 21. Chateado, mas de cabeça erguida, John se dirigiu à área reservada à imprensa para as entrevistas pós-jogo. Afirmava que, depois do desfecho daquele jogo, aposentaria-se ao final do contrato.

Os jogadores do Real Madrid se cumprimentavam em campo e, na arquibancada, a torcida de preto (cor do uniforme B do Real) comemorava. Não demorou muito, "Cristiano Ronaldo" Valente pulou o "alambrado" para tirar fotos com a torcida empresarial.

Em uma decisão que ficará para a história de Câmara "Santiago Bernabéu" de Maringá, para satisfação da maioria dos torcedores (eleitores), o Real Madrid faturou o título. Outra Champions League, ou seja, decisão do número de vereadores, só daqui quatro anos.
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2 de setembro de 2011

Pastel e pilates, por favor

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Direi a meu filho, quando tiver um: seja médico, advogado, engenheiro, jogador de futebol e até vereador, mas pense duas vezes antes de ser jornalista. O rendimento de repórter, em especial em cidades de interior, com poucas opções de trabalho, deixa a desejar. Quem quer ter algum ($$) a mais para investir na carreira precisa fazer dupla jornada, sentado em frente a um computador, no maior sedentarismo.

A mesma dupla jornada que me permite pagar uma conceituada pós-graduação e, uma vez por ano, fazer uma boa viagem; acarreta esgotamento mental, sucessivas faltas à academia, má alimentação, açúcar demais e fibras de menos, enfim, uma vida sedentária. Consequência: ganho de peso e malhação para correr atrás do prejuízo.

Com pouco tempo para exercícios, já tentei algumas alternativas. Cortei açúcar para perder míseras 200 gramas e desisti daquelas cápsulas que prometem absorver a gordura dos alimentos. Mentira, não funciona! Estou pensando seriamente em cortar as massas e parar de comer à noite, porém, de momento, a estratégia ainda não saiu do papel. Tenho receio de tomar remédio e prejudicar a saúde, por isso, o máximo que cogito é tomar aquelas vitaminas da Herbalife.

Ao lembrar o que me diz a balança, refuto a afirmação de minha magra e esbelta namorada de que estou bem. Só quer me agradar, é isso.

Para complicar, a academia que passei a frequentar fecha nos fins de semana e depois das 23 horas, nos dias de semana; justamente quando tenho tempo de queimar algumas calorias na esteira. Minha mãe quis saber por que parei de correr no Parque do Ingá. Tive de explicar, de novo, toda a história da dupla jornada e do sedentarismo.

Minha campanha pela perda de alguns quilinhos começa a ter participação popular. É o pessoal cruzando os dedos e até indicando academia – entre elas de boxe, esporte que eu praticava num passado mais magro que o atual. Numa das sessões da Câmara Municipal, na sala de imprensa, um vereador veio me dizer eu estava gordo. Nem reclamei da constatação porque, dessa vez, o vereador estava falando a verdade.

Como essa questão de redução de peso não se resolve de uma hora para outra, preferi postergar novas metas (para não falar em dieta) para segunda-feira. Na manhã seguinte à constatação do vereador, pedi um pastel de miniovo na feira, com café para acompanhar. Nessa história de perder peso, todo mundo tem uma "boa" dica pra dar. O nobre edil me indicou pilates. "Custa SÓ R$ 150 por mês", disse ele. Bom, enquanto não recebo salário de vereador, prefiro boxe… e um bom chope de vinho depois!
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31 de agosto de 2011

O aumento de vereadores e a colegial gostosa

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Em maio do ano que antecede as eleições, enquete qualificada do jornal O Diário revelou que 60% dos 15 vereadores maringaenses queriam ter o maior número possível de colegas na Câmara Municipal. Só dois deles falavam na permanência em 15. Semanas se passaram e, diante de turbulências – leia-se, pressão da sociedade civil organizada – o porcentual favorável a 23 vereadores caiu abaixo de 40%.

Ao entrevistá-los, nas sessões ordinárias, podia apostar que a maioria deles (talvez todos eles) deitavam a cabeça no travesseiro sonhando com 23, mas, temendo a perda de votos, contava apenas "15 carneirinhos". Há de se considerar que político de verdade, no Brasil, não fala a verdade sempre.

Situação que me faz recordar dos tempos de adolescente, no Colégio La Salle de Pato Branco. Aos 15 anos, meus colegas espinhentos e eu, o mais espinhento deles, sonhávamos pegar a garota mais gostosa da turma, mas, temendo levar um fora, a coragem (ou a falta dela) só nos permitia flertar com as meninas de modesta beleza – para ser politicamente correto.

Os vereadores não são muito diferentes daquilo. Respeitadas as devidas proporções, são tão covardes quanto garotos – espinhentos, virgens e sem namorada – de 15 anos. Fossem corajosos, bateriam no peito estufado e gritariam 23 sem medo de ser feliz e, eventualmente, de levar um fora (digo, perder votos).

Na prática só um dos edis, autodenominado "cabra macho de saco roxo", fez isso. E bastou o vereador John tomar coragem e protocolar proposta em favor do aumento para parte da turma dos 15 "sair do armário". Nove apoiaram a proposta, que precisava apenas de cinco assinaturas para tramitar.

Posso até imaginar os vereadores de Maringá como se tivessem 15 anos, com seus uniformes de estudante ao invés dos paletós das sessões. John mataria aula para cantar a menina mais gostosa no corredor e os demais, doidinhos para fazer o mesmo, porém, com medo de tomar uma advertência, dedariam o agarra-agarra à diretora do colégio.

Se no íntimo existe algum vereador que deseja manter o número de cadeiras em 15, sem demagogia, peço perdão pela brincadeira. Essa rara exceção faria valer a vontade do povo, que não quer mais vereadores e, sim, mais empenho do Legislativo no cumprimento de suas atribuições, entre elas a fiscalização do poder executivo. Alunos que matam aula, normalmente, não levam as coisas a sério.
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Crônica inspirada em artigo publicado em O Diario.
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31 de julho de 2011

Homem invisível

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Estirado no sofá, retomando o fôlego do exercício físico de minutos antes, flagro-me (outra vez) a observar a bela imagem de Marilyn Monroe. Lá está a bela, com seu olhar maroto, na estampa do meu relógio de parede. Os ponteiros do relógio feito de vinil reciclado, comprado numa lojinha dessas vende-tudo de São Paulo, quase marcam zero hora, impondo fim a um dia especial.

O Wikipédia me contou que o dia 26 de julho é a data de nascimento do saudoso Telê Santana (o melhor dos técnicos de futebol) e do vocalista da banda Rolling Stones, Mick Jagger (pai de trocentos filhos); e da morte do Papa João Paulo II. Para mim, o 207º dia do ano no calendário gregoriano passará a ser o Dia Internacional da Caloi 10.

A vida sedentária, a avaliação médica de pré-disposição a labirintite e o ganho de peso deram o alerta: havia passado da hora de mudar os hábitos. Matriculei-me numa academia, cortei os doces e frituras, reduzi as massas e, a mais empolgante das medidas pró-saúde, comprei uma Caloi 10 "zero km". Dizem se tratar (e eu concordo) do maior clássico entre as bicicletas fabricadas no Brasil.

Todas as cinco bikes que tive, anteriormente, foram presentes de meu pai. Logo, é a primeira vez que meto a mão no bolso para comprar uma bicicleta. Um sabor especial, quase comparado à compra do primeiro carro zero.

Lembro-me bem da última bicicleta que tive: uma mountain bike Sundown 18 marchas, roxa com detalhes em rosa e azul, bar hands também na cor rosa. Um pouco gay? Bastante, diria, mas na época não achava isso. A "magrela" era única na cidade, não havia outra igual. Da adolescência ao período da faculdade, foi meu principal meio de transporte na montanhosa Pato Branco. Por lá, ao contrário da plana Maringá, faz todo sentido ter 18 ou 21 marchas.

Com imenso pesar, vendi aquela bicicleta em 2006, antes de partir para uma temporada na Alemanha. Foram sete longos anos sem andar de bicicleta (ergométricas de academia não contam). Era difícil conter a ansiedade para voltar à rotina das pedaladas. Perder calorias com a sensação de liberdade do vento na cara? Bah, tudo de bom!

Tão logo saí do trabalho, apanhei e Caloi 10 e parti para o passeio inaugural. Não ousei largar as mãos do guidão, como fazia quando era mais jovem, com menos peso e mais cabelos. Andar de bike "sem as mãos" só depois de comprar um capacete.

Passei no posto para calibrar os pneus. Meti neles as 100 libras que o fabricante sugere, morrendo de medo de o pneu estourar de súbito. Dois caras na faixa dos 50, que abasteciam seus carros, vieram puxar conversa. Um teve Caloi 10 no passado, ambos não sabiam que o modelo ainda era fabricado.

- Caloi 10 é que nem Kombi, não acaba nunca - brinquei. Os camaradas se foram, um deles convicto de que uma Caloi 10 o deixaria alguns anos mais jovem.

Calibrando os pneus ou pedalando, o que não pude deixar de notar é que, no universo feminino, homem em bicicleta é invisível. As mulheres de hoje gostam mesmo é de homem com carro. Moto 150 cilindradas não serve. Carro usado também não serve, tem de ser novo e, de preferência, importado. Ser "Maria gasolina" está na moda. Não faz muito tempo, uma dessas me disse: "preciso de um mínimo de conforto". Nunca mais a convidei pra sair.

Quando era adolescente, já faz um bom tempo, os rapazes com Caloi 10, a primeira bicicleta com marchas do Brasil, faziam tremendo sucesso com as meninas. E elas até aceitavam uma carona no quadro da magrela. Ou, como se diz em Pato Branco, "no varão da magrela". Em tempos de domínio das "Marias gasolina", só se consegue tamanha proeza com uma Harley-Davidson.

Homem invisível que sou, apanhei a Caloi 10 e parti pelo roteiro pré-definido no Google Maps. Foram 17 quilômetros, dos quais pequeno trecho das pedaladas se deu em uma das raras ciclovias de Maringá. Na metade do percurso, fiz uma pausa estratégica na casa da Dona Celina, onde sempre encontro café passado e pão com manteiga. Bom pra repor as energias.

Os quilômetros finais, no retorno para casa, foram doloridos. Bicicletas da categoria Speed são leves, rápidas, interessantes de pilotar, mas deixam a desejar em conforto. Ouvi falar que ciclistas experientes usam shorts com almofada no traseiro. Muita frescura. Prefiro ficar com o traseiro doído.

Apesar das dores, vou guardar boas recordações do primeiro Dia Internacional da Caloi 10. Marylin, com seu sorrido maroto, parece me observar com olhar de aprovação. Nos tempos dela, homens de bicicleta não eram tão invisíveis quanto hoje, posso apostar. Algumas até aceitavam carona no varão.


Exibir mapa ampliado
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9 de maio de 2011

Graças a Deus

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Bíblia debaixo do braço, terno e gravata a caminho da igreja, a pé, com sua esposa de cabelos compridos e saia preta até o chão. O sorriso de um santo estampado no rosto, como se debochasse de todos que cruzavam o seu caminho, todos pecadores. Sujeito, com essas qualidades, seguia seu rumo do outro lado da rua. Matheus, possivelmente, não tornaria a vê-lo, mas ficou por instantes a refletir se o pentecostal era, por dentro, tão feliz quanto seu sorriso supunha.

“Se tenho fé em Deus, logo, também sou um filho de Deus”, pensava. “Não sou menos filho de Deus porque minha garota é gostosa e usa shorts curto”, refletiu. Bíblia empoeirada no armário, camiseta xadrez e calça jeans a caminho da padaria, com sua namorada de camisola e nada mais, aguardando o pão francês quentinho para o café da manhã. Seguia seu rumo, do lado de cá da rua, a pensar na vida como fazia todo início de ano: “será que sou feliz?”

Matheus nunca foi do tipo religioso. Havia se afastado dos “irmãos” da igreja depois de um deles, que lembrava o jeito de santo do sujeito do outro lado da rua, associar inferno a sexo fora do casamento. Fora casado e, à época, sua vida era um inferno. Pecador ou não – por conta da companhia seminua em sua cama -, fazia suas orações toda noite antes de pegar no sono. Às vezes perguntava a Deus: “sou mesmo feliz?”

No silêncio de seus pensamentos, antes do “amém”, agradecia por ter saúde, por seus pais e irmãos terem saúde, por sua namorada ter saúde… no caso dela, uma saúde repleta de curvas! Lembrava da preocupação de seus pais para com o futuro dos filhos. Frequentou as melhores escolas e teve uma educação pautada nos princípios cristãos, porém, quando adolescente, era tomado por acne e as meninas não se interessavam por ele. Naqueles tempos, dizia com convicção: “não sou feliz!”

Cresceu, teve a primeira namorada, foi à faculdade, foi às festas da faculdade, teve outras namoradas, graduou-se bacharel e conseguiu seu primeiro emprego. Fez amigos cultos, alguns dos quais advogados, trocou de emprego, casou-se e dois anos depois precisou de um de seus amigos advogados, no processo de divórcio. A cada troca de emprego e de namorada, questionava-se: “isso me faz feliz?”

O salário estava longe de ser o sonhado. “Quem ganha bem é patrão, não empregado”, ouvia na “rádio corredor” da empresa. Há quem diga que se queixava de “barriga cheia”. Em cinco anos, havia conhecido cinco países e duas das novas maravilhas do mundo. Viajou ao litoral após anos sem ver o mar e as mulheres de biquíni. “Na piscina”, dizia, ao contemplar o oceano e o bronze alheio, “não é a mesma coisa”. Vindo da praia ou do exterior, o retorno à comodidade do lar enchia seu coração de dúvidas: “este lugar me faz feliz?”

No caminho de volta da padaria, o telefone tocou. Alguém chorava do outro lado da linha. Era uma mulher e a voz, soluçante, difícil de compreender. Suas pernas tremeram. Uma amiga de longa data, sobre um amigo de infância de Mateus e ex-namorado dela: “o paraquedas do Júlio não abriu”. A perda trouxe dias difíceis, tristeza e lágrimas. Trouxe reflexão. O paraquedismo, diante dos apelos maternos, Matheus deixou de lado. O azar poderia ter piscado para ele, ao invés de Júlio. Preferia o piscar dos olhos azuis e o shorts pouco comportados da namorada. Diante do risco de ir para o inferno, orava e agradecia a Deus: “viver me faz feliz!”
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8 de abril de 2011

Não pare na faixa

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O título, meus caros, não é educativo. Trata-se de um desabafo e, sendo assim, não tire conclusões sem ler o texto até o final. Tem a ver com uma dose cavalar de chateação e que me levou à seguinte reflexão: vale mesmo a pena agir corretamente?

O sábado começou com uma manhã entediante de trabalho. A rotina de repórter não é a maravilha que os estudantes de Jornalismo imaginam (e que eu também imaginava em meus tempos de academia, há quase dez anos). Fui escalado para cobrir o retorno de Rodrigão a Maringá e, na companhia de fotógrafo do jornal, levamos um chá de cadeira à espera do BBB no shopping onde ele participaria de sessão de autógrafos.

Deve ter sido castigo, pelos trotes que havia passado no Twitter sobre uma repentina chegada de Rodrigão, dias antes. Como entusiasta da editoria de política, queria ter acompanhado a reunião da simpática senadora Gleisi Hoffmann - esposa do ranzinza ministro Paulo Bernardo - com prefeitos da região. Baita azar, porém, o pior estava por vir.

O estresse do trabalho passou com um bom cochilo depois do almoço e com a terapia de sempre: a associação de livraria e café expresso, com ambiente climatizado para escapar do calor maringaense. Para melhorar, o café foi na agradável companhia de uma amiga jornalista. Para ficar perfeito, à noite passei buscar a namorada para jantar e beber um bom vinho. E bons vinhos sempre... bom, não há necessidade de pormenores.

Mas “quando a esmola é demais”, como diz o ditado, “o santo desconfia”. Alguma coisa estava para dar errado.

No percurso a caminho do Centro da cidade, por volta das 21h30, reduzi a velocidade ao notar um pedestre no canteiro central, aguardando para concluir a travessia da avenida. Fiz o que se ensina em qualquer autoescola, ao respeitar o Código de Trânsito Brasileiro e atender ao apelo das insistentes e válidas campanhas de trânsito: dei preferência ao pedestre. Uma fração de segundo depois, senti a pancada no meu carro vermelho de marca italiana e o corpo contra o sinto de segurança. Sinalizei com o pisca alerta que daria preferência ao pedestre, mesmo assim sofri colisão traseira de Vectra conduzido por um empresário, ou melhor, um ignorante de um pequeno município vizinho.

Não briguei, não ofendi o sujeito. Acidentes acontecem e, felizmente, ninguém se feriu. O empresário assumiu a culpa de imediato. Um senhor em torno dos 55 anos, que aparentava estar sóbrio. Bateu por descuido, não por conta do efeito da ingestão de álcool. Ele ainda tentou se esquivar de meu carro e, felizmente, não conseguiu. Estou certo de que teria atingido o pedestre, que já atravessava a faixa.

Lembrei-me de uma campanha educativa da Prefeitura de Maringá que passa diariamente na TV a cabo local. “Em Maringá, atravesso a rua na faixa, porque muitos motoristas respeitam os pedestres e param na faixa”. Como a utopia soa bem na tevê. Faltou dizer que outros, que não respeitam, passam por cima de quem estiver na frente.

Não demorei para perceber que o estrago no carro seria o menor dos problemas. Ou melhor, demorei, e muito. A Polícia Militar (PM) compareceu para registrar o boletim de ocorrência próximo da meia-noite, duas horas e meia depois de ser acionada. E depois da chegada da PM, lá se foram mais 20 minutos para preencher a papelada. Soube do sargento que se o imposto do veículo não estivesse em dia (ainda bem que estava) eu seria multado e o carro, guinchado. Um tanto justo: quem mandou parar na faixa?

Duas semanas se passaram desde a raiva daquele sábado à noite e, querem saber, o carro ainda não foi consertado. A companhia de seguro do empresário autorizou o conserto, mas há fila na mecânica autorizada e falta de peças no estoque. Nada como andar a pé para perder uns quilinhos.

As campanhas educativas se esforçam para elevar a segurança do trânsito, mas o “sistema” não colabora. Colisão traseira, horas de espera pelo boletim de ocorrência, risco de ter o carro guinchado, perda de ânimo para o programa de sábado à noite com a namorada, falta de peças para o conserto, dias a pé, estresse e cabelos (que já são poucos) a menos... tudo por conta do respeito ao pedestre. Como a batida daquela noite foi em frente à uma pizzaria, tudo terminou em pizza.
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18 de março de 2011

Happy hour em Maringay

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Quando Luke chegou à choperia preferida de oito entre dez solteiros de Maringá, com 30 minutos de atraso em relação ao combinado, os amigos Lelo e Rita já se encaminhavam para a segunda rodada: ele de chope e ela, de conhaque. Ela o de sempre e ele, nem tanto. Nos dois últimos encontros Lelo havia preterido álcool por um suco de morango com leite.

 Cadê a namorada Luke?  perguntou Rita.  Pensei que fosse nos apresentar ela hoje.
 Ela está na faculdade, mas não faltarão oportunidades  respondeu o atrasado.
 Sei brother! É a quinta vez que você diz isso. Tua namorada está que nem o Bin Laden, a gente sempre ouve falar, mas nunca ninguém viu  brincou Lelo. Sorrindo, os três e brindaram a muitos outros happy hours juntos.

A choperia estava praticamente lotada, algo incomum para uma quarta-feira de fim de mês, quando boa parte dos trabalhadores já tinha torrado o salário do mês pagando contas. Uma mesa, em especial, despertou a atenção dos dois rapazes. Duas moças, uma loira gordinha (no diminutivo para ser simpático) e uma morena de corpo escultural pareciam aguardar a chegada de seus pares. O som ambiente, com música ao vivo, impossibilitava ouvir o que conversaram.

 Larga mão de ouvir a conversa alheia, Luke  reclamou Rita.
 Que é isso Rita  indagou Lelo.  Pouco antes de o Luke chegar era você que queria saber o que os caras ali da mesa ao fundo falavam.
 E por que Rita iria querer ouvir a conversa deles?  questionou Luke.
 Porque ela acha que o sujeito com gel no cabelo está dando moral pra ela  respondeu Lelo, com a devida entonação no “acha”.
 Ele está me encarando sim  garantiu a amiga de olhos verdes e sorriso maroto.
 Sem chance Rita. Você é linda, só que os caras são gays  avaliou Luke.

Um homem pode não reparar, a julgar pela aparência, quando uma mulher prefere pererecas a sapos, mas costuma acertar com precisão quando outro homem é gay. Na teoria de Luke, isso é possível menos por causa dos trejeitos, mais por conta da nítida falta de interesse deles pelas curvas femininas. Parafraseando o escritor Luis Fernando Verissimo, “Homem que é homem (HQEH)” repara atento um par de coxas e um belo rebolado como se seus olhos dissessem: “gos-to-sa”; homossexual repara os mesmos atributos dizendo em pensamento: “pi-ran-ha”. Ou às vezes: "va-ca o-fe-re-ci-da". Rita desdenhou da teoria.

 Você diz isso, Luke, porque está com ciúmes.
 Está bem, Rita, não está mais aqui quem falou.

Vinte infindáveis minutos depois de feito o pedido, o garçom trouxe a picanha na tábua. Demora de praxe, para forçar a clientela a beber mais. Na mesa ao lado, loira cheinha e morena gatinha ainda aguardavam por seus pares. HQEH, vale lembrar, não deixa mulher esperando.

Luke e Lelo, com muito assunto para pôr em dia, haviam pedido um baldinho de cerveja. Rita, já na ânsia para inflar os pulmões com fumaça, continuava trocando olhares com o sujeito da mesa ao fundo.

 O gostosinho de preto foi lá fora fumar. Vou aproveitar pra puxar conversa com ele  disse Rita.
 Isso não está certo. É ele quem tem dar em cima de você, não o contrário  protestou Lelo.
 Até concordo, mas vou abrir uma exceção. Faz um mês que não faço sexo  respondeu a amiga, num ataque de sinceridade “patrocinado” por três doses de conhaque.
 Deus, por que é que uma coisa dessas nunca acontece comigo?  brincou Luke.  Nunca nenhuma loira louca pra transar deu em cima de mim. Sempre tomei a iniciativa, quase sempre pra levar fora  acrescentou, já com Rita a caminho do encontro com o playboy.
 Deus, porque é que ela não pede minha ajuda para apagar o fogo. Tenho vocação para bombeiro  emendou Lelo, de olho no rebolado.

Da posição onde estavam, Lelo ficava de costas para o flerte e Luke, de frente para o “crime”, narrava o episódio para o amigo:

Cara, ela esqueceu o isqueiro só para ter como puxar conversa com o sujeito de preto / Bah, agora passou a mão no braço dele / Vixi, ele mexeu no cabelo dela, vai ver eu estava errado e ele não é tão gay assim / Opa, o cabeludinho que estava com ele na mesa saiu para fumar também. Estranho / Calma aí, cara, já te digo o que é estranho / Caramba, tu não vais acreditar no que estou vendo...

Luke não conseguiu prosseguir com a narrativa. Embora o esforço para não chamar a atenção dos vizinhos de mesa, engasgou-se num ataque de riso.

 O que houve brother? Diga logo.
 há-há-há...
 Vai, diga lá o que você está vendo.
 Veja com seus próprios olhos.

O cabeludinho e o playboy com topete moldado a gel eram mais “amigos” do que Rita e seu maço de cigarros. O sujeito de preto passou a acariciar os cabelos do companheiro, que retribuiu o carinho ao apalpar o traseiro do “escolhido” de Rita. Ela, visivelmente sem jeito e irritada, dava baforadas sem tirar a bomba de nicotina da boca. A teoria de Luke estava certa.

A dupla assistia de longe ao momento cômico quando, de repente, foi surpreendida pela sinceridade de um pobre andarilho com “bafo de onça”.

 Uma moedinha pra me ajudar, por favor  pediu o maltrapilho.
 Sei, só falta dizer que o dinheiro é para comprar leite para as crianças  resmungou Lelo.
 Não, é para comprar uma cachacinha  respondeu.

Homens são, em sua maioria, seres ambiciosos. Trabalham pelo status, pelo dinheiro e pelo que o status e o dinheiro podem proporcionar. Há quem diga que, na pujante Maringá, mais pelo status do que pelo dinheiro. Com o suor do cartão-ponto se pode beber com os amigos, viajar nas férias, comprar um carro para aumentar as chances de sucesso nas paqueras e, tendo sucesso, levar a namorada para comer... num bom restaurante, claro.

Às vezes, algum vício surge para roubar do homem seus sonhos, o emprego, o carro e, com o cartão de crédito cancelado, até a namorada. Num estágio mais avançado do vício, quando a família se cansa de ajudar e decide dar as costas, resta ao bebum apenas a companhia de seu fiel vira-lata. O único prazer, então, além de fazer "justiça" com as próprias mãos, é a "marvada".

 Bah, quanta sinceridade!  exclamou Luke  Toma aqui um trocado.
 Concordo, isso aqui é pra te ajudar com a cachaça  disse Lelo, contribuindo também com dois reais.
 Deus abençõe vocês  agradeceu o pinguço.

O que vale é a atitude, não o valor da oferta. Leitores da bíblia nas horas (bem) vagas, o católico Lelo e o protestante Luke conheciam aquela passagem em que Jesus valorizara a oferta da senhora pobre, que contribuíra com pouco, mas o fizera de coração. Feliz, o pinguço rumou para algum boteco com seus quatro reais. Chateada, Rita retornou da mal-sucedida paquera, com alguns cigarros a menos no maço. Certamente, o rapaz de preto NÃO daria fim ao período de “seca” dela.

 Agora entendo por que chamam Maringá de Maringay  reclamou Rita.
 Viu só no que dá trocar os amigos aqui por um desconhecido  comentou Lelo, rindo da situação.
 Para o teu governo, Lelo, o casalzinho lá quis saber se você é gay. Parece que eles têm um amigo solteiro  disse Rita.
 E o que você respondeu?
 Disse que você é muito gay, que você está solteiro e que amaria companhia no fim de semana  respondeu Rita.
— Viu só, brother, dá nisso ficar pedindo suco de morango com leite por aí  disse Luke.

Na mesa ao lado, loira e morena partiram sem beber metade das cervejas do balde. Nem sinal de seus pares. Evidente que a morena havia marcado o encontro à moda antiga: “leva um amigo que eu levo uma amiga”. Os pares devem ter desistido do encontro na entrada do bar, ao analisar a amiga loira de uma distância segura:

 Cara, tua mina trouxe para mim aquela loira com o triplo do meu tamanho? Sou muito teu amigo, mas isso é sacanagem — deve ter dito o amigo do "amigo" da morena.

E os pares deram meia-volta, abandonando as duas à própria sorte. Tem mulher que, com receio de perder a paquera para uma concorrente, só sai na noite com amiga feia. Aí, acabam as duas sozinhas e, pior, sem ninguém para bancar o baldinho de cerveja. Essa teoria, no entanto, não pôde ser comprovada naquela noite por falta de provas.

Assim como as moças da mesa ao lado, Rita também quis ir embora. Mulheres bonitas e gostosas, sempre cortejadas, tendem a ficar irritadas quando tomam "toco". Nada impressionados com a brabeza alheia, Luke e Lelo fizeram questão de incluir Rita na divisão da conta. Não se paga a bebida de mulher que passa celular de HQEH para quem joga no outro time. Desde aquele dia, Lelo é acordado no meio da madrugada por telefonemas anônimos.
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28 de fevereiro de 2011

Comilança

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Nada de televisão, redes sociais, videogame e passeio no parque. Vinho tinto e companhia da namorada? Nem pensar. Aquele fim de semana foi destinado exclusivamente ao estudo de inglês para um teste seletivo. Meu apartamento lembrava um monastério e o silêncio, bom enquanto durou, só foi quebrado pelo som alto vindo do "apê" da mãe enxuta e da filha violão. Pela ausência do carro delas na garagem, logo percebi: mãe viajou e filha aproveitou para aprontar todas. Novo no prédio, não fui convidado.

Era para ter ficado sozinho, porém, tive ilustres companhias.

O lanche no final da tarde de sábado, um macarrão com bacon requentado do almoço, rendeu um sono possessivo. Decidi me entregar aos apelos do corpo e tirei um bom cochilo no sofá. Melhor, só mesmo se estivesse chovendo. O barulho de chuva é divino, mas não foi o caso. Já era noite quando despertei e, para minha surpresa, tinha companhia  que entrou sem bater à porta.

"Uma bióloga", pensei, "sentiria-se à vontade em meu apartamento". Meu canto fora invadido por uma espécie de inseto preto, de sangue amarelo, menor que pernilongo. Despertei justamente no momento em que um deles tentava se abrigar em meu ouvido. Apanhei um frasco de veneno aerosol e parti para o ataque. "Uma bióloga", reavaliei, "não se sentiria à vontade em meu apartamento".

Quanto mais veneno passava, mais invasores apareciam. Estudando e sem poder apagar as luzes, que atraíam os insetos, fui obrigado a exercer o dom da paciência. Horas passaram e, sem notar o cansaço, peguei no sono. Outra vez no sofá! Quando se tem 30 anos, dormir duas vezes seguidas no sofá é dor nas costas na certa. Aos 18 anos, lembro bem, a resistência física era bem maior. Só não sinto saudades daqueles tempos porque, na época, não pegava ninguém.

Por falar em “pegação”...

Acordei cedo, com fome. Passei um café e preparei um bom sanduíche. Enquanto comia e me preparava psicologicamente para mais um round de estudos, notei a existência de outro habitante no apartamento. Um tipo de inseto verde, da metade do tamanho de um grilo. Havia uma meia dúzia deles. Tinham antenas compridas e se alimentavam daqueles insetos miúdos de sangue amarelo. Era a natureza fazendo sua parte: o maior comendo o menor. O mais forte tirando proveito da situação. Fosse no mundo dos humanos: o patrão pagando o mínimo possível para o empregado.

A tarde de domingo chegou ao fim e o teste de inglês, também. Não fui tão bem quanto esperava, mas não tenho do que me queixar. Azar quem teve foram os “grilos” verdes comedores de insetos pretos de sangue amarelo. Na minha ausência, as simpáticas lagartixas brancas, de olhinhos pretos arregalados, deram o ar da graça no apartamento. Fazia algum tempo que não apareciam. Tudo indica que elas  três ao todo  haviam devorado os grilos no jantar. Grilos verdes de antenas compridas devem estar para o paladar das lagartixas como o macarrão com bacon está para mim.

Mesmo no quinto andar de um prédio no Centro da cidade, a natureza tem seus encantos. As simpáticas lagartixas brancas comeram os intrépidos “grilos” verdes de antenas longas que comeram os minúsculos insetos pretos de sangue amarelo que comeram alguma coisa menor que eles para se reproduzir e que jamais ousarão invadir meu apartamento de novo. Diante de tamanha comilança, telefonei para a namorada para saber se ela toparia um cineminha. Ela topou e o vinho tinto foi ganhou espaço na geladeira, para fechar bem a noite, sem insetos.
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18 de janeiro de 2011

Santo de casa não faz milagre

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Popularidade é algo que mexe com o ego das pessoas – com algumas mais, com outras menos. Na escola, quem não se preocupou em ser aceito perante os colegas, em fazer parte da turma, em atrair a atenção da menina mais bela da classe? Na vida adulta as preocupações são outras, porém, o objetivo da maioria segue sendo o mesmo: agradar e ser aceito. Para todo puxa-saco (e conheço vários), por exemplo, isso significará lamber o chão que o chefe pisa, ser for preciso.

Quadro com imagem de Jesus Cristo
em exposição no Centro de
Pato Branco (Foto: LF Cardoso)
Prefiro não agradar tanto, mas não nego: curto esse lance de índice de popularidade. Com alguma frequência, confiro o desempenho de meus blogs no Google Analytics. Analisando as métricas dos blogs, fico sabendo de detalhes importantes, tais como a origem da audiência e o total de visitantes em determinado período.

Importo-me mais com o que o Analytics revela sobre minhas crônicas do que a respeito das "postagens jornalísticas". Em recente checagem, descobri que foram 800 acessos únicos nos últimos 30 dias – um aumento de 11% no período. Bons números para um blog que tem em média quatro atualizações por mês e um público seleto: pessoas que gostam de ler.

Da última vez, quis saber quais cidades compõem o Top 10 de visitas ao blog. Para minha surpresa, a cidade de onde venho e onde vivi até os 23 anos ficou de fora. Em outras palavras, não estou agradando meus conterrâneos. O ditado, que não “perdoou” nem Jesus, segue firme e forte nos dias de hoje: “santo de casa não faz milagre”.

Em 30 dias, tive 106 acessos únicos em Maringá, isto é, as crônicas foram lidas a partir de 106 endereços de IP (máquinas distintas) na cidade onde moro há três anos – e onde tenho mais audiência. Em segundo ficou São Paulo (103 acessos únicos), com Cascavel (47) em terceiro e Curitiba (39), em quarto.

Considerando familiares, amigos, ex-colegas de aula e de trabalho, tenho mais conhecidos em Pato Branco do que o dobro dessas quatro cidades, juntas. Contudo, Pato Branco aparece na 20ª colocação no relatório do Google. Foram apenas seis acessos únicos em 30 dias, 20 a menos do que Lima, capital do Peru, onde meus amigos não passam de meia dúzia.

Dizem que a bíblia tem explição para tudo. Verdade ou exagero, sei que para esse caso as escrituras me serviram. Vamos à teoria:

Jesus era da Galileia. Na região onde nasceu, não operava milagres. Não porque preferia outras cidades, mas, sim, porque os nazarenos não tinham fé nele. Certa vez, em uma sinagora, ele deu a entender que era filho de Deus, deixando seus conterrâneos furiosos. Moisés havia ensinado: "não matarás", mas os fieis da sinagoga não pensaram duas vezes em atentar contra a vida de Jesus. Disseram (em adaptação livre, de minha parte): "este aí não é o carpinteiro, filho de José? Vamos atirá-lo do penhasco!"

Se quem dividiu o ocidente em AC e DC não era aceito em sua própria terra, quem sou eu para querer ser lido em Pato Branco. Não tem jeito, as pessoas vivem e morrem, mas os ditados permanecem.
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Baseado em texto publicado no Café com Jornalista.
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17 de janeiro de 2011

Maldita balança

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A caminho da cafeteria preferida, na companhia de um colega de trabalho, fiz breve pausa em uma farmácia. Enquanto ele comprava algumas aspirinas, arrisquei conferir meu peso, o que não fazia desde o final das férias e de meu retorno a Maringá. Na balança, de camiseta e calça jeans: 92,2 kg. Conclusão: ou estava pesando demais para alguém de 1,79m ou precisava de uma calça mais leve - enfim, gordo sempre tem uma desculpa na ponta da língua.

Com dor de cabeça, o colega trocou o café pelo rumo de um quarto escuro e sem barulho. Segui para a cafeteria, sozinho, com a maldita balança em mente. Aliada às festividades de fim de ano, as férias haviam causado um baita estrago. Antes dela, a balança apontava 88,5 kg. Parte do aumento de peso, sei bem, encontrei em sobremesas, sorvetes, chocolates, filtrados doce, churrasco, massas, pães...

Outra parte da culpa atribuo às dezenas de guloseimas que provei em Lima, capital do Peru, durante as férias. Oh lugar onde se come bem! Se for colocar tudo no papel, o ganho de 3,7 kg foi pouco. Pelo que comi e bebi, poderia bem ter retornado com o tamanho do Ronaldo “fofômeno”.

Na cafeteria, pedi um café latte, com adoçante. A estratégia seria a mesma de perdas de peso anteriores: nada de açúcar. Para comer, uma empadinha de carde seca com abóbora cabotiá - a melhor opção em se tratando de empadinhas, da cidade.

- Algum molho para acompanhar - perguntou Graziela, a simpática atendente que costuma tirar o café na medida: com um leve toque de leite. No gosto da maioria dos maringaenses, ao contrário, bom é quando leva muito leite e pouco café. Quase uma heresia.

- Não, nada de maionese e afins - respondi.

Estava decidido, seria radical no controle da alimentação, mostrando ao estômago quem é que manda. Zero açúcar e nada de ketchup, mostarda ou maionese. Se deu certo no passado, daria de novo.

Ao som da guitarra de Marcos Santana, músico instrumental que se apresenta quinzenalmente na cafeteria do shopping e toca Pink Floyd aos amigos que vão prestigiá-lo, lembrei-me do objetivo que me propus ao completar 29 anos: chegar em forma aos 30. E estar em forma no meu caso, na avaliação da nutricionista do jornal, é pesar entre 81 e 82 kg. Posso não chegar lá faltando dois meses para completar 30 anos, mas a política do zero açúcar e nada de maionese, mostarda e ketchup já é um bom começo.

Naquele sábado, dispensei o açúcar, inclusive do café trufado da moça corpinho de violão da mesa à frente. Ela pode! Entretanto, no calor de rachar que fez no domingo, convidei a namorada para ir à sorveteria. Dieta que se preze, todos sabem, começa na segunda-feira.

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PS.: A moça corpinho de violão, apenas para registrar o ato, roubou a cena ao chegar na cafeteria. Era como se eu pudesse ler o pensamentos dos demais no recinto que olhavam para as curvas de seu corpo.
Homens: “nossa, o que é isso... que gostosa!”
Mulheres: “vaca!”
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15 de janeiro de 2011

Arroz com fungos

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Diante da geladeira, e olhando para dentro dela como se tivese visto uma assombração, Pretty Woman ficou em silêncio por alguns segundos. Mediu as palavras... e foi diplomática: "acho que tenho de vir menos em sua casa, para você ter mais tempo de limpá-la". Fosse ela menos polida, diria: "Não acredito no que estou vendo, seu porco. Alguma vez na vida você já limpou sua geladeira?"

Lembro-me bem da resposta dada à época: "Tem de limpar... pensei que isso fosse automático".

No terceiro compartimento, de cima para baixo, os restos da salada de manga com creme de leite do réveillon completava, naquele dia, aniversário de um mês. A aparência embolorada, entretanto, dava a impressão de a salada já estar ali há pelo menos um ano. Não fosse o ambiente frio, provavelmente seria uma salada-mofo-com-larvinhas-brancas.

Morar sozinho - ou longe dos pais - tem suas vantagens e as principais delas, sem dúvida, são a privacidade e a liberdade. Você passa a gerenciar o negócio, a ser o presidente da situação, a ter o livre arbítrio de criar as regras a seu bel-prazer. A desvantagem de morar sozinho é que sem o "Congresso", digo, sem a mãe por perto, acaba-se esquecendo de criar "leis" básicas, como a da limpeza mensal da geladeira. Movido pela vergonha, tratei de fazer o degelo e limpar o refrigerador no dia seguinte.

A manga com creme de leite, do pote de plástico, estava com péssima aparência, mas ainda não cheirava mal. O mesmo não se aplicava ao conteúdo que duas panelas, bem tampadas, escondiam. Uma delas, que fora usada para cozinhar arroz branco, tinha aspecto de queijo mofado, com tufos de fungos verdes. A outra, com a arroz a grega, passados 30 dias, abrigava uma outra espécie de fungo, branco, parecido com algodão, que ocupava todo o espaço entre o arroz e a tampa.

Um espetáculo da natureza, diria Darwin. Aqueles organismos haviam se desenvolvido em ambiente hostil, no frio de uma geladeira pouco frequentada e que havia programado para visitar ao máximo. Tivesse o homem semelhante potencial de adaptação, teríamos algumas dúzias de cidades na Antártica. Com certo nojo daquelas colônias de microorganismos, cogitei levar as panelas ao forno. Só não o fiz porque, antes, imaginei o odor que o processo de aquecimento liberaria da comida azeda.

Passados muitos meses desde aquele episódio, lembrei-me do arroz com fungos ao lavar outra panela cheia deles - essa, porém, esquecida sobre a pia em dias de calor. Os fungos que se desenvolveram no frio, vale o relato, eram mais bonitos. Aliás, bonita também era a diplomática Pretty Woman. O namoro terminou faz algum tempo, mas é possível que ela lembre de minha habitada geladeira como se fosse hoje.
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10 de janeiro de 2011

Almôndegas nota dez

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#microconto

I

Namorada convida o amado para almoçar. No cardápio: almôndegas com arroz branco. Rápido, prático e gostoso;

II
Ele come (as almôndegas)... e repete, duas vezes. O amor faz milagres: almôndegas podem ficar mais saborosas que costela de fogo de chão;

III
Fosse um almoço virtual (como dessas fazendinhas do Facebook), ele certamente teria dado "curtir" para as almôndegas dela!

IV
Para cumprir o trato, ele foi à locadora. Na tarde chuvosa, passariam a tarde juntinhos, assistindo a um bom filme;

V
Rocky Balboa!

VI
Ela não curtiu. Brava, assistiu ao começo, até cochilar. Mulheres não sabem apreciar um clássico;

VII
Ele subiria as escadarias do Museu de Arte da Filadélfia, como fez Rocky no cinema, se tivesse dinheiro para ir aos EUA;

VIII
Ela, se pudesse voltar atrás, não teria preparado as deliciosas almôndegas. Preferia Titanic... ou qualquer filme com DiCaprio;

IX
Ele se emocionou com a última vez de Rocky nos ringues, procurando contextualizá-la sobre a importância daquela luta histórica.

X
Ela cochilou durante o assalto final... talvez tenha sonhado com o namorado ideal, que assistiria à novela com ela, toda noite;

XI
Rocky Balboa perdeu, mas as almôndegas estavam ótimas. Ponto para a namorada!
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5 de janeiro de 2011

A novela do Ingá

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Em recente viagem de férias a Lima, capital do Peru, tirei um tempo para conhecer o tão bem falado – pelos guias de turismo – Bosque das Oliveiras (Bosque de los Olivos, em espanhol). Vi de perto as árvores centenárias e, satisfeito pela oportunidade, fico a imaginar o tamanho da frustração caso tivesse me deparado com o local fechado por tempo indeterminado. Decepção maior teriam dois colegas de redação, que optaram por férias em Nova York, caso encontrassem na ilha de Manhattan o Central Park interditado.

Foto: odiario.com
Guardadas as devidas proporções, é isso que se passa em Maringá com os visitantes que dão de cara com cadeados no portão de entrada do Parque do Ingá. Situado no Centro de Maringá, com mata nativa e um lago ocupando área de 47,3 hectares, o Parque do Ingá foi fechado em 15 de abril de 2009 após a morte de 20 saguis e um macaco-prego. Havia o receio das autoridades de que se tratasse de febre amarela, mas exames laboratoriais revelaram que as mortes dos animais foram causadas por herpes. Os cadeados, porém, permaneceram nos portões para indignação dos moradores e, quem sabe, até dos saguis – sempre com o "olho maior que a barriga" sobre o lanche dos visitantes.

Ao correr ou caminhar no entorno de um dos principais cartões postais de Maringá, algumas vezes senti a vontade de pular a cerca para ver se de fato existiam obras em execução no local. Sem autorização, poderia ser preso, porém, meu lado jornalista pressentia que o atrevimento renderia uma boa matéria. Novelas, todos sabem, dão boa audiência. No "vou, não vou", minha ousadia não chegou a tanto, nem a de um vereador de oposição que confessou ter a vontade de pular a cerca também – no bom sentido da palavra, claro.

O Parque do Ingá não foi aberto ao público em julho do ano passado, contrariando a previsão inicial do governo municipal. Num discurso otimista, o prefeito da cidade deu lá suas justificativas para o atraso e disse que o parque seria reaberto, parcialmente, em janeiro de 2011. À imprensa foi apresentado um belo projeto de revitalização, com uma série de atrativos a serem criados em parceria com a iniciativa privada. O resultado seria tão bom, dava a entender a prefeitura, que, no final das contas, a espera pela reabertura do parque valeria a pena.

O tempo passou, veio janeiro e... nada de concreto! A reabertura, vi na matéria de um colega de redação, foi adiada pela quarta vez. A novela, que já completa 21 meses, segue sem data para um final feliz. Os saguis mais jovens, nascidos na "era dos cadeados", imagino eu, continuarão por alguns meses a ouvir as belas histórias contadas por seus anciãos, sobre o quão bom eram os tempos dos visitantes que burlavam a fiscalização para lhes oferecer as mais variadas guloseimas.

Na condição de jornalista, seguirei dando minha contribuição profissional ao informar os leitores das novidades e reclamar das promessas não cumpridas. Na condição de cidadão, prosseguirei tentando explicar aos parentes e amigos, que vêm volta e meia me visitar em Maringá, o porquê de nosso principal parque continuar fechado ao público. No otimismo de que tudo termine bem, na ceia de Natal brindei para ter a sorte grande na Mega-Sena da Virada e para ver o Parque do Ingá na ativa outra vez. Em ambos os casos, o ano novo não teve um início feliz.

Crônica baseada em opinião publicada em odiario.com.

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