29 de dezembro de 2010

Retrospectiva 2010

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Chego ao final de 2010 com o sentimento de que, assim como em 2009 (o melhor ano de minha vida), fiz valer a pena. Cobrei muito de mim mesmo para que, no fim da jornada, a colheita fosse boa. Colhi bons frutos da profissão, das novas amizades, do convívio familiar. Como quem vai à guerra, tive baixas em determinadas batalhas, porém, na fé de que recebi o auxílio divino nas minhas escolhas, tudo terminou bem.

Para quem amargou uma separação, há quase três anos, comecei 2010 com uma namorada  que hoje vive em São Paulo capital  e terminei o ano com outra. Duas mulheres fantásticas, que em muito contribuíram para meu crescimento como homem. Foi também neste ano que realizei dois desejos antigos: a compra de um carro zero e a sonhada viagem a Machu Picchu, no Peru. É para realizar sonhos que trabalhamos, senão de que valeria passar 11 meses por ano ouvindo cobranças e reclamações (tantas vezes injustas) do chefe?

No jornal, perdi algumas batalhas, mas quem não perde? Contudo, triste por não ter crescido tanto quanto esperava, comemorei em 2010 meu retorno ao jornal impresso e, melhor, à editoria de Política. Sigo firme para 2011 e com o anseio de escrever cada vez melhor.

Como cronista, 2010 não foi tão bom quanto 2009. Escrevi 22 crônicas, contra 47 do ano passado. Se considerar minha estreia como blogueiro de O Diário, com a página "Café com Jornalista", o número de crônicas está de bom tamanho. Não é fácil encontrar disposição para alimentar dois blogs. E é certo, saibam disso, que o ânimo para isso veio do feedback dado nos comentários e das palavras de incentivo de cada um de vocês, que acompanham o que escrevo.

Fecho 2010 com o sentimento de que fiz o suficiente, mas com o pensamento de que em 2011, ano em que completo 30 anos, devo fazer ainda mais. Concluir o primeiro livro está nos meus planos, cobrem-me quanto a isso. Deixo aqui, então, a lista das sete crônicas que mais curti escrever ao longo deste ano. Se possível, dê seu voto (em forma de comentário) para aquela que te agradou mais. Vou contabilizar também os votos (se houver) dados no Twitter, Facebook e Orkut. Depois publico o resultado. Feliz 2011 a todos. Que Deus nos abençõe.

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Escolha a melhor de 2010

- A Conspiração (ACREdite)
- A Parábola do Velho Boi
- Camilas, Vanessas e Grazielas
- Das Auto
- Chora, me liga
- As mulheres vão dominar o mundo
- Iracema vai se casar
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28 de dezembro de 2010

Iracema vai se casar

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Soube que uma paixão do passado, alguém de quem gostei sem medo de ser feliz, vai se casar. Por um instante, fiquei sem palavras. Não sei ao certo o que senti naquele momento. A notícia não trouxe tristeza ao meu coração, tampouco felicidade. Buscando compreender um sentimento que me fora apresentado pela primeira vez em quase 30 anos de vida, encontrei em uma canção do saudoso Tim Maia – a qual recordei com auxílio de um bom amigo – uma explicação razoável.

"Paixão antiga sempre mexe com a gente. É tão difícil esquecer / Basta um encontro por acaso e, pronto, começa tudo outra vez". Ouvi "Paixão Antiga" uma dezena de vezes. Lamentei o fato de que grandes vozes, como Tim, tenham partido tão cedo. Enquanto isso, nossos ouvidos são "agraciados" com doses cavalares de Joelmas que, a considerar a incansável Lei de Murphy, terão fôlego para cantar até os 130 anos de idade.

Como poderia imaginar que nossas vidas tomariam rumos tão diferentes. Como bem cantava Tim: "Foi bom demais, não tinha que acabar". Mas acabou. Na década que chega ao fim, o destino tentou nos aproximar novamente, algumas vezes. Como é doce o beijo de quem se gosta. Penso que o destino quase teve êxito. Não tinha que acabar, mas acabou.

Três anos mais jovem do que seu admirador nada secreto, Iracema não faz jus ao nome indígena. Na faculdade, a descendente de italianos, de pele clara e cabelos e olhos castanhos, destacava-se das demais colegas de jaleco branco. A primeira vez que a vi foi na biblioteca, numa fria manhã de outono. Se faltou ousadia para puxar conversa, naquele dia, sobrou esperteza. Foi a bibliotecária, dona Helda, que fez o favor de levantar a ficha de Iracema a meu pedido. De quebra, Helda topou entregar um bilhete meu à bella italiana.

Estudava Jornalismo à noite e, durante o dia, trabalhava na faculdade. Volta e meia, levava ou buscava alguns livros a pedido do coordenador do curso. Depois de ver Iracema pela primeira vez, tudo era motivo para ir à biblioteca. Entre as estantes de livros, após o bilhete surtir efeito, se deu a primeira troca de olhares. Era como em outro trecho da canção de Tim: "eu, sem disfarçar, te como com meu olhar".

Encontrávamos no intervalo das aulas e fora da faculdade o mIRC – ferramenta de bate-papo que nem existe mais – ajudava a matar a saudade. Desejava vê-la sempre e era prazeroso estar próximo dela. Não bastasse sua beleza, a voz de Iracema (a considerar o exagero da paixão) era doce e meiga como a de uma sereia – ou ao menos como eu imaginava ser a voz de uma sereia.

Com a trágica morte de seu pai, Iracema se afastou de mim. Com o término de meu estágio, afastei-me dela. Achei que um tempo seria bom e, na pausa de um romance que tinha tudo para dar certo, conheci uma outra estudante, da mesma faculdade. Em dois anos, namorei e fiquei noivo. Uma grande amiga e colega de Jornalismo me alertou: "você não está sendo precipitado?" Estava. Casei meses depois de me formar... e a precipitação, claro, não teve um final feliz.

Em meu íntimo, repeti uma pergunta por meses a fio após a separação: "por que razão me casei com quem me casei?" Descobri que não conhecia o caráter da mulher que havia levado ao altar e, anos depois, ainda não tenho respostas àquela pergunta, que repeti a mim mesmo um milhão de vezes. Hoje, imagino o que Iracema deve ter sentido ao tomar conhecimento de meu casamento. Talvez não seja muito diferente do sentimento que Tim Maia me ajudou a compreender numa solitária tarde de verão.
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12 de dezembro de 2010

Nunca desista de seus sonhos

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Aos 64 anos, mãe de duas filhas, quatro netos e uma bisneta, dona Alice trabalhou em um grande hospital de São Paulo durante boa parte de sua carreira como técnica de enfermagem. Hoje, aposentada, não quer saber de descansar e esperar o tempo passar. Quer, sim, realizar o sonho que nutre desde a juventude: concluir um curso superior.

Ainda que eu entre na faculdade com 80 anos não terei vergonha. Teria se desistisse de meu sonho - disse-me dona Alice, no caminho de Maringá a São Paulo.

Nas viagens que faço de ônibus, escolho entre três poltronas que sempre me trazem sorte: as de número 3, 9 ou 12. Até uma namorada gaúcha já consegui viajando em um desses assentos. A caminho da capital paulista tive novamente boa companhia. Dona Alice viajou na poltrona 11 e sua rica história de vida ajudou a aliviar a ansiedade que me acometia em decorrência da longa viagem - de ônibus para São Paulo e de avião para Lima, no Peru.

Lembro-me de ter puxado conversa com a senhora ao lado. Meus irmãos brincam que nossa mãe, uma tagarela descendente de portugueses, gosta de fazer amizade com todo mundo. Embora eu seja o retrato de meu pai 25 anos mais novo, suspeito ter herdado de dona Clacy os genes responsáveis pela comunicação.

- A senhora vai a passeio a São Paulo - perguntei, ao retornar com o copo de água que, gentilmente, dona Alice me pediu para apanhar no fundo do ônibus.
- Eu moro lá. Só vim visitar minha filha, netos e uma bisneta - respondeu.
- Caramba, a senhora já é bisavó! Não parece ter idade para tanto.
- Fui mãe aos 17 anos e minha filha e neta também tiveram filhos muito cedo.
- Se a senhora tem família em Maringá, não seria melhor se mudar para cá.
- Bem que eu gostaria meu jovem, mas meu marido é um português teimoso que não admite sair de São Paulo - lamentou a senhora. - Aquela é uma cidade boa para quem trabalha e quer ganhar dinheiro, mas para quem já se aposentou Maringá é bem melhor. As ruas são arborizadas, a cidade é segura e o custo de vida é menor.

Percebi se tratar de uma mulher esclarecida. Tinha um português de verbos bem conjugados e carregava um livro de Augusto Cury na mão e outro (não deu para ver o título) na bolsa. Ao contrário de passatempos como a televisão, a leitura torna as pessoas mais sábias e críticas e permite a quem lê viajar o mundo sem sair de casa ou da biblioteca. Para Dona Alice, ver tevê demais e ler de menos seria o primeiro passo para a perdição dos jovens hoje em dia.

- Não consigo entender como existem pessoas que não gostam de ler - comentou dona Alice. - Um dia desses, num supermercado, ouvi a conversa de dois rapazes que faziam a reposição de produtos.
- Eles não gostavam de ler - interpelei.
- Um deles parecia gostar. Falava sobre um livro que acabara de ler, mas fiquei muito triste ao ouvir o outro responder que nunca havia lido um livro. Isso é péssimo para a sociedade.
- Imagino dona Alice. Hoje os jovens só querem saber de internet e de redes sociais.

Expliquei, rapidamente, o que são as redes sociais na internet para, depois, nos atermos ao assunto mais interessante da conversa: livros. Contei a ela que Ernest Hemingway, autor do ótimo “O Velho e o Mar”, está entre meus autores preferidos e que entre os contemporâneos aprecio o humor ímpar das crônicas de Luis Fernando Verissimo. Dona Alice revelou que leu O Cortiço, de Aluísio Azevedo, três vezes e que só conhecia o Verissimo pai, o Érico. Preferia os escritores antigos.

- Hemingway trabalhou como jornalista antes de se tornar escritor - comentei, após contar a dona Alice que escrevo para o principal jornal da cidade, mas que meu grande sonho é seguir os passos de Hemingway. - Estou escrevendo um livro e quero conclui-lo antes de completar 30 anos.
- Então você precisa ler “Não desista de seus sonhos”, de Augusto Cury. No livro, ele relata todas as dificuldades que teve de superar até se tornar um escritor famoso.
- Já que a senhora está recomendando, lerei com maior prazer.
- Qual teu nome completo? - perguntou-me dona Alice. - Preciso saber para comprar teu livro, que seré um best seller. E é assim que tempos de pensar, sempre com otimismo.

Conheci poucas pessoas na vida que me impressionaram tanto quanto dona Alice. Depois de criar os filhos, atualmente ela cuida dos netos da filha que mora em São Paulo, porém, planeja para breve retomar os estudos. Tão logo os netos entrem em idade escolar, garante dona Alice, prestará vestibular para Matemática ou Biologia. Não tenho dúvida de que alguém capaz de me surpreender a cada nova palavra realizará o sonho de se formar.

- Meu conselho é que você estude, viaje e se dedique na profissão o máximo possível antes de se casar e de ter filhos.
- Por que a senhora diz isso?
- Porque casamento é uma coisa muito difícil, tira muito a liberdade da pessoa. Não entendo por que os jovens de hoje ainda se casam - disse a aposentada, surpreendendo-me outra vez. - Talvez ainda seja pela influência da igreja.
É interessante ouvir isso de uma senhora - comentei.
- Se pudesse voltar atrás não teria casado tão cedo. Teria feito faculdade antes.

O bate-papo com Dona Alice me permitiu ver o quanto esse tempo solteirice e sem filhos é precioso para a realização profissional e que, por mais que as dificuldades causem desânimo, jamais devo desistir de meus sonhos. Na poltrona 12, que costumeiramente me traz sorte, tive um lição de vida. Segui viagem menos ansioso e na despedida, no terminal da Barra Funda, entreguei meu cartão de apresentação à dona Alice, que me garantiu que vai se esforçar para aprender a navegar na internet. “Assim que eu aprender eu te escrevo um email”, brincou a aposentada, desejando-me boas férias em Lima e em Machu Picchu.
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8 de dezembro de 2010

Um dia sem relógio

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Durante o jantar na cantina do jornal, entre desapressadas garfadas em batatas fritas que de tão gordurosas seriam capazes de assustar até a mais liberal das nutricionistas, minha nova namorada quis saber o que eu faria no dia seguinte, o primeiro de meus 30 dias de férias. Havia planejado detalhes da viagem que faria para o estrangeiro, mas sobre o primeiro dia de folga não havia pensado.

Desde 1943, quando o então presidente Getúlio Vargas se empenhou em aprovar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) os principais direitos dos trabalhadores, os brasileiros sofrem de um salutar “problema” chamado Tensão Pré-férias. Em suma, TPF é aquela dose extra de ansiedade percebida nos dias que antecedem o merecido descanso após um ano todo de trabalho duro. É um momento oportuno para passar mais tempo com a família, colocar a leitura em dia, passear com o cachorro - ou mesmo de ir ao parque para ver as moças dando uma volta com o melhor amigo -, ir mais ao cinema e, por que não, de viajar.

- Quer saber, acho que não vou fazer nada no primeiro dia de férias.
- Então você terá um dia sem relógio - concluiu a namorada.
- Isso mesmo. Sem despertador, sem régio de pulso, sem internet. Talvez desligue até o celular.

Dormiria até o sono acabar e quebraria o despertador se ele ousasse tocar por engano. No primeiro dia de férias, poderia até correr no Parque do Ingá, o que costumo fazer quando tenho tempo, mas isso só no caso de cansar de tanto zapear na TV a cabo recém-instalada. Vi na programação que um dos canais de filmes passaria Avatar, porém, duvido que a opção dublada e na telinha de 21 polegadas de meu velho televisor, sem os efeitos em 3D, valha a pena.

- Deixa eu retornar para o trabalho que ainda preciso fechar uma matéria antes das férias.
- Te vejo no fim de semana?
- Claro, desde que cozinhe algo gostoso pra mim - disse, já imaginando o suculento pernil de porco que ela prepara como poucos.

Minha última matéria do ano foi sobre a falta de investimentos do poder público em transportes alternativos. Entre os entrevistados, falei com um professor de Geografia da Universidade Estadual de Maringá que, tendo carro e moto na garagem, prefere ir ao trabalho de bicicleta. Diz o professor que alunos da graduação e colegas do doutorado, possivelmente influenciados pelo convívio com ele, também adotaram a bicicleta como meio de transporte. Fiquei entusiasmado e passei a cogitar, seriamente, comprar uma magrela dez marchas para começar 2011 com mais saúde.

Ciclovias à parte, aproveitei o último dia no jornal para checar os colegas quais deles gostariam de participar da “vaquinha” para comprar uma cachaça das boas, dessas de procedência mineira e que na Europa é vendida por mais de 50 euros. Levaria o presente dos amigos da redação para Geordano, ex-infografista do jornal que hoje reside em Lima, no Peru. Passaria as férias por lá e, sem precisar gastar com hotel, o mínimo que poderia fazer é levar um bom presente.

Ouvi falar, algumas vezes, que crente não bebe porque a ingestão de bebidas alcoólicas é pecado. Espero que pinga não esteja nessa lista, porque não quero que ninguém vá para o inferno por minha culpa. Aliás, uma amiga me advertiu a no Peru preferir a palavra cachaça. Fiquei curioso, óbvio. Parece que na terra dos incas “pinga” é o nome popular dado ao órgão sexual masculino. Ao menos na frente de quem acha que vai para o inferno por causa de álcool e sexo, nada de pinga no Peru. Do pernil de porco, porém, não abro mão.
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27 de novembro de 2010

Vacina contra febre amarela

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Para quem tem sofrido de TPF (Tensão Pré-férias) nos últimos dias, chegar à redação e ver sobre a mesa o guia de viagem sobre o Peru ajudou a conter a ansiedade. Comprado com bom desconto na internet, o guia trouxe uma informação relevante sobre vacinação: "brasileiros que viajam ao Peru precisam tomar a vacina contra febre amarela, que deve ser aplicada com antecedência de DEZ DIAS antes da viagem".

Brasileiros não precisam de visto para permanência inferior a 90 dias no Peru, porém, sem a vacina contra febre amarela o estrangeiro não desembarca no País vizinho. Até aí tudo bem, o detalhe que desconhecia era essa antecedência de dez dias antes do embarque. Faltando 15 dias para a viagem, apanhei a carteirinha de vacinação e corri para o posto de saúde mais próximo.

Oi. "Vou viajar para fora do País e preciso tomar a vacina contra febre amarela — disse à atendente do posto de saúde, sem precisar esperar muito tempo na fila. O serviço público de saúde em Maringá pode ser considerado ótimo se comparado com o das capitais ou, ainda, das cidades mais pobres do País.

Preciso do teu cartão do SUS e da carteirinha de vacinação — respondeu a atendente.

Nunca tive cartão do SUS e a carteirinha de vacinação eu perdi. Só tenho essa aqui da gripe suína — informei. Havia passado a madrugada procurando o cartão antigo, aquele com o registro das vacinas que tomei desde a infância e que me salvaria da agulhada. Sem êxito na busca, havia me preparado psicologicamente para a injeção. Enquanto fazia meu registro no SUS, a atendente questionou:

Essa aqui é sua carteirinha de vacinação?
Sim.
E cadê o registro das demais vacinas?
Ah, eu perdi aquela carteirinha. Só tenho essa da gripe suína.
Então você vai precisar tomar TODAS as vacinas de novo — informou ela, causando-me repentino frio na espinha.
Só preciso da vacina contra febre amarela para entrar no Peru. Não preciso de TODAS.
Mas pra gente te dar o atestado de vacina, você vai ter de tomar TODAS de novo — reforçou a atendente.

TODAS significava ser imunizado também contra tétano, hepatite B e tríplice viral (sarampo, rubéola e caxumba). Não tinha jeito, porque sem o atestado de vacina não conseguiria no aeroporto a carteirinha internacional de vacinação, que normalmente é cobrada no desembarque em países com florestas, entre eles o Peru. Meu "visto", então, seria na pele e não no passaporte.

Como você foi perder sua carteirinha — disse a enfermeira, já na sala de vacinação.
Perdi este ano, na última mudança que fiz.
Mas tua carteira de identidade você não perdeu, não é mesmo?
Verdade — lamentei o desleixo, enquanto reparava a enfermeira preparando a primeira das quatro vacinas. Mil vezes uma agulhada do que aquela broca estridente do dentista. De certa forma, essa comparação servia de consolo.

Agora você vai precisar tomar TODAS as vacinas de uma vez. Você tem medo de injeção?
Normalmente não, mas vim preparado psicologicamente para uma vacina, não para quatro!
Acho melhor você não olhar — advertiu a enfermeira.
Fica tranquila que eu não desmaio. Já fui doador de sangue.
Não é mais?
Não. Desisti depois que me falaram que meu tipo de sangue (A+) é muito comum.

Subcutâneas, as duas primeiras agulhadas foram no antebraço: febre amarela no esquerdo e tríplice viral, no direito. Foi indolor. A injeção seguinte, da vacina contra hepatite B, assustou.

Por que essa agulha é tão maior do que as outras?
A de hepatite B é maior mesmo — respondeu a enfermeira, enquanto aplicava a injeção no braço direito, sem dó. — Essa é no músculo — detalhou.
No músculo... sei. Essa aí foi no osso — reclamei.

O pior estava por vir. A vacina contra tétano, historicamente relatada como a mais doída, ficou reservada para o braço esquerdo. Mui amiga, a enfermeira não escondeu o jogo e foi logo falando:

A de tétano dói mais.
Sei bem, já fui apresentado a ela no passado.
Relaxa o braço senão é pior.
CARA%$@ — exclamei. — Por acaso tem pimenta nessa vacina?
Você até que foi corajoso. A maioria não consegue olhar para a agulha e tem até casos de gente que desmaia. 
Não faz mal tomar tantas vacinas de uma vez só? — indaguei.
Mal não faz, mas talvez você sinta um mal-estar à noite, por causa da carga viral.

Não deu outra: à noite cabeça ficou pesada e o corpo mole trouxe o sono mais cedo do que o normal. Doze horas depois, a vacina "de pimenta" contra tétano ainda causava algum desconforto. O pior foi saber que nos próximos dois meses terei de tomar a segunda e terceira doses da vacina contra hepatite B, aquela aplicada no "osso" – "salvo em caso de gravidez ou acidentes graves", conforme consta do atestado de vacina. Logo, vou me cuidar para não ficar grávido e para não ser atropelado, o que não é difícil de acontecer nas "pistas" de Maringá.

Agora, está tudo certo para a viagem de férias ao Peru. Contudo, fica a dica: perca a carteira de identidade, mas, NUNCA, a carteirinha de vacinação.
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18 de novembro de 2010

Minhas férias...

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Redação quase sempre foi meu ponto forte nos tempos de colégio e, sendo assim, conseguia um bom desempenho nos vestibulares – mesmo com os 90% de erros nas questões de química. Embora a afinidade com as letras, havia algo que muito me incomodava nas aulas de língua portuguesa: a bendita-redação-anual sobre "minhas férias". Um porre! Mais porre até do que a tabela periódica - da qual só sei decor a localização e símbolo do hidrogênio.

Além da certeza de que as professoras não liam revistas de viagem e turismo, tinha minhas dúvidas se elas, de fato, liam todos aqueles textos repletos de falta de acentos, crases, vírgulas e, claro, desprovidos de criatividade. Ao invés de relatar minhas férias nos campinhos de várzea de Pato Branco – ou diante da televisão, nos dias de chuva, jogando Enduro no Atari –, preferia escrever sobre minhas viagens fake à Cidade Maravilhosa e ao Cristo Redentor, às praias nordestinas, sobre o Natal com neve em Nova York e muito mais, sempre inspirado em exemplares da revista National Geographic de minha mãe.

As professoras sabiam que eu não era burguês. Não parecia um burguês, meus pais tinham carro usado e meus tênis não eram caros, desses de marca. No 2º grau, tinha uma calculadora científica simples, enquanto os burgueses de verdade tinham calculadoras HP. Talvez as boas notas nas redações sobre "minhas férias" fossem pela criatividade ou, quem sabe, pelo fato de eu, já na adolescência, empregar razoavelmente bem as vírgulas. Um colega, que mais tarde veio a se formar em Processamento de Dados, sempre reclamava: "por que a professora não pede uma redação sobre eu e minhas primas?" Ele comia bem e ainda reclamava. O colega não conhecia o mar e nunca viajava nas férias, mas tinha primas gostosas.

Nas férias, numa época em que internet era quase ficção científica, os jogos de tabuleiro estavam entre os passatempos prediletos de meu irmão do meio e eu. Num deles, ganhava quem desse a volta ao mundo primeiro, administrando a verba da viagem entre viagens de avião, trem, navio e ônibus. Perdia quem torrasse o dinheiro sem completar o roteiro, apontado por carta sorteada do baralho.

Lembro-me de uma de minhas vitórias, que passou por Machu Picchu e terminou na Alemanha. Influência do jogo de tabuleiro ou não, cresci com o sonho de viajar à Europa e de conhecer as montanhas sagradas dos incas, nos Andes peruanos.

Entre 2006 e 2007, pude realizar um desses sonhos. Tive o privilégio de ser selecionado para um intercâmbio profissional, na emissora pública Deutsche Welle, e de morar quase cinco meses em Bonn, na Alemanha. Retornei da Europa com 25 anos de idade e o desejo de me preparar para, antes de completar 30 anos, fazer outra viagem marcante. Da promessa feita a Geordano, ex-colega de jornal e grande amigo, de que o visitaria em Lima, veio a recordação do sonho dos tempos de colégio: conhecer Machu Picchu.

No feriado da Proclamação da República, depois de pesquisar sobre o Peru e de conversar a respeito com uma amiga que já esteve em Machu Picchu, tomei coragem e escolhi um voo. Com bom representante da dita geração Y, comprei as passagens em uma agência de viagens na internet. Com o dólar desvalorizado, saiu em conta: São Paulo a Lima (ida e volta) por R$ 774, incluídas taxas de embarque, parcelado em cinco vezes sem juros.

Farei a viagem para Machu Picchu em dezembro, três meses antes de completar 30 anos. Um presente de mim para mim mesmo, sobre o qual terei prazer de escrever a respeito. Pela primeira vez, a redação sobre "minhas férias" não será um incômodo e, o melhor de tudo, não precisarei recorrer à revista da National Geographic.
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27 de outubro de 2010

Camilas, Vanessas e Grazielas

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"Não existe Camila, Vanessa e Graziela feias". Dia desses experimentei incluir essa "sentença" nas redes sociais e na mensagem de apresentação do MSN. Pra quê! Amigas, algumas conhecidas e até uma ex-paquera, todas donas de nomes diferentes desses acima citados, surgiram para tirar satisfação – como se as tivesse chamado de feias, o que não ocorreu. "Vanessa é nome de mulher dada", disse uma das reclamantes. "Conheço várias Camilas barangas", disse outra. A vaidade em excesso é como misturar manga com leite: a gente sabe que não mata, mas ainda assim tem medo.

Vanessa Hudgens
Há várias definições para vaidade. Os dicionários têm as suas e eu, as minhas. Se uma mulher se incomoda com outra, por medo de perder seu parceiro para ela, isso é ciúme. Se uma mulher se incomoda com outra, em função da beleza da "concorrente", aí isso é dor de cotovelo.

Dicionário à parte, não conheço uma mulher sequer, nascida de 1980 para cá, que possua um desses três nomes e sirva de feia. Bem pelo contrário, são todas capazes de arrancar assobios do peão de obra mais exigente. Nenhuma faria feio se precisasse interpretar a cena em que Marilyn Monroe – sobre um exaustor, tentando cobrir com seu esvoaçante vestido branco a gostosura de suas coxas – personificou o glamour de Hollywood e levou muitos marmanjos da época a pensamentos ousados. Tenho um relógio de parede de Marilyn não é por acaso.

Não estou a falar de celebridades do meio artístico, como a gatinha da Disney Vanessa Hudgens ou das estonteantes atrizes globais Camila Pitanga e Grazi Massafera. Falo de mulheres normais, capazes de aceitar um vinho a dois com meros mortais como este autor.

Lembro de minha ex-vizinha Graziela como se fosse hoje. Na segunda metade da década de 90, cursávamos o 2º grau técnico do Cefet de Pato Branco. Entre meus colegas de Eletrônica havia o consenso de que a garota mais gostosa era a Grazi da Eletromecânica. Para um bando de garotos virgens e espinhentos, os peitões dela eram um mar sem fim de pensamentos "pecaminosos". O "risco inferno" só não assustava porque a professora de biologia insistia que pensar em sexo não era pecado, era testosterona. Sábia professora.

Para meu deleite, a Grazi da Eletromecânica passava diariamente em frente à casa de meus pais, rumo ao apartamento dela. Dia sim dia não, aparecia na padaria comprar um pão caseiro de cenoura. Meu pai havia montado o negócio e me escalado para cuidar do caixa no período da manhã. Era ótimo em calcular troco, mas na presença das curvas bem esculpidas daquela adolescente nem calculadora científica ajudava. Para meus colegas de Eletrônica eu tinha o dever moral de convidá-la para sair. Era difícil. Perguntas sobre o tempo eram as únicas que me ocorriam na presença dela.

A van que eu vou pro Cefet tem um lugar sobrando. Você não quer ir com a gente — perguntou-me Grazi, certa vez, ao receber o troco do pão de cenoura.

Cla-claro que sim — respondi de imediato, com a voz trêmula, já pensando em como convencer meu pai de que fazia sentido trocar o ônibus, mais em conta, por um lugar ao lado (dos peitos) da Grazi, na van.

A salvação veio de um abençoado colega de Eletrônica, que descobriu que o dono da van era amigo de longa data de meu pai. Negócio fechado. Grazi era a beleza que inspirava poesia, a ponto de causar raiva em meninas da mesma idade. Só o fato de ir ao colégio ao lado dela rendia a mim pontos de popularidade junto aos colegas. O que faltava era coragem para vencer o iceberg no estômago, convidá-la para sair e, quiçá, apresentar meus lábios a todos os dela. Não tive coragem nem tempo. Duas semanas mais tarde, Grazi passou a namorar um cara habilitado e a ir ao colégio, com ele, de carro. Um moleque, aos 16 anos, não é ninguém; nem carta para dirigir tem.

Sim, Grazielas normais também causam dor de cotovelo.

Perdi a conta de quantas Vanessas conheci na vida. Todas tinham como ponto forte uma sensualidade ímpar, um ar de femme fatale capaz de despertar o interesse até dos homens mais efeminados. Uma das professoras de inglês dos tempos de Cefet, uma jovem estagiária, chamava-se Vanessa. Era baixinha, mas tinha curvas alucinantes. As professoras mais experientes não gostavam dela e nem é preciso explicar o porquê. Evandro, o colega mais velho e experiente, um tipo alemão de 1,90 metros, filho do dono da funerária, traçou a "profe" Vanessa, contou todos os detalhes e virou ídolo da turma.

Dois anos mais tarde, no final da década de 90, eu cursava inglês na escola de idiomas CCAA e paquerava ("ficava", nos dicionários mais atuais) uma guria bonita, mas cheia de não-me-toques, chamada Maria. Isso até trocá-la por uma garota da turma da manhã. Vanessa tinha cabelos cacheados, cinturinha fina e sempre usava tênis All Star. Sucumbi ao "How are you pretty boy?" dela. Maria era biblicamente certinha demais para meu gosto e, fora esse detalhe, aprender outra língua – em mais de um sentido da palavra – foi de fato uma boa ideia.

As outras Vanessas de minha vida foram todas amigas. Mercúrio, editor no jornal para o qual escrevo, tem pertinente teoria em favor da "química" entre homens e mulheres. "Meu jovem, no primeiro encontro com uma mulher tem de rolar beijo, senão vira amizade". Na prática constatei: ele está coberto de razão. Se tivesse aprendido esse sábio conselho, nos tempos de faculdade, teria tido ao menos três Vanessas ex-namoradas ao invés de amigas.

Sim, Vanessas normais também causam dor de cotovelo.

Mulheres que se chamam Camila sempre me pareceram as mais difíceis. Devo ter comigo, in-fe-liz-men-te (e a divisão silábica é para dar sentimento), algum tipo de repelente contra Camilas. A primeira lembrança de uma delas vem dos tempos de primário, da turma da 2ª série, da professora querida que morreu anos mais tarde em um acidente de trânsito, da coleguinha de olhos claros, cabelos dourados e jeito delicado que se chamava Camila. Creio que o guarda-chuva de chocolate que levei mochila para ela – e ela recusou – tenha sido o primeiro fora de minha existência.

Bem dito. Foi o primeiro fora, não o único. Vinte e tantos anos depois, na cafeteria preferida, peguei-me observando a jovem barista, que sem fugir da intensa troca de olhares presenteou-me com apaixonante sorriso. Qual viciado em cafeína não gostaria de ter uma namorada que, além de bela, soubesse preparar mais de 20 tipos de cafés especiais? Era motivação demais para ficar parado. Saquei uma caneta do bolso, escrevi um bilhete para a barista e chamei a garçonete.

Pedi um expresso carioca faz 15 minutos, acho que esqueceram.
Mil desculpas senhor — respondeu a atendente.
Ah, não esquenta. Se puder aproveita e entrega esse bilhete para a moça que prepara os cafés especiais.
Quem, a Camila? — pergunta que soou divinamente bem. Tão perfeita aos olhos de um louco por café, só poderia se chamar Camila.

No bilhete: elogio à beleza dela, menção à troca de olhares de minutos antes e relato da admiração por quem domina a arte de preparar a melhor das bebidas. O endereço de MSN foi junto, para caso ela, não sendo comprometida, pudesse corresponder. De longe, notei alegria nas expressões faciais da barista, ao ler a cartinha, e vaidade reprimida da parte das colegas de trabalho dela, chateadas com a paquera alheia. De casa, aguardei contato via MSN, o que nunca aconteceu.

Era de se esperar: Camilas costumam ser difíceis e, claro, também causam dor de cotovelo.
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22 de outubro de 2010

Elas preferem os cafajestes

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#microconto

I
Um dia a solteirona reclama: "os homens são cafajestes e os que prestam já estão ocupados (casados, noivos, etc);

II
Mas essas mesmas mulheres se esquecem de que, quando jovens, belas e formosas; optaram pelos bad boys ao invés dos mocinhos;

III
As mulheres que optaram pelos mocinhos - geralmente fieis, românticos e caseiros - viveram felizes para sempre;

IV
As solteironas, que se encantaram pelos bad boys, agora de coração partido se fecham a novos relacionamentos: "não ando querendo um novo amor..."

V
Destarte, mocinhos em extinção ou cafajestes corrigidos, cabisbaixos com a rejeição, encontram na esquina seguinte mulheres frutas e Geisys de toda sorte;

VI
Aos homens, mocinhos ou cafajestes, aplica-se um mesmo ditado: "se ainda não encontrou a mulher certa, divirta-se com a errada".

#theEnd
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30 de setembro de 2010

Sabores e dissabores do jornalismo

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"Ser jornalista tem seus dissabores". Mortal perdeu as contas de quantas vezes ouviu essa frase o dono do jornal onde trabalhara após concluir a faculdade de Jornalismo. Preferia não acreditar na sentença, porém, passados sete anos desde que o "canudo" lhe foi entregue em mãos na colação de grau, dava a cada nova semana de trabalho mais razão ao ex-patrão. Nem sempre viver da escrita seria prazeroso.

O jovem repórter de Política havia tido um dia de merda, profissionalmente falando. Para piorar, uma infecção na garganta o impedia de recorrer ao melhor anti-stress já inventado: chope trincando de gelado, com colarinho. Além do mais, o álcool cortaria o efeito dos antibióticos. Vale um Prêmio Nobel, no mínimo, a quem inventar um antibiótico efervescente para ser diluído em caneca de chope ou taça de vinho.

- O senhor já foi atendido? - questionou a atendente da cafeteria.
- Não me chame de senhor, nem 30 anos eu tenho.
- Você já foi atendido? - insistiu, educadamente, a atendente.
- Me desculpe, tive um péssimo dia. Quero um café com álcool, o mais forte que você tiver. E que se dane os antibióticos.
- Como?
- Nada não. O café demora?
- Dois minutinhos, no máximo.

Aquela sexta-feira teve tudo para ser a melhor do ano para Mortal. Na pauta, ele precisava entregar uma reportagem sobre o gasto excessivo de alguns dos deputados federais da bancada paranaense durante o recesso parlamentar. Na apuração das verbas indenizatórias, o repórter descobriu que um único deputado havia gastado mais de R$ 20 mil com passagens aéreas. No mês de descanso dos deputados, gastos com combustível e locação de veículos indicavam que o dinheiro público, restrito à atividade parlamentar, fora usado na campanha eleitoral.

Mortal tinha uma baita história em mãos e, melhor, tinha como sustentar o conteúdo da reportagem. Os dados eram públicos e constavam da página da Transparência da Câmara, na internet. Um pouco de paciência e tabulação dos dados haviam apontado dados curiosos. No recesso, deputados que concorriam à reeleição haviam gastado até 75 vezes mais do que parlamentares que não estavam em campanha.

- E tua matéria, como anda? - perguntou Moisés, o repórter de polícia, vizinho de mesa de Mortal.
- Está quase pronta. Aposto que vai virar manchete.

Em redações de pequeno e médio porte, repórteres de jornal diário raramente podem se dedicar a apenas uma matéria por dia. Mortal teve três dias para trabalhar nos gastos dos parlamentares. A expectativa era grande, talvez até maior do que a do primeiro encontro com uma mulher especial.

Ao final do expediente, já no início da noite, a vinda do editor-chefe até o posto de trabalho de Mortal era sinal de que algo havia dado errado. "Onde há fumaça há fogo"... e o ditado se aplica também, e muito bem, ao jornalismo. Sr. Reuters costumava se dirigir à mesa de um repórter apenas para levar alguma má notícia. Teria sido a reportagem investigativa demais para ganhar as páginas do jornal?

- Rapaz, lutei pela publicação da tua matéria, mas não teve jeito - disse Reuters, aparentemente desapontado com o veto editorial.
- Qual o problema com a matéria. Algum erro? - questionou Mortal.
- O conteúdo da reportagem traria sérios problemas para o jornal.
- Problemas políticos?
- Políticos e financeiros - comentou o editor-chefe.

A matéria era, sim, investigativa demais. Dois deputados, muito chegados do dono do jornal, estavam entre os gastões do período de recesso parlamentar e a reportagem, certamente, acarretaria prejuízo eleitoral a ambos. Em outras palavras, o eleitor mais politizado poderia se dar conta do uso indevido e abusivo do dinheiro público, optar por candidatos de melhor índole e, quem sabe, fazer campanha contra os gastões. Com a matéria, o eleitor ganharia mais subsídios para o voto consciente e o repórter, a conta no dia seguinte. Eis um um bom exemplo de dissabor na profissão.

Naquela sexta-feira, que começou empolgante e terminou melancólica, nem o café mais alcoólico aliviaria o estresse. Nem mesmo um chope com antibiótico efervescente teria esse poder. A melhor matéria de Mortal, no ano, havia sido arquivada. O dissabor da conveniência política permaneceu, por dias, entalado na garganta. Aliás, a garganta melhorou bem antes do dia da eleição, que revelou uma agradável surpresa: um dos deputados "amantes do dinheiro público", amigo do dono do jornal, não foi reeleito. Ser jornalista tem também seus sabores.

Publicado também em: Master em Jornalismo

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18 de agosto de 2010

As mulheres vão dominar o mundo

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Duas mulheres concorrem à presidência da República nas Eleições 2010. Nas pesquisas de intenções de voto uma está na liderança e a outra, em terceiro. A iminência de o Brasil ter uma presidenta, pela primeira vez em sua história, revela que elas têm se destacado até mesmo em território onde os homens costumam dominar, como a política. Em uma sociedade que insiste em alimentar certos machismos, as mulheres vêm roubando a cena, a passos largos.

As mulheres ainda são minoria nos postos de chefia das grandes corporações e também em cargos públicos. Na comparação com os homens, recebem menos pelo desempenho de uma mesma função. Detalhes que parecem fazer parte de um bem arquitetado plano feminino de dominar o mundo. Uma conspiração, de momento notada apenas por "agentes secretos" infiltrados, a qual sinto-me obrigado a revelar ao universo masculino: elas vão dominar o mundo e o esperam fazer discretamente – assim como quando traem –, sem que eles percebam suas aspirações.

Recebi, de dois desses agentes secretos, um relatório minucioso. Mendes e Oliveira – como se apresentaram, embora eu desconfie não se tratar de seus nomes verdadeiros – se infiltraram em uma organização feminina, criada para produzir conteúdo subliminar para as mulheres classificadas como "multifuncionais". Trata-se de um código. "Multifuncionais são todas as mulheres que já se tornaram independentes e que, agora, estão no comando da revolução feminina", relatou Oliveira, no relatório.

Dilma Rousseff, Marina Silva, Cristina Kirchner, Michelle Bachelet, Angela Merkel e Hillary Clinton, para citar apenas nomes da política, são "multifuncionais". Xuxa e Gisele Bündchen também fazem parte do "time". A rainha dos baixinhos conquistou a confiança dos meninos e, como se não bastasse, teve a seus pés o maior ídolo do esporte brasileiro: Ayrton Senna. Nos anos 80 e 90, todos gostavam dela. Gisele veio depois, de modo a consolidar a submissão masculina pela força de sua beleza. "Ter os homens de quatro por elas faz parte desse plano feminino", advertiu Mendes.

Em ação de contra-espionagem, Mendes e Oliveira compilaram dados de pesquisas que apontam para uma supremacia feminina. Foi-se o tempo em que os homens mandavam... e elas obedeciam. Segundo dados do instituto Nielsen, as mulheres chegaram a 2010 de posse de 50,2% dos cartões de crédito. Até aí nenhuma novidade, pois elas sempre adoraram ter a bolsa recheada do "dinheiro eletrônico". Nota de 50 amassada no bolso da calça é coisa macho; cartões de várias bandeiras é coisa de mulher.

O que chama mais a atenção no relatório da dupla espiã é o avanço das multifuncionais no mercado de trabalho. Donas de 56% dos bancos das universidades brasileiras, elas já são 6,3 milhões de empreendedoras e presidem 20% das empresas do País. "Cada dia que passa as mulheres precisam menos dos homens. Cresce o número de solteiras convictas, que recorrem a garotos de programa e namorados ocasionais para se satisfazer", diz o relatório, na cabulosa página 666.

Assustado? Então senta e toma uma água com açúcar, que tem mais. Minha pressão disparou quando li o trecho abaixo do relatório, no capítulo em que Mendes e Oliveira dispõem sobre o interesse delas pela maior paixão masculina: o automóvel. Ainda bem que Henry Ford não viveu pra ver isso.

Às multifuncionais ter dez cartões de crédito per capita, ter postos de chefia nas grandes empresas, ter filho por produção independente, não basta. Elas querem o que é mais sagrado para os homens — anuncia o documento da espionagem. — Pesquisa feita com 7 mil clientes das principais montadoras, ao longo de três anos, revela que 42% da compra de carros novos no Brasil pertence ao público feminino. Não satisfeitas, ainda influenciam cerca de 30% das aquisições de automóveis feitas pelos homens — acrescenta o documento.

A conspiração pode parecer piada, mas é verdade. Fui levado a um local ermo, com olhos vendados, 20 minutos de carro, onde conheci Mendes pessoalmente. Antes da conversa, em sala com pouca luz, quis ele a confirmação de que eu não havia dito nada do encontro secreto a mulher alguma. Respondi que não, e fiz perguntas:

Por que tanto mistério Mendes, por que a venda nos olhos?
Sem esses cuidados, sua vida também correria risco – alertou-me o agente.
Fiquei surpreso com o relatório...
Elas querem o nosso lugar – interrompeu-me o agente de sotaque carioca, alto, camisa preta e óculos escuros. – E depois que elas dominarem o mundo, vamos virar meros cachorrinhos delas.
Você assinou o relatório com um tal de Oliveira. Cadê ele?
Foi assassinado.
Quando? Como?
A mãe dele morreu e o cerimonial fúnebre o forçou a retornar à cidade natal, Alegrete, nos pampas do Rio Grande do Sul. No caminho, o ônibus em que ele estava explodiu.
Vi isso no noticiário, há um mês. Foi um acidente – interpelei.
Muita coincidência o acidente ser uma colisão frontal com um caminhão-tanque, carregado de querosene, numa reta. Não acha?
– Put*#% merd*&# – exclamei.

Estava assustado. A teoria da conspiração, revelada no relatório, passara a fazer algum sentido. Mendes se recusou a informar para qual agência trabalhava. Disse-me estar treinado para aguentar qualquer tipo de tortura, mas sabia que eu revelaria segredos na primeira agulhada embaixo da unha. Bastava que uma única pessoa abrisse o bico para pôr toda a sociedade de contra-espiões em perigo.

E por que você enviou o relatório justamente para mim?
Trabalhamos em duplas – começou a relatar Mendes – e creio que as multifuncionais descobriram minha identidade e a de Oliveira. Outros dos nossos podem estar correndo perigo...

Após um gole de água, prosseguiu:

então resolvi procurar a imprensa. O maior líder da resistência masculina foi ludibriado por elas e, em breve, o poder estará nas mãos das multifuncionais.
Quem é esse líder, não li isso no relatório – indaguei.
O presidente Lula, que de uma hora pra outra surgiu com o nome da Dilma como sua sucessora e agora, na campanha, trabalha para que ela assuma o poder.
A Dilma é a líder das feministas?
Multifuncionais – corrigiu-me Mendes. – Não, mas ela é de inteira confiança da verdadeira líder, a qual ainda desconhecemos a identidade.
Tábom, se a Dilma tomar o poder no lugar do Lula, ainda teremos o Obama.
Engano seu. A esposa de Barack Obama manda nele, assim como ocorria entre Hilary e Bill Clinton. Agora coloque a venda nos olhos que a conversa acabou.
O que devo fazer com o relatório.
Compartilhe com jornalistas de sua confiança caso eu morra e Dilma dispare para a vitória na disputa com Serra.

Recentes pesquisas de intenção de voto apontam que Dilma Rousseff (PT) abre vantagem contra José Serra (PSDB) e se aproxima de uma vitória ainda no primeiro turno, embora nada esteja definido. Quanto a Mendes, o reconheci, nas imagens do noticiário, entre os clientes e funcionários baleados em um assalto a banco no Rio de Janeiro. Mendes, que aguardava para falar com seu gerente, levou um tiro certeiro nas costas. Morreu no hospital.

Publicado primeiramente em: Plano Feminino.

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28 de julho de 2010

Almoço no shopping

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Munido de papel e caneta, preciso relatar ao mundo o que vejo ao meu redor na meia hora de folga que me resta, antes de voltar ao trabalho. Quem nunca fez isso não sabe o quanto é terapêutico. Estou na praça de alimentação de um shopping center, desacompanhado em mesa com quatro lugares. Bebo refrigerante zero para compensar a ingestão calórica do almoço enquanto observo o ambiente e as pessoas.

São ao todo oito lojas na praça e a mais movimentada delas, sem dúvida, é o McDonald's. Sempre quis ter um milhão e pouco para adquirir uma franquia do McDonald's. Suas lojas estão sempre cheias, embora a figura daquele palhaço ridículo que criaram para promover a marca. Por aqui, não é diferente: há fila para comprar um daqueles sanduíches pouco saudáveis – e o dito palhaço na embalagem.

No televisor de teto, à minha frente, passa reportagem sobre a seleção brasileira. Está sintonizada na TV Globo, que segue descendo a lenha no Dunga – o rabugento técnico que comandou a seleção brasileira na infeliz campanha na África do Sul. Quase abaixo do televisor, um grupo de 11 meninas, todas com uniforme de colégio, riem e conversam sem parar. As colegiais optaram pelo lanche do McDonald's no almoço, inclusive a moça dos olhos azuis mais belos que já vi na cidade. Ironicamente, ela e as amigas são todas magras, como se só comessem alface. Por enquanto, o metabolismo acelerado ainda as mantém a salvo dos "efeitos colaterais" do Big Mac.

Tenho reparado também a freguesia dos demais restaurantes. Naquele que serve batata assada e recheada, oito em dez clientes estão aparentemente acima do peso. Não é de hoje que suspeito que as batatas exercem algum poder de atração sobrenatural sobre os gordinhos. A moça mais peso-pesado da praça de alimentação está comendo a dita batata no almoço.

Desde que comecei a escrever, uma cena agride minha visão. Um sujeito tamanho GG, com calça tamanho M, come algo da cozinha asiática enquanto seu cofrinho fica à mostra. Bizarro. Decidi trocar de lugar, de modo que agora, ocupando a cadeira vizinha, os divinos olhos azuis da loira impedem a visão do "inferno". O sujeito sem noção, aliás, foi o único acima do peso que notei se servir no restaurante japonês. Os demais clientes são todos magros. Pena que essa opção é um pouco cara, senão comeria todo dia por lá e perderia alguns quilos.

Quatro mesas defronte a mim, um jovem come tacos com um olho na comida e outro nas colegiais, como se quisesse comer outra coisa. Sorte a dele eu não ser pai, tio ou irmão de alguma delas. Talvez a culpa seja do tempero mexicano... é afrodisíaco, ouvi falar. Tequila, sei bem, deixa as mulheres soltinhas, mas sobre a pimenta da comida mexicana desconheço os efeitos. Precisaria consultar o Wikipédia.

Na mesa ao lado do "mexicano" tarado, acabaram de se sentar duas japonesas balzaquianas que optaram por comida mineira. Da mesma forma que sempre imagino um mineiro falando "uai" e comendo pão de queijo no café da manhã, espero vê-las comendo sushi com pauzinhos e falando em japonês. "Grande bobagem", vai pensar minha amiga de redação, a jornalista Elaine, filha de japoneses, ao ler isso. Caso ela mostre isso à irmã solteira, pior ainda: corro o risco de nunca conhecê-la pessoalmente.

Quatro mesas à minha direita, a moça mais bela do recinto, pele clara e cabelos escuros, traços de espanhola, optou pela culinária italiana. Foi minha opção para o almoço, mesmo não curtindo comer spaghetti com garfo e colher. Em momento algum a espanhola olhou em minha direção, uma pena. Talvez eu precise recobrar os exercícios e fazer uma dieta? Vou considerar isso.

As colegiais se foram, posso notá-las ao longe, próximo à escada rolante. Opa, o "mexicano" se levantou e foi atrás – se eu fosse irmão de alguma delas daria um "cagaço" nele! A moça peso-pesado também se foi, porém, para apanhar mais uma batata recheada. Cada um sabe a fome que tem. A espanhola terminou de almoçar e agora ajeita sua bolsa. Uhmmmm, passou um batom rosa com auxílio de um espelhinho portátil. Bem feminino, um ponto a mais para ela.

Bom, deu meu horário. Vou aproveitar a "carona" dela que tenho muito a fazer à tarde.
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6 de julho de 2010

Chora, me liga

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"Ao invés de fazer teu expediente na redação, você não estaria a fim de cobrir um show no fim de semana?" Quando ouvi essa pergunta de meu editor, em O Diário, tive a certeza - acompanhada de um inevitável frio na espinha - de que se tratava de um show sertanejo. Não deu outra: "João Bosco e Vinicius". Como não sou jornalista de negar fogo, ou melhor, de negar pauta, topei o desafio. O bom repórter é aquele que, além do conhecimento específio em uma ou mais áreas, dá conta do basicão em editoriais que não são de sua competência.

Fui ao jornal convicto de que, pelas forças ocultas da Lei de Murphy, fosse um show de rock jamais seria escalado. Como era sertanejo, e ainda por cima universitário, o editor-chefe deve ter pensado: "ahhhh, tem o Luiz Fernando..." Para que os amigos contextualizem a situação, para mim rock está para uma partida de futebol assim como sertanejo está para uma espetáculo de balé clássico. Se bem que, por conta das bailarinas, balé tem lá suas vantagens.

De João Bosco e Vinicius só sabia que eles cantam "Chora, me liga". Qual bendita alma residente em Maringá, essa cidade paranaense que é doente por sertanejo, não sabe desse detalhe. É ligar na rádio FM, não dá meia hora e toca "Chooora, me liga, implooora meu beijo de nooovooo. Me pede socooorro, quem sabe eu vou te salvaaar. Chooora, me liga, implooora pelo meu amô-o-or, pede por favô-o-or, quem sabe um dia eu volto a te procurar". Interessante a letra: sempre serve para alguma ex.

"Nada é tão ruim que não possa piorar". Para valorizar o ditado, o show atrasou um bocado, derramei água no sapato e durante o apresentação da dupla, no meio da multidão, uma baranga pegou na minha bunda. "O que é isso", exclamei. "Sorte que eu sou eu, um mero mortal. Imagine o que ela teria feito se eu fosse o Gianecchini", pensei, enquanto me afastava do dragão antes que ele cuspisse fogo. Fui para perto de algumas belas moças, mas aí, lógico, nenhuma pegou em mim.

Consegui me aproximar do palco. Distante cerca de cinco metros dos cantores, fiz fotos e vídeos com uma máquina portátil e anotei algumas declarações de fãs. Uma loira tipo holandesa, de olhos claros, cinturinha bem definida, cerca de 1,65m de altura, pele clara e cabelos lisos e esvoaçantes veio falar comigo. Viu o crachá de repórter do jornal e queria dar entrevista também. Não sei se era só entrevista que ela queria dar. Na dúvida, perguntei a idade da moça. "Tenho 17 anos", respondeu. "Melhor deixar para pegar o telefone de outra", pensei, ao suspeitar que ela estava mentindo a idade... para mais.

Difícil foi deixar a multidão. Cinco músicas depois do início do show, o número de fãs por metro quadrado era de pôr medo em qualquer claustrofóbico. O risco de topar com outro "dragão atrevido" também causava medo. Resolvi que era hora de partir, até porque a colega de cobertura, uma fotógrafa de olhos verdes e traços italianos, já devia estar me esperando.

Tinha em mãos e em mente o material necessário para uma boa matéria. Esperava uma saída honrosa, porém, pisei sem querer no calcanhar de uma fã entroncada e ela, sem considerar meu pedido de desculpas, disparou uma impiedosa colovelada. Considerando que o pisão, de 85 quilos, possa ter realmente doído, relevei a agressão e segui meu rumo.

Sentia-me como um peixe fora d'água em meio a uma multidão que cantava decor músicas que até então eu desconhecia, mas, no balanço final, a experiência foi válida. Tive a oportunidade de ir ao camarim da dupla e de, na entrevista, descobrir o carinho que eles alimentam por uma cidade que os acolheu quando eles ainda sonhavam ser famosos e tinham como ganha-pão as apresentações em boates e barzinhos.

João Bosco e Vinicius deram uma aula de simpatia e deixaram uma importante lição: não se deve, por maior que seja o sucesso, esquecer de quem te apoiou no início da jornada. Assim como não se deve deixar de anotar o número de telefone da jovem "holandesa", até porque, num futuro próximo, ela terá mais de 18.
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» Leia também sobre a cobertura.
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2 de maio de 2010

Um chalé na Serra Gaúcha

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O desembarque em Gramado, principal destino turístico da Serra Gaúcha, cidade que para muitos lembra a Europa, deu-se numa fria manhã de março, com denso nevoeiro e temperatura na casa dos 5°C. Há quem diga que por lá os termômetros são "viciados" para garantir baixas temperaturas, de qualquer forma, Luiggi Oliveira achava bom vestir blusa e tomar um amargo de novo. Para o jornalista, autor de dois contos que, juntos, não venderam 800 exemplares, a sensação de estar novamente no Rio Grande do Sul era como a de ter retornado do exílio. Sentia-se contente e desejava ficar ali, no ar puro da serra, até concluir seu terceiro livro, quiçá um futuro best seller.

Luiggi chegou de ônibus, com uma mochila nas costas, seu notebook em mãos e disposição para recomeçar do zero. E isso significava dispensar um bom tempo para comprar roupas e bem mais para fazer novos amigos. Em São Paulo, deixou tudo: as ridículas piadas de gaúcho, o pseudo-churrasco de grelha, a poluição, os alagamentos, o trânsito infernal, a violência da grande capital, o cobiçado emprego no maior jornal da cidade, o apartamento com home theater – que largou com toda a mobília aos cuidados de uma imobiliária –, livros e, inclusive, a namorada, com quem já cogitava morar junto. Decisões envolvendo laços afetivos são as mais difíceis de tomar.

Elizabeth era uma boa mulher, em mais de um sentido da palavra. Estilista de futuro promissor, sempre tão ocupada com o crescimento profissional, só foi perceber o momento de angústia do namorado no dia da despedida. E ele, o escritor, precisava de um bom motivo para largar tudo e de um melhor ainda para justificar o "exílio" em Gramado. Por que não Porto Alegre ou Caxias do Sul? Estava certo de que ouviria da bela morena alguma pergunta desse gênero.

Uma briga, mais intensa que as anteriores, foi "o início do fim". Elizabeth disse que gostaria de sair para conversar com sua melhor amiga. "Sem problemas", pensou Luiggi, "deve ser assunto de mulher". No dia do anunciado encontro, ao perguntar onde Elizabeth iria, o escritor recebeu inesperada resposta: um show sertanejo. Iria com a amiga ver Victor & Leo e só voltaria de madrugada. "Não creio que ela aprontou essa contigo, Luiggi", exclamou o melhor amigo e colega de redação, numa mesa de bar. "Fosse você, eu terminaria o namoro", disse o irmão lá do Rio Grande, via MSN. O incentivo do amigo e do irmão foi o combustível da coragem de Luiggi, que rompeu o namoro mesmo sob o temor de se arrepender da decisão, mais tarde.

No mesmo dia, deu início aos preparativos da mudança. Mantinha a disposição de investir na busca do sonho de ter seu nome estampado na capa de um best seller. Num primeiro momento, seu editor-chefe do jornal não aceitou o pedido de demissão. Apostava alto no gaúcho – que tantas vezes fora alvo de suas piadas bairristas. Cedeu ao pedido de acordo na semana seguinte, propondo ao jornalista a função de correspondente no Rio Grande. Luiggi estava, enfim, livre para largar aquela rotina, livre para realizar seu objetivo literário. Queria ver seu livro em todas as bancas, publicado em vários idiomas se possível. Se Paulo Coelho pôde, pensava, com persistência e dedicação conseguiria também.

Certa noite, Luiggi teve um daqueles sonhos surreais, no qual era autor de um título de sucesso chamado "Cobain e o Universo Feminino" – coincidentemente o título do livro que estava escrevendo – e residia num chalé em Gramado. Sua agora ex-namorada não acreditaria que a escolha da cidade se dera por esse motivo. Era melhor que ela nem soubesse do detalhe.

Em Gramado, deixou as malas num pequeno hotel e saiu a caminhar sem pressa pela Borges de Medeiros, uma das mais charmosas avenidas do País. Os cabos de energia elétrica soterrados, as folhas a cair das árvores, o frio, as pessoas encasacadas e as casas em estilo enxaimel conferiam àquela cidade, de fato, ares de Europa. Desejava ter, em Gramado, um chalé com lareira, um vinho nas noites de frio, ar puro nas caminhadas matutinas, sossego para escrever e, quem sabe, companhia especial para as noites mais frias. Estava certo de que teria aquilo, incluindo seu best seller.
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28 de abril de 2010

Time-out

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Tenho três amigos que vão ao psicólogo regularmente e sei de alguns outros que também vão, eventualmente, mas por preconceito bobo não contam a ninguém, talvez por receio de parecerem loucos. Nada contra os psicólogos, mas prefiro meios alternativos para vencer traumas e superar problemas, mesmo aqueles que impõem medo.

Erga a mão quem não tiver problemas para resolver. Viver é matar a dentadas um leão a cada dia, é pagar dívidas, brigar e se reconciliar com a mulher amada, pensar no futuro dos filhos, reclamar do preço do combustível, fazer o mesmo do preço da carne, perder 35% do salário para os impostos, pedir aumento e ouvir não do chefe, procurar outro emprego, estudar para se manter competitivo no mercado de trabalho, tomar vacina contra gripe suína, irritar-se com o colega puxa-saco, sonhar com o carro novo e ter de parcelar em dez vezes a troca dos pneus do Gol "geração um", pagar mais impostos e, de dois em dois anos, votar nos mesmos "bons e honestos" políticos. É tanta coisa que chega a dar saudade dos tempos de criança.

São problemas que geram estresse. Para mim, a melhor maneira de extravasar é parar, respirar fundo, preparar um bom café, refletir bebendo o café e escrever. Pôr os problemas no papel – ou no blog –, às vezes com ajuda de personagens criados para resguardar alguma privacidade, é um método quase infalível. Com permissão para uma analogia barata: é como o time-out do basquete, ocasião em que o técnico de um time da NBA pede tempo para conversar com os jogadores, traçar estratégias alternativas e colocar a "casa" em ordem. Escrever, para quem é chegado das letras, é como um time-out.

Há ainda outros métodos para extravasar o estresse. Um deles são os livros de autoajuda. Mas cuidado, há muita porcaria editorial na praça, especialmente nessa área. Há também a opção milenar de buscar soluções no âmbito espiritual, em Deus e com ajuda de uma igreja (ou mesquita ou sinagoga, etc), ou até mesmo na esfera secular, numa rodada de chope com amigos para chorar as mágoas, por exemplo. Aliás, quantos reis já não ansiaram ser plebeu ao menos por um dia, no dia de maior tristeza, para ter a liberdade de desabafar com amigos numa mesa de bar.

Rei ou plebeu, "sangue azul" ou não, é bom ter amigos por perto em momentos de dificuldade. Como ensinou o apóstolo Paulo: "Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor". Contudo, se nenhuma dessas técnicas funcionar, não relute em procurar um bom psicólogo. E se por acaso você for um rei ou algo parecido, faça como no cinema e seja "normal" por um dia... e vá beber com os amigos.
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26 de abril de 2010

Das Auto

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A caminho do trabalho, numa pálida tarde de outono, de sol encoberto por nuvens e chuviscos que não bastavam para ser taxados de garoa, decidi visitar um bom amigo. "Você pode vir vê-lo sempre que quiser", disse-me o mecânico, uma semana antes. Havia deixado meu Fusca 1975 para reforma e pintura, para os ajustes finais antes da venda. Santo Deus... venda era um verbo que não desejava empregar, sequer pensar, naquela situação.

Em seu azul escuro perolizado, com branco-gelo nas portas no provocante estilo minissaia, Sólido estava reluzente, quase pronto para ser disputado por colecionadores, em alguma garagem da cidade. Embora exuberante, parecia estar com um olhar triste, como se soubesse que seria vendido após o "banho de beleza".

— Teu Fusca não está pronto ainda — disse o responsável pela pintura — falta o polimento. Depois disso você vai vendê-lo num piscar de olhos.

Com ajuda de entendidos no assunto, avaliei meu Volkswagen bicolor em sete contos e pouco. Triste pela previsão de venda fácil e certo de que dificilmente tornaria a vê-lo após o negócio, fiquei ali, estaticamente triste, a observar o Sólido sem pressa. Fosse pelo afeto, nem R$ 20 mil o tirariam de mim. Precisava da grana para ajudar nas despesas de um caro curso de pós-graduação que havia cursado, seis meses antes, em São Paulo.

"Das Auto", como na propaganda. Na tradução livre do alemão: "O Carro", e que carro. No namoro de seis anos, o único problema que tive com o Sólido foi nos meses seguintes à aquisição. Bateria fraca, nada mais. O motor 1300 foi "feito" e, embora não seja lá tão econômico, é o ponto forte do fusqueta. Assoalho impecável; pneus largos e novos; interior em azul e gelo, combinando com a lataria externa; bancos em azul e preto; volante retrovisor e painel originais; vidros escuros. Um luxo. Com a pintura, desfilaria como um gentleman com terno a la James Bond e gravata borboleta.

Mais de uma vez, pensei em desistir da venda, porém, a iniciativa parecia acertada. Sem garagem coberta, o sol e o sereno mancharam a pintura sem dó. Agora, de "terno" novo, ele era merecedor de melhor abrigo, de uma espaçosa garagem para repousar. "Das Auto" merecia cuidados além do que eu poderia oferecer. A iniciativa da venda parecia realmente, vendo por esse ângulo, acertada.

Nunca liguei para a avaliação feminina do Sólido. Para as mulheres, era só um Fusca. Ao sair com ele pelas ruas da cidade, arrancava olhares interessados... de marmanjos que queriam o Sólido a ponto de fazer propostas obscenas por ele. "Te dou R$ 5 mil agora", disse um sujeito certo dia, no semáforo, de dentro de seu novo Vectra. "Por esse valor, tu devias procurar no ferro-velho do Seu Zé", retruquei. Para as mulheres, as mesmas que se interessavam pelo jornalista com crachá e carro adesivado do jornal, eu era invisível dentro do Sólido. Pobreza de espírito delas não entender a magia de um clássico bem conservado.

Comprei o Sólido em Pato Branco, de um sujeito que havia largado tudo no Brasil para assentar tijolos em Verona, na Itália, e que precisava de dinheiro para as passagens. Com financiamento do "banco paterno" – aquele da taxa de juros de 0% ao ano – paguei à vista e em espécie, garantindo o melhor Fusca do sudoeste paranaense por uma pechincha. O fechar das portas lembrava uma geladeira, a partida dava a impressão de o Sólido ter injeção eletrônica.

Vai precisar trocar a bateria, o fluído de freio e o óleo. Nada mais — disse o pai de um amigo de infância, da Mecânica do Di, que avaliou o Sólido antes da compra.
— E quanto tu achas que vale um Fusca como esse?
— Seis mil, no mínimo. Mas se for vender em cidade grande, consegues mais que isso por ele.
— Nooooossa — exclamei, como se tivesse descoberto a pólvora.
— Quanto custou? — disse, já curioso, o mecânico.
— Misericórdia, saiu de graça — comentou, após saber o valor.

Passados seis anos, era chegada a hora de algum felizardo colecionador ter o Sólido em sua garagem. No jornal, deram-me alguns anúncios nos classificados, para agilizar a venda. Pensei em deixá-lo em alguma garagem de confiança, em terceirizar a venda para não correr o risco de me arrepender da decisão.

Na cinzenta tarde de outono, que testemunhou a redação desta crônica, passei em uma lotéria a caminho do jornal. Apostei novamente em minhas seis dezenas favoritas, esperançoso de que a sorte me permitisse ficar com o Sólido. Quem sabe a sorte, o destino, Deus, sei lá, percebessem que o Sólido ficaria bem comigo, mesmo exposto ao sol e ao sereno. Quem sabe.
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9 de abril de 2010

Entrevista com Cobain

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"Quando Toddy chamar seu nome acene para o público e vá ao encontro do entrevistador, okay?", disse a assessora, enquanto retocava a maquiagem da mais recente celebridade do País. Cobain não participou do reality show Big Brother, mas havia se tornado conhecido da noite para o dia. Foi dormir anônimo, e acordou com pedidos de entrevista ao telefone. Chamou uma amiga jornalista – e ex-namorada, claro – para ajudá-lo a lidar com a situação e com o assédio da imprensa. Tornara-se famoso, por acaso.

Cobain era o entrevistado da noite no Toddy Show, programa que se tornara campeão de audiência no horário nobre, liderado por John Toddy, um apresentador de humor sarcástico e perguntas ácidas. Composto por três blocos, o programa normalmente tinha três entrevistados. Contudo, Toddy falaria apenas com Cobain naquela noite. O mundo queria saber mais sobre o moreno de 1,82m de altura, que conquistava as mais belas mulheres até nas muitas vezes que, sem carro, teve de ir à pé ou de carona para as baladas.

A fama veio após o lançamento do livro "Cobain e o Universo Feminino", que revela romances de um galã e dá dicas de como entender mais bem as mulheres. "Quando compreendidas e amadas, mesmo na TPM, elas fazem tudo o que eles querem (na cama)", diz trecho do livro, que se tornou best seller mundial em menos de um ano após seu lançamento. Averso a entrevistas e se sentindo pressionado a revelar a identidade do protagonista, Luiggi Oliveira contou em entrevista exclusiva à revista semanal "Tudo" quem era Cobain e como o conhecera. Feito isso, o escritor se isolou em sua casa na Serra Gaúcha e Cobain, não teve mais sossego.


— Vou receber agora aquele que talvez seja o maior galã desde Don Juan. Vem pra cá Cobain — anunciou John Toddy, seguido de música de entrada de seu sexteto.
— Depois que Luiggi Oliveira revelou seu verdadeiro nome, você prefere ser chamado apenas de Cobain. Por quê?
— Nossa, como estou nervoso. Se ficasse assim com as mulheres ainda seria virgem — disse Cobain, arrancando risos da plateia. Era sua primeira entrevista em rede nacional e ele, ainda confuso com tamanho assédio, esperava agradar.
— Queria eu ser mais tímido diante das câmeras e ter tanta facilidade com as mulheres.
— Não há segredo, você só precisa dizer o que elas querem ouvir. E ser romântico e atencioso na dose certa.

— É possível manter esse nível de conquistador sempre? Por exemplo, no fim de semana agora acontece a Atchuca, uma das maiores raves do País. Você consegue se dar bem nesse tipo de festa?
— Vixi, faz tempo que não vou a uma rave. Hoje em dia deve ser bem diferente. No meu tempo não existia "emos", por exemplo — disse o bem apessoado, seguido de mais risos da plateia.
— O que rola numa rave, além de "emos"?
— Rola de tudo: música tecno, várias tribos de gente, de hippies a playboys, muita "bala" e muito "doce" — disse, referindo-se ao uso de entorpecentes ilícitos. — Muito energético também. Tem uma galera que faz swing, que é um malabarismo com foto e cordas e não orgia sexual, claro — acrescentou o entrevistado.

— Você quer dizer que em rave fica todo mundo noiado? — perguntou Toddy, que insistia no assunto ao ouvir de seu diretor que a audiência havia disparado.
— No meu tempo, cerca de 85% usavam algum tipo de droga, infelizmente.
— Fiquei sabendo que essas festas às vezes duram dias. Como isso é possível Cobain?
— Então Toddy, quando você está numa festa que não tem hora pra acabar, afastada da cidade, com bebida, comida, drogas e opções para sexo... cheio de gente, por que ir embora?

— Como o oportunista Cobain se comportaria na festa deste fim de semana?
— Não vou a essa festa, mas vou traçar um perfil psicológico do Cobain (risos). Ele é um cara que se dá bem com as mulheres, certo? Sai com mulheres que os outros geralmente nem chegariam. Quero dizer, sai com mulheres casadas e noivas, isso pra não falar naquelas que têm namorado. Então, ele é um cara que analisa as meninas, que sabe conversar com elas e encontra as lacunas que elas querem.


— Mesmo em uma rave?
— O tempo todo. Agora, como conselheiro amoroso, faço isso também profissionalmente.
— Como conselheiro, que dica você tem a quem quer se dar bem numa rave sem usar drogas, e que quer deixar a festa direto para um motel?
— Quanto mais sóbrio você estiver, melhor. É isso que posso dizer. Estando sóbrio, você tem condições de chegar na menina na hora certa.

Com a audiência bombando, John Toddy encerra o primeiro bloco e chama o intervalo comercial. Cobain, já mais relaxado, é aconselhado por sua assessora. Em sua primeira aparição em horário nobre, e em rede nacional, o galã conquista sorrisos e audiência.

Não saia daí, nem mesmo para estourar pipocas. Voltamos em segundos com Cobain, o novo Don Juan... (pausa) que merda isso aqui. Oooo direção, a gente está economizando no ar-condicionado por acaso? Deixa mais frio isso aí!
Você acha que me saí bem? — perguntou Cobain.
Claro, mas vê se conta mais detalhes sórdidos, para apimentar a entrevista. Aliás, acho que aquela minha assistente de palco ali está de olho em você.
— Eu sei, já combinei uma volta com ela assim que sair do teu programa.
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31 de março de 2010

Doze de Março

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Por Eduardo Cardoso de Oliveira*

Há um ano estávamos de férias, viajando pelo litoral catarinense e serra gaúcha. Voltamos embora antes do previsto, por dois motivos: a possível falta de dinheiro e uma doença que o João Paulo pegou. O piá precisou ficar internado por três dias. Segundo o médico que o atendeu, o problema de saúde era conhecido – não por mim – e atendia pelo modesto nome de mononucleose. Ser acometido de doenças pouco habituais é um hobby do Nanico.

Piá (LF), você está ficando velho! Lembro do longínquo e pré-histórico tempo no qual você fazia jornais caseiros sobre vídeogame, séries de TV e assuntos ligados a uma infância muito bem aproveitada, exceto pelo fato de trabalhar todo final de semana por copos de Coca-Cola e alguns pacotes de salgadinho. Carregávamos tijolos de um lado para o outro e vice-versa, cortávamos grama, pintávamos cerca, capinávamos as ervas-daninhas que antigamente cresciam junto ao meio-fio e hoje não crescem mais, arrancávamos matos da grama com uma faquinha, à tarde, sob sol escaldante, buscávamos água ná "vó" todo dia... você até inventou uma música: "escravos de Jó, buscam água lá na "vó". Na vó também buscávamos lenha, levávamos as sujeitas que sobravam dos serviços. O local de despejo dos entulhos: "buração". Bizarro!

Antes de voltar de viagem, conhecemos os cânions em Cambará do Sul (RS). "A melhor parte da viagem", frase sua a qual eu concordo. Outro município da serra gaúcha que passeamos foi a charmosa Gramado, cidade de muitas cafeterias, chocolaterias, parque e outros pontos turísticos que encantam pelo cuidado e zelo. Tudo parece estar no lugar certo, na hora certa, na temperatura certa e com a cor certa. Em Canela, cidade vizinha e sem o aspecto europeu de Gramado, conhecemos museus – um do chocolate e o outro ligado à evolução no processo produtivo. Também fomos ao parque da cachoeira do Caracol, onde cansamos de tanto descer escadas e nos arrastamos para subi-las na volta. Para que não digas que esqueci, conhecemos também a Catedral de Pedra, uma bela igreja!

A idade está chegando. Hoje (12 de março) completas 29 anos, quase um balzaquiano. No tempo que não sabíamos o que era computador, internet, televisão com controle remoto – o pai na época não conhecia os dois primeiros, mas já sabia o que era TV com controle remoto –, brincávamos de béts, descida de "canoa" no morro, corrida de barquinho (gravetos) no rio, exterminador do futuro, mãe-bola, futebol, bicicleta, Atari.

Costumávamos tomar sorvete na Dona Lila, segundo ela, fabricado no Nono Balin. Até hoje tenho minhas dúvidas. Íamos à aula caminhando, desde o dia que quebrou a Kombi próximo à casa do Seu Guilherme (que blusa grossa...), e para a mãe isso aconteceu quando você estava na oitava série. Eu ainda acho que você estava na segunda do primário e sua professora era a falecida Maria Helena Camuzatto. Você sabe que ela morreu né? Bateu um Kadett na rodovia entre Pato Branco e Mariópolis, mas isso já tem mais de dez anos.

O passeio pelo litoral catarinense foi nas cidades de Florianópolis, Balneário Camboriú, Bombinhas e Penha. Em Floripa, fomos fazer uma visita muito rápida para a Cristina e família, estilo médico do SUS. Almoçamos e só. Mais rápido ainda foi o passeio em Balneário Camboriú: apenas uma noite e na mais badalada praia catarinense. Na terra do Joce, Bombinhas, estivemos por dois dias. A cidade é linda, cheia de encantos naturais. O Marcos esteve lá esses dias. Falou que todos mandaram um abraço para nós.

Em Penha, há exatamente um ano, visitamos o maior parque temático do Brasil. Era teu aniversário. Estavas completando 28 anos e por isso não pagou a entrada. Chegamos em 11 de março, fazia seis anos que você não via o mar de perto, em terra. Foi legal estar em Penha. Logo na chegada avistamos a enorme Fire Whip, montanha-russa assustadora por fora e alucinante para quem embarca. Da nossa pousada era possível ver ela, ver o parque, ver a maçaneta da porta de entrada do parque, só não era perto o suficiente para ouvir o ronco dos leões dormindo à noite, mas da pousada podíamos ouvir as ondas do mar quebrando na praia.

Enfim, nossa viagem ano passado foi excelente. Foram as melhores férias que já tive, a que mais aproveitei e só não foi perfeita pela falta de pessoas que amamos. Elas não puderam ir! Apesar de ser muito jovem, você tem uma incrível história de vida a contar. E suas palavras escritas fazem isso muito bem. És o Pelé dos textos. És um gênio na escrita como Michael Jordan foi no basquete, como Schummy foi nas pistas, como Da Vinci foi nas artes, como Newton e Einstein na ciência, como a mãe é cozinhando.

Agora com 29 anos, muita coisa vai mudar. Vais morar em uma cobertura duplex do Monet e o melhor, dividir o apartamento com o João Paulo “Pebinha”. Ele fará muita falta aqui em Pato Branco. Fará falta em casa como você ainda faz, mas a ida dele tem um propósito nobre. Ele tem tudo para trilhar um caminho de sucesso como você já fez e ainda fará muito mais. Gostaria de escrever mais e melhor, mas as minhas palavras não são adestradas tanto quanto as suas. Parabéns por mais um ano de vida. Que Deus continue te abençoando.

* Eduardo é funcionário concursado da Copel e irmão do meio de LF (este, do blog) e de JP Pebinha, como ele bem diz. É modesto quando diz não lidar bem com as palavras e, com elas, deixou o autor do blog emocionado.
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11 de março de 2010

"Orfeu e Violeta", a melhor segundo os jornalistas

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O romance "mais que relâmpago" entre um jovem de Pato Branco e uma bela moça de Realeza, que se encontram em um ônibus a caminho de Maringá, foi eleito como o melhor texto do Blog do LF pelos jornalistas. "Orfeu e Violeta" obteve 39,5 pontos de 40 possíveis. Anteriormente, a história já havia sido eleita a melhor na opinião dos leitores.

A votação tanto dos leitores, num primeiro momento, e agora dos jornalistas compõe um processo de escolha das 12 melhores crônicas do LF, dentre 17 finalistas – publicadas até a data limite de 18 de setembro de 2009. O resultado será divulgado em postagem futura (e em breve), com detalhes sobre o "livreto" artesanal que contará com essas 12 mais bem avaliadas.

Cinco jornalistas foram convidados a votar, quatro marcaram presença e deixaram sua opinião – dando nota máxima (10) para a melhor entre 17 crônicas e nota mínima (5) para a pior, com pontuação intermediária para as demais. Votaram a editora Elaine Utsunomiya e os repórteres Vinícius Carvalho, Juliana Daibert e Thiago Ramari, todos de O Diário do Norte do Paraná (assim como o autor).
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8 de março de 2010

Sr. 'João sem braço'

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No processo de locação de um apartamento, a informação de que faltava um documento me levou à Associação Comercial e Empresarial de Maringá (Acim). Precisava do SCPC Imobiliário, documento cobrado pelas imobiliárias e que serve para o locatário comprovar que é bom pagador e que tem o nome limpo na praça. Fui à Acim e apanhei a senha: número 67... antes de prosseguir, tenho de dizer que o relato a seguir é baseado em uma boa e uma má notícia.

Vamos começar pela notícia ruim: a fila era "quilométrica". Ainda não haviam chamado a senha 55, todos os assentos estavam ocupados e, pior, pelo excesso de gente o ar-condicionado não dava conta de refrescar o ambiente. Dedici que o melhor era esperar no shopping em frente, bebendo um refrescante suco de laranja com graúdas pedras de gelo e lendo a última edição da revista Veja. Bem melhor do que estar na fila e ter de trocar gotas de suor e olhares cansados com desconhecidos.

O retorno se deu com a senha no número 64. Com a desistência dos números 65 e 66, vencidos pelo cansaço, não demorou e fui chamado. — Vai custar "tanto" — disse a atendente, antes mesmo de fazer a consulta do CPF no sistema. Talvez quisesse se certificar de que eu teria a grana. "Está certo", pensei, não ficaria irritado por aquilo. Irritado fiquei foi com um senhor, que adentrou na sala de atendimento, furando uma fila quilométrica e se fazendo de desentendido. Um genuíno "João sem braço".

O senhor poderia aguardar lá fora que lhe atendo assim que seu número for chamado — disse a atendente, com tolerante simpatia. — Blá, blá, blá, blá... etc — respondeu "João sem braço", de maneira que não consegui compreender nada do que ele dizia. Se passar por velho "gagá" deve ser a última técnica de como furar fila, até porque a atendente rapidamente desistiu de insistir para que ele aguardasse do lado de fora. Devia ter 60 anos, porém, na fila havia três ou quatro com mais idade que ele... e com mais educação também.

Tem um ditado bíblico que diz que as pessoas próximas são as que mais nos desapontam — disse o fura-fila, ao notar que eu o observava com olhar de reprovação.

É possível que ele tenha aceitado ser fiador de alguém da família que, ao que parece há pouco tempo, passou-lhe a perna. Contudo, nunca ouvi ou li tal ditado bíblico. O que sei, da bíblia, é que devemos agir com honestidade até nos mínimos detalhes. É de prática ilícitas de pequena monta que nascem os corruptos, os ladrões, os maus pagadores. O "João sem braço" reclamava de alguém que não agiu corretamente com ele, mas e ele: agiu como homem de bem com todos aqueles que, respeitosamente, esperaram sua vez na fila?

Tal como aquele senhor, o mundo está repleto de pessoas com desvios morais e éticos que sabem (e citam) a bíblia de "trás para frente, decor e salteado" – aí sim, um ditado de verdade. Não disse àquele senhor uma única palavra. Nem foi preciso, um olhar às vezes também vale por mil palavras. O fura-fila esperou "sua vez", na sala, e eu tomei o rumo da imobiliária.

A boa notícia é que o setor jurídico da imobiliária aprovou a locação do imóvel que escolhi. Trata-se de um apartamento situado a cinco quadras do jornal, com dois quartos, cozinha, dois ambientes de sala, vaga de garagem e cobertura com churrasqueira. Melhor que isso, dividirei o apartamento com meu irmão mais novo que, assim como o autor desta crônica, trocou Pato Branco por Maringá sem medo de ser feliz.
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25 de fevereiro de 2010

Quando Tomé conversou com Deus

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A solidão bateu à porta e não esperou ser atendida, entrou sem convite. Veio como o peso de um fardo difícil de carregar e tinha o sabor de tristeza. Poucas vezes Tomé havia se sentido triste como naquela chuvosa noite de sexta-feira. Ele reparava pela janela de seu chalé e pelo som no telhado: hora chovia, hora nevava – o som da chuva e o silêncio da neve são inconfundíveis. Nunca antes tinha se sentido tão só.

O vivido cidadão do mundo não sabia o real motivo daquele sentimento, apenas se sentia só, e triste. Era como se, numa guerra, toda sua tropa tivesse morrido sob fogo inimigo e ele, sozinho, encarasse o árduo desafio de voltar para casa, ensanguentado, mas com vida. Deitou-se e não conseguir dormir. O relógio despertador apontava meia-noite e, na cama, tinha a companhia de uma bela mulher. Adormecida, ela não tinha como perceber a angústia nos olhos e no respirar ofegante de Tomé, não podia fazer nada por ele. Só Deus poderia.

Deus, por pressuposto, estaria mais ocupado com os grandes problemas da humanidade, como a fome, a ganância, a corrupção, o ódio, a falta de fé e de moral. E se Deus estava ocupado, era melhor beber algo a orar. Levantou-se. Não fazia muito frio, mesmo assim pôs calça e camisa de manga comprida.

O relógio de parede apontava zero hora e 15 minutos. "Por que quando as coisas não vão bem a hora não passa", questionou-se. Do armário, sacou a melhor de suas garrafas de vinho. Ligou o computador, o televisor e o aparelho de DVD, apanhou uma revista, encheu a taça. Não navegou na internet nem assistiu ao filme escolhido nem leu qualquer coisa. Brindou consigo mesmo, duas, três taças, enquanto pensava na vida e nos dias que estariam por vir.

Entre um gole e outro... bem, muitos goles depois, Tomé lembrou-se de algo estranho que ocorrera em um culto, em sua primeira ida à igreja no ano. Tomé, bem como seu xará bíblico, era um homem desconfiado e gostava de um ditado por ele mesmo inventado: "Não confie cegamente em nenhum líder religioso, mas leia mais a bíblia". Por isso: bebia vinho; também por isso: não dizia amém para qualquer profecia. Certa vez, ouviu de uma "irmã" da igreja: "Deus me revelou, em sonho, você casado com fulana de tal". Tomé respondeu: "Então peça pra Deus lhe mostrar direito, porque a mim, que seria o mais interessado, Ele não disse nada". Outra vez, ouviu: "Crente de verdade não bebe". E respondeu: "Ah é, então por que Jesus transformou água em vinho e não em suco de maracujá?"

Contudo, o que ocorrera naquele culto, um mês antes, tinha sido diferente. E pensar naquilo, enquanto degustava sem pressa o bom vinho, trazia paz ao coração ansioso de Tomé. Na ocasião, o pastor estava viajando e, no púlpito, uma desconhecia levava a mensagem de fé. Bradava "aleluias", citava decor trechos do Livro Sagrado, falava em bênçãos, etc. Nada diferente do que Tomé, de família protestante, que crescera na Igreja Metodista, já não tivesse visto e ouvido centenas de vezes. Daquela pregação, ele não se recordava de uma única palavra. Enquanto a prepadora falava, Tomé lia trechos da bíblia e, em seu íntimo, conversava com Deus.

Senhor, quando é que tu vais falar comigo? Não aguento mais esta ansiedade — dizia, em oração, sem convicção alguma de que Deus iria ouvi-lo. — Queria saber se devo ficar ou ir embora — pensava Tomé, descontente com os rumos de sua profissão. Era da opinião de que o mundo é grande e interessante demais para um homem passar a vida toda numa mesma cidade, no mesmo trabalho, no mesmo fuso horário.

O telefone tocou. Eram os pais de Tomé, do outro lado do Atlântico, querendo saber notícias do tipo: "está precisando de dinheiro?", da parte de pai; "está se alimentando bem?", da parte de mãe. Há anos havia deixado sua cidade natal e a distância de seus pais e irmãos, e os longos meses sem vê-los, contribuíam em muito para aqueles momentos de angústia e solidão. Despediu-se dos pais, mandou abraços aos irmãos, "calibrou" outra taça de vinho para, então, retomar a reflexão do ponto onde havia parado.

Cansei de ouvir profecias vãs. Queria que Você falasse comigo — disse, em pensamento, de modo que apenas Deus pudesse escutar, caso não estivesse ocupado com afazeres mais importantes. Percebeu todos com os olhos fechados e que o culto estava na oração final, prestes a terminar. Ao dizer amém, como de praxe, foi surpreendido.

Você, de óculos – disse a mulher que levou a Palavra naquela noite. – Sim, você mesmo. Deus está te dizendo que não esqueceu de você – a essa altura, Tomé já estava estático, com os olhos fitos naquela senhora, quase como se estivesse hipnotizado. Ainda era cedo para crer, queria ouvir o que ela tinha a dizer.

Como assim, fui eu que me esqueci de ti. Fazia tempo que não vinha à igreja – retrucou Tomé, em diálogo que se passou em pensamento. – Qualquer um aqui tem te buscado mais do que eu, Tu sabes disso

Você se mantém humilde – prosseguiu a mulher, com a profecia. — Deus tem algo grande preparado pra ti este ano. É algo que você deseja muito e que fará bem às pessoas que te cercam. E quando vai ser? — perguntou Tomé, no silêncio de sua mente.

Tua benção será revelada ainda neste semestre. Eu sei até o mês e o dia, mas não vou te contar — quase sem piscar, Tomé ainda ouviu: — Você tem sido fiel. Não consigo descrever quanto amor Deus sente por ti.

Senhor, lembra quando o apóstolo Paulo disse ser o maior dos pecadores. Garanto que ele não teria dito aquilo depois de me conhecer.

Deus conhece teu coração e sabe os pensamentos daqueles que te cercam — prosseguiu a mulher. — Muitas pessoas sentem inveja de ti, mas te garanto que inveja alguma vai te atrapalhar.

Depois daquilo, os dias de Tomé não foram os mesmos. Nem todo mundo está preparado para o sobrenatural. Gente como Pedro, João, Paulo, talvez, Tomé não. Em noites seguintes, teve sonhos que se repetiam. Eram bons e o advertiam para algo que estaria por vir... e que viria logo. Ao refletir sobre a promessa de bênção, percebeu que o peso da solidão havia partido sem se despedir.

Duas horas mais tarde e uma garrafa de vinho a menos para contar história, teve sono. Fez uma oração, afinal, lembrar da profecia havia feito bem a Tomé, e conseguiu dormir. Despertou cinco horas mais tarde, com o barulho da namorada, que preparava o café. Levantou, com a cabeça pesada do vinho, e não tocou no assunto. Na noite anterior, por fé tinha certeza, Deus havia largado seus afazeres para estar com ele e espantar a solidão. Estava feliz e, bem-disposto, degustava um bauru de forma com cappuccino, já pensando na neve que tinha de remover da calçada.
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