21 de abril de 2009

Sensação na calada da noite

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O que Sensação faz quando está acompanhada, entre quatro paredes, ninguém fica sabendo - a não ser que a companhia seja de uma turma de amigos. Na véspera do feriado, certa altura da madrugada, o porteiro bateu à porta para avisar que alguns vizinhos estavam reclamando dos decibéis acima da conta. A sexta-feira, todos ali sabiam, era santa, mas ninguém disse que precisava ser silenciosa.

A protagonista da vez é uma mulher bem resolvida. Pouco mais de 30 anos, morena de pele clara, alta e magra, Sensação tem um bom emprego, carro e apartamento próprio, enfim, paga suas contas. Não é casada e, dizem os amigos, melhor que seja assim - do contrário, temem perder uma grande companhia. Enquanto ela não engata um namoro firme, aproveita a vida de solteira para receber em sua ultra-bem-ajeitada residência os amigos e amigas mais "vips" (como ela bem diz).

A primeira a chegar foi Diliça, a autoestima em pessoa, que surgiu acompanhada de Fanta Uva e Mortal. Ele trouxe vinho e Fanta Uva, uma fome de leão. Platini e sua noiva Rafaella também não demoraram a chegar, com um engradado de cerveja e dois pacotinhos de amendoim. "Convidei o Zidane, será que ligo para ele", questionou Sensação, pouco antes da meia-noite, toda preocupada com uma possível ausência do "craque francês". Diliça e Mortal se olharam, numa fração telepática de segundo, como se tivessem em mente a mesma sentença: "quanto interesse no Zidane, aí tem coisa hein".

Zidane surgiu, mais careca do que nunca, porém, com a mesma boa forma dos tempos de Copa do Mundo. Certamente, ganhou alguns pontinhos com a anfitriã da noite. Sensação é uma mulher doce, de lida fácil, mas tende a sofrer alterações bruscas de humor quando seus amigos aceitam o convite e, depois, não comparecem. Foi o caso de OFFíssima, O Cara e Lois Lane. Esta, do alto de sua aguçada esperteza, enviou uma suculenta torta salgada para compensar a ausência e, assim, garantir mais alguns anos de vida. OFFíssima e O Cara agendaram outros compromissos e, infelizmente, a uma altura dessas já devem ter perdido o pescoço.

No calar da noite, o apartamento de Sensação era um alto-falante. Diliça dizia que precisava encontrar o botão do volume de Mortal e Platini, mas era ela quem tagarelava mais alto. Bebendo vinho ou cerveja, comendo amendoim ou torta, todos riam, todos falavam, todos contavam um causo engraçado, todos choravam (claro, de tanto rir).

Já pelas tantas da madrugada, Platini, o exagero-man em pessoa, relatava algumas de suas mirabolantes histórias, quase todas desmentidas ou diminuídas por Rafaella. Verdade ou mentira, ele garantia à galera gargalhadas de fazer faltar fôlego. Platini não é o cara, mas, quatro garrafas de vinho depois, todos o achavam o mais divertido, todos precisavam respirar fundo ao fim de cada "piada".

O ápice do show amador de humor ainda estava por vir. Não se sabe por que, Sensação resolveu mostrar ao pessoal um presente indiscreto que havia ganhado dias antes: uma caixa de bombons proveniente de um sex shop. O único chocolate que sobrara na caixa foi, num piscar de olhos, arrebatado por Platini. De repente, estava ele com o pinto de chocolate na mão, todo faceiro, apontando o "trubisco" para Zidane. Aí sim, faltou fôlego.

Sem sucesso, Rafaella insistia: "larga esse negócio aí". Platini segurava o "negócio" como ser fosse uma pistola, bem mirada contra Zidane, que por sua vez disfarçava o sorriso - não queria que percebessem que estava gostando da cena. Mortal procurava, urgentemente, uma máquina fotográfica para registrar o momento. Diliça foi flagrada pelas lentes de tal modo que seu pensamento parecia legendado: "esse eu pegava!". Sensação e Fanta Uva se esforçavam, em vão, para conter a barulheira generalizada.

Já era passado das 4 horas quando, com alguma insistência, Platini se decidiu pelo desarmamento. E só o fez porque a pistola começara a se derreter na mão dele. Isso tudo, e muito mais, ficou documentado em fotos, para a posteridade, para que os netos de cada um possam ver - muito lá no futuro - o quanto bacanas eram seus avós. Pena que as imagens, que dizem valer por mil palavras, não consigam guardar o som daquelas boas e intermináveis risadas. Todos se divertiram muito, exceto os vizinhos.


10 de abril de 2009

Do que as mulheres gostam (na lotérica)

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A habilidade de ler pensamentos não é ficcão, é real, aconteceu comigo esta semana. A pessoa que teve sua mente escaneada por mim, numa fração de segundo, percebeu a façanha - e ficou encabulada, tentou disfarçar. Ora, se o pensamento é tão secreto assim (e eu acreditava ser, até então), por que a pessoa ficou sem jeito? Vou relatar como tudo aconteceu.

Foi por acaso, num momento de estresse e ansiedade. A fila da casa lotérica da atendente de cabelos tipo Barbie, num meio dia de calor fora do normal, não andava. Dos dois caixas, um deles dava o atendimento preferencial aos idosos, que pelo visto tinham revolvido pagar a conta de luz todos eles naquele dia, naquele horário. No outro guichê, a fila sumia para fora do estabelecimento.

Já vegetava na fila há meia hora e ainda faltavam quatro pessoas para serem atendidas, antes de mim. Engolia seco de raiva pelo tempo perdido, torcendo para os números que anotei num dos jogos da loteria, enquanto derretia de calor, serem sorteados no final do dia. Aí, certamente, não teria mais de encarar novamente uma "bicha" (como se chama "fila" em Portugal) daquelas. Enquanto imaginava o que faria com os milhões (um ar-condicionado em casa seria prioridade), observava os demais "vegetais", que também deviam fazer planos para o caso de se tornarem milionários.

Uma mulher e um homem, em especial, despertaram minha atenção. E passei a observá-los num período de tempo que não durou dois minutos. Ela, magra, aparência de 45 anos, bem cuidada, não aparentava ser uma mulher de posses. Não tinha aliança nos dedos. Ele, um senhor descendente de japoneses, septuagenário, que fazia tudo em câmera lenta, estofava a carteira com uma boa grana sacada no guichê. Também não tinha aliança nos dedos.

A carteira ele pôs no bolso de trás, o comprovante de pagamento preferiu guardar na barriga. Desabotoou a camisa, enfiou para dentro os papéis, fechou novamente o botão e ajeitou a camisa dentro da calça preta, de modo a encobrir o cinto. Com passos curtos e sem pressa, o aposentado-japonês-cheio-da-grana (leia-se com hífens como força de expressão) deixou a lotéria observado atentamente pela quarentona bem cuidada.

Não foi uma olhada qualquer. Ela secou o velhinho, torceu o pescoço para vê-lo como se ela fosse um homem tarado e ele a Juliana Paes, de biquíni. Profundamente envolvido com a cena que presenciava, ali estático, consegui ler pela primeira vez a mente de alguém. Era como se o pensamento da mulher fosse sussurrado em meus ouvidos, numa frequencia bem sintonizada.

"Um velinho desse, cheio da grana, eu aguentava", pensou a mulher, possivelmente avaliando a boa vida que teria assim que ficasse viúva - o que, por pressuposto, não demoraria muito. Ainda com os olhos arregalados pelo interesse, ela percebeu estar sendo observada por mim. Ficou sem jeito de repente, a pele de seu rosto ficou levemente avermelhada, como se tivesse dito em voz alta o que pensara instantes antes, e depois se arrependido. Ela soube que seu pensamento havia sido invadido por um estranho, justamente num momento delicado.

Não é errado uma pessoa ter ambições. Talvez ela tenha trabalhado uma vida toda apenas para pagar contas e, na reta final de seu estoque de juventide, estava disposta a qualquer coisa para garantir o futuro. Contudo, ela, eu e a torcida do Flamengo sabemos que socialmente, ainda hoje, o interesse por alguém mais velho, por causa do dinheiro desse alguém, não pega bem. E a ajeitada quarentona pagou suas contas e foi embora, evitando olhar em minha direção.

Ter o poder de ler pensamentos, tal como tinha o personagem de Mel Gibson no filme "Do que as mulheres gostam", seria algo fantástico. Ainda pasmo pela convicção de ter lido um único pensamento alheio, num centésimo de segundo, paguei as taxas de água e luz e rumei para o jornal, já sem estresse algum. Agora eu sei, ler pensamentos faz bem à saúde.
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3 de abril de 2009

O Pólo Norte, o bilhete e o fim das férias

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Pelo posicionamento dos dois aparelhos de ar-condicionado, minha mesa fica no ponto mais frio da redação de O Diário do Norte do Paraná. Por isso, batizei meu posto operacional de "Pólo Norte".

Ainda antes de sair para as melhores férias da eternidade, aproveitadas em março, dei uma ajeitada no Pólo Norte. Deixei a mesa limpa como nunca, cheirando a álcool, para o caso de algum colega precisar de meu computador. Ninguém precisou dele, mas uma repórter-vizinha me relatou que, certa vez, outra repórter-vizinha utilizou meu telefone.

Antes de viajar, deixei três bilhetes desses que os jornalistas costumam colar nos monitores. Num deles, para quem se interessasse em ler, escrevi em vermelho: "...logo, logo volto do litoral de SC, da Serra Gaúcha e de Pato Branco, claro!" A colega que precisou ligar de minha mesa leu o bilhete, e respondeu.

Ao retornar, em 1° de abril, estava o mesmo bilhete, no mesmo local, com dizeres acrescentados a lápis: "volta logo... você está fazendo falta. Beijos".

Que bom saber que alguém encarou o Pólo Norte em minhas férias, que bom voltar e saber do apreço de alguns colegas de profissão pela minha pessoa. É impressionante como pequenos gestos têm a capacidade de gerar alegria, felicidade. As palavras da colega, as quais não pude agradecer por estar ela de férias, foram como um combustível de ânimo no retorno ao trabalho.

Estava com saudade da redação, dos telefones tocando, dos "tec-tecs" nos teclados, do ritmo agitado regado a cafezinho, das discussões com os colegas... Pode parecer insano, mas estava com saudade do trabalho. "Se meu hobby é escrever, não tenho direito de reclamar do que faço para ganhar a vida", pensei, nos primeiros minutos na volta à redação.

Agora, vamos ver se tiro proveito do hobby para atualizar este tímido blog. Na viagem que fiz com meu irmão do meio - mais de 2 mil quilômetros rodados em sete dias - parei no terceiro dia. Dei uns dias de férias ao Blog do LF, mas vou relatar daqui para frente o restante daquela viagem. Começo, meio e fim.

Convido os amigos a lerem o blog. Agradeço os leitores pelas postagens e a chefia do jornal pela aposta em mim. É por isso que sigo postando de Maringá, a mais encantadora cidade do Paraná.

Clique na foto para ampliar (e observe a "placa" mencionando o "Pólo Norte").
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