"Não existe Camila, Vanessa e Graziela feias". Dia desses experimentei incluir essa "sentença" nas redes sociais e na mensagem de apresentação do MSN. Pra quê! Amigas, algumas conhecidas e até uma ex-paquera, todas donas de nomes diferentes desses acima citados, surgiram para tirar satisfação – como se as tivesse chamado de feias, o que não ocorreu. "Vanessa é nome de mulher dada", disse uma das reclamantes. "Conheço várias Camilas barangas", disse outra. A vaidade em excesso é como misturar manga com leite: a gente sabe que não mata, mas ainda assim tem medo.
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Vanessa Hudgens |
Dicionário à parte, não conheço uma mulher sequer, nascida de 1980 para cá, que possua um desses três nomes e sirva de feia. Bem pelo contrário, são todas capazes de arrancar assobios do peão de obra mais exigente. Nenhuma faria feio se precisasse interpretar a cena em que Marilyn Monroe – sobre um exaustor, tentando cobrir com seu esvoaçante vestido branco a gostosura de suas coxas – personificou o glamour de Hollywood e levou muitos marmanjos da época a pensamentos ousados. Tenho um relógio de parede de Marilyn não é por acaso.
Não estou a falar de celebridades do meio artístico, como a gatinha da Disney Vanessa Hudgens ou das estonteantes atrizes globais Camila Pitanga e Grazi Massafera. Falo de mulheres normais, capazes de aceitar um vinho a dois com meros mortais como este autor.
Lembro de minha ex-vizinha Graziela como se fosse hoje. Na segunda metade da década de 90, cursávamos o 2º grau técnico do Cefet de Pato Branco. Entre meus colegas de Eletrônica havia o consenso de que a garota mais gostosa era a Grazi da Eletromecânica. Para um bando de garotos virgens e espinhentos, os peitões dela eram um mar sem fim de pensamentos "pecaminosos". O "risco inferno" só não assustava porque a professora de biologia insistia que pensar em sexo não era pecado, era testosterona. Sábia professora.
Para meu deleite, a Grazi da Eletromecânica passava diariamente em frente à casa de meus pais, rumo ao apartamento dela. Dia sim dia não, aparecia na padaria comprar um pão caseiro de cenoura. Meu pai havia montado o negócio e me escalado para cuidar do caixa no período da manhã. Era ótimo em calcular troco, mas na presença das curvas bem esculpidas daquela adolescente nem calculadora científica ajudava. Para meus colegas de Eletrônica eu tinha o dever moral de convidá-la para sair. Era difícil. Perguntas sobre o tempo eram as únicas que me ocorriam na presença dela.
— Cla-claro que sim — respondi de imediato, com a voz trêmula, já pensando em como convencer meu pai de que fazia sentido trocar o ônibus, mais em conta, por um lugar ao lado (dos peitos) da Grazi, na van.
A salvação veio de um abençoado colega de Eletrônica, que descobriu que o dono da van era amigo de longa data de meu pai. Negócio fechado. Grazi era a beleza que inspirava poesia, a ponto de causar raiva em meninas da mesma idade. Só o fato de ir ao colégio ao lado dela rendia a mim pontos de popularidade junto aos colegas. O que faltava era coragem para vencer o iceberg no estômago, convidá-la para sair e, quiçá, apresentar meus lábios a todos os dela. Não tive coragem nem tempo. Duas semanas mais tarde, Grazi passou a namorar um cara habilitado e a ir ao colégio, com ele, de carro. Um moleque, aos 16 anos, não é ninguém; nem carta para dirigir tem.
Sim, Grazielas normais também causam dor de cotovelo.
Perdi a conta de quantas Vanessas conheci na vida. Todas tinham como ponto forte uma sensualidade ímpar, um ar de femme fatale capaz de despertar o interesse até dos homens mais efeminados. Uma das professoras de inglês dos tempos de Cefet, uma jovem estagiária, chamava-se Vanessa. Era baixinha, mas tinha curvas alucinantes. As professoras mais experientes não gostavam dela e nem é preciso explicar o porquê. Evandro, o colega mais velho e experiente, um tipo alemão de 1,90 metros, filho do dono da funerária, traçou a "profe" Vanessa, contou todos os detalhes e virou ídolo da turma.
Dois anos mais tarde, no final da década de 90, eu cursava inglês na escola de idiomas CCAA e paquerava ("ficava", nos dicionários mais atuais) uma guria bonita, mas cheia de não-me-toques, chamada Maria. Isso até trocá-la por uma garota da turma da manhã. Vanessa tinha cabelos cacheados, cinturinha fina e sempre usava tênis All Star. Sucumbi ao "How are you pretty boy?" dela. Maria era biblicamente certinha demais para meu gosto e, fora esse detalhe, aprender outra língua – em mais de um sentido da palavra – foi de fato uma boa ideia.
Sim, Vanessas normais também causam dor de cotovelo.
Mulheres que se chamam Camila sempre me pareceram as mais difíceis. Devo ter comigo, in-fe-liz-men-te (e a divisão silábica é para dar sentimento), algum tipo de repelente contra Camilas. A primeira lembrança de uma delas vem dos tempos de primário, da turma da 2ª série, da professora querida que morreu anos mais tarde em um acidente de trânsito, da coleguinha de olhos claros, cabelos dourados e jeito delicado que se chamava Camila. Creio que o guarda-chuva de chocolate que levei mochila para ela – e ela recusou – tenha sido o primeiro fora de minha existência.
Bem dito. Foi o primeiro fora, não o único. Vinte e tantos anos depois, na cafeteria preferida, peguei-me observando a jovem barista, que sem fugir da intensa troca de olhares presenteou-me com apaixonante sorriso. Qual viciado em cafeína não gostaria de ter uma namorada que, além de bela, soubesse preparar mais de 20 tipos de cafés especiais? Era motivação demais para ficar parado. Saquei uma caneta do bolso, escrevi um bilhete para a barista e chamei a garçonete.
— Pedi um expresso carioca faz 15 minutos, acho que esqueceram.
— Mil desculpas senhor — respondeu a atendente.
— Ah, não esquenta. Se puder aproveita e entrega esse bilhete para a moça que prepara os cafés especiais.
— Quem, a Camila? — pergunta que soou divinamente bem. Tão perfeita aos olhos de um louco por café, só poderia se chamar Camila.
No bilhete: elogio à beleza dela, menção à troca de olhares de minutos antes e relato da admiração por quem domina a arte de preparar a melhor das bebidas. O endereço de MSN foi junto, para caso ela, não sendo comprometida, pudesse corresponder. De longe, notei alegria nas expressões faciais da barista, ao ler a cartinha, e vaidade reprimida da parte das colegas de trabalho dela, chateadas com a paquera alheia. De casa, aguardei contato via MSN, o que nunca aconteceu.
Era de se esperar: Camilas costumam ser difíceis e, claro, também causam dor de cotovelo.
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