Quando Luke chegou à choperia preferida de oito entre dez solteiros de Maringá, com 30 minutos de atraso em relação ao combinado, os amigos Lelo e Rita já se encaminhavam para a segunda rodada: ele de chope e ela, de conhaque. Ela o de sempre e ele, nem tanto. Nos dois últimos encontros Lelo havia preterido álcool por um suco de morango com leite.
— Cadê a namorada Luke? — perguntou Rita. — Pensei que fosse nos apresentar ela hoje.
— Ela está na faculdade, mas não faltarão oportunidades — respondeu o atrasado.
— Sei brother! É a quinta vez que você diz isso. Tua namorada está que nem o Bin Laden, a gente sempre ouve falar, mas nunca ninguém viu — brincou Lelo. Sorrindo, os três e brindaram a muitos outros happy hours juntos.
A choperia estava praticamente lotada, algo incomum para uma quarta-feira de fim de mês, quando boa parte dos trabalhadores já tinha torrado o salário do mês pagando contas. Uma mesa, em especial, despertou a atenção dos dois rapazes. Duas moças, uma loira gordinha (no diminutivo para ser simpático) e uma morena de corpo escultural pareciam aguardar a chegada de seus pares. O som ambiente, com música ao vivo, impossibilitava ouvir o que conversaram.
— Larga mão de ouvir a conversa alheia, Luke — reclamou Rita.
— Que é isso Rita — indagou Lelo. — Pouco antes de o Luke chegar era você que queria saber o que os caras ali da mesa ao fundo falavam.
— E por que Rita iria querer ouvir a conversa deles? — questionou Luke.
— Porque ela acha que o sujeito com gel no cabelo está dando moral pra ela — respondeu Lelo, com a devida entonação no “acha”.
— Ele está me encarando sim — garantiu a amiga de olhos verdes e sorriso maroto.
— Sem chance Rita. Você é linda, só que os caras são gays — avaliou Luke.
Um homem pode não reparar, a julgar pela aparência, quando uma mulher prefere pererecas a sapos, mas costuma acertar com precisão quando outro homem é gay. Na teoria de Luke, isso é possível menos por causa dos trejeitos, mais por conta da nítida falta de interesse deles pelas curvas femininas. Parafraseando o escritor Luis Fernando Verissimo, “Homem que é homem (HQEH)” repara atento um par de coxas e um belo rebolado como se seus olhos dissessem: “gos-to-sa”; homossexual repara os mesmos atributos dizendo em pensamento: “pi-ran-ha”. Ou às vezes: "va-ca o-fe-re-ci-da". Rita desdenhou da teoria.
— Você diz isso, Luke, porque está com ciúmes.
— Está bem, Rita, não está mais aqui quem falou.
Vinte infindáveis minutos depois de feito o pedido, o garçom trouxe a picanha na tábua. Demora de praxe, para forçar a clientela a beber mais. Na mesa ao lado, loira cheinha e morena gatinha ainda aguardavam por seus pares. HQEH, vale lembrar, não deixa mulher esperando.
Luke e Lelo, com muito assunto para pôr em dia, haviam pedido um baldinho de cerveja. Rita, já na ânsia para inflar os pulmões com fumaça, continuava trocando olhares com o sujeito da mesa ao fundo.
— O gostosinho de preto foi lá fora fumar. Vou aproveitar pra puxar conversa com ele — disse Rita.
— Isso não está certo. É ele quem tem dar em cima de você, não o contrário — protestou Lelo.
— Até concordo, mas vou abrir uma exceção. Faz um mês que não faço sexo — respondeu a amiga, num ataque de sinceridade “patrocinado” por três doses de conhaque.
— Deus, por que é que uma coisa dessas nunca acontece comigo? — brincou Luke. — Nunca nenhuma loira louca pra transar deu em cima de mim. Sempre tomei a iniciativa, quase sempre pra levar fora — acrescentou, já com Rita a caminho do encontro com o playboy.
— Deus, porque é que ela não pede minha ajuda para apagar o fogo. Tenho vocação para bombeiro — emendou Lelo, de olho no rebolado.
Da posição onde estavam, Lelo ficava de costas para o flerte e Luke, de frente para o “crime”, narrava o episódio para o amigo:
Cara, ela esqueceu o isqueiro só para ter como puxar conversa com o sujeito de preto / Bah, agora passou a mão no braço dele / Vixi, ele mexeu no cabelo dela, vai ver eu estava errado e ele não é tão gay assim / Opa, o cabeludinho que estava com ele na mesa saiu para fumar também. Estranho / Calma aí, cara, já te digo o que é estranho / Caramba, tu não vais acreditar no que estou vendo...
Luke não conseguiu prosseguir com a narrativa. Embora o esforço para não chamar a atenção dos vizinhos de mesa, engasgou-se num ataque de riso.
— O que houve brother? Diga logo.
— há-há-há...
— Vai, diga lá o que você está vendo.
— Veja com seus próprios olhos.
O cabeludinho e o playboy com topete moldado a gel eram mais “amigos” do que Rita e seu maço de cigarros. O sujeito de preto passou a acariciar os cabelos do companheiro, que retribuiu o carinho ao apalpar o traseiro do “escolhido” de Rita. Ela, visivelmente sem jeito e irritada, dava baforadas sem tirar a bomba de nicotina da boca. A teoria de Luke estava certa.
A dupla assistia de longe ao momento cômico quando, de repente, foi surpreendida pela sinceridade de um pobre andarilho com “bafo de onça”.
— Uma moedinha pra me ajudar, por favor — pediu o maltrapilho.
— Sei, só falta dizer que o dinheiro é para comprar leite para as crianças — resmungou Lelo.
— Não, é para comprar uma cachacinha — respondeu.
Homens são, em sua maioria, seres ambiciosos. Trabalham pelo status, pelo dinheiro e pelo que o status e o dinheiro podem proporcionar. Há quem diga que, na pujante Maringá, mais pelo status do que pelo dinheiro. Com o suor do cartão-ponto se pode beber com os amigos, viajar nas férias, comprar um carro para aumentar as chances de sucesso nas paqueras e, tendo sucesso, levar a namorada para comer... num bom restaurante, claro.
Às vezes, algum vício surge para roubar do homem seus sonhos, o emprego, o carro e, com o cartão de crédito cancelado, até a namorada. Num estágio mais avançado do vício, quando a família se cansa de ajudar e decide dar as costas, resta ao bebum apenas a companhia de seu fiel vira-lata. O único prazer, então, além de fazer "justiça" com as próprias mãos, é a "marvada".
— Bah, quanta sinceridade! — exclamou Luke — Toma aqui um trocado.
— Concordo, isso aqui é pra te ajudar com a cachaça — disse Lelo, contribuindo também com dois reais.
— Deus abençõe vocês — agradeceu o pinguço.
O que vale é a atitude, não o valor da oferta. Leitores da bíblia nas horas (bem) vagas, o católico Lelo e o protestante Luke conheciam aquela passagem em que Jesus valorizara a oferta da senhora pobre, que contribuíra com pouco, mas o fizera de coração. Feliz, o pinguço rumou para algum boteco com seus quatro reais. Chateada, Rita retornou da mal-sucedida paquera, com alguns cigarros a menos no maço. Certamente, o rapaz de preto NÃO daria fim ao período de “seca” dela.
— Agora entendo por que chamam Maringá de Maringay — reclamou Rita.
— Viu só no que dá trocar os amigos aqui por um desconhecido — comentou Lelo, rindo da situação.
— Para o teu governo, Lelo, o casalzinho lá quis saber se você é gay. Parece que eles têm um amigo solteiro — disse Rita.
— E o que você respondeu?
— Disse que você é muito gay, que você está solteiro e que amaria companhia no fim de semana — respondeu Rita.
— Viu só, brother, dá nisso ficar pedindo suco de morango com leite por aí — disse Luke.
Na mesa ao lado, loira e morena partiram sem beber metade das cervejas do balde. Nem sinal de seus pares. Evidente que a morena havia marcado o encontro à moda antiga: “leva um amigo que eu levo uma amiga”. Os pares devem ter desistido do encontro na entrada do bar, ao analisar a amiga loira de uma distância segura:
— Cara, tua mina trouxe para mim aquela loira com o triplo do meu tamanho? Sou muito teu amigo, mas isso é sacanagem — deve ter dito o amigo do "amigo" da morena.
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amei como sempre muito boa
ResponderExcluirAhahahah......E é Maringay mesmo, LF!!!!! Parabéns!!!
ResponderExcluirAdriano Danhoni
Suco de morango com leite é muito gay hahaha. Massa! Crônica engraçada.
ResponderExcluirLucas, Florianópolis.
Melhor de tudo foi ir reconhecendo os personagens! hahaha
ResponderExcluirCurti LF! =)
UAHuhUHAUHuhauhAUH!!!! cada vez melhor!!!
ResponderExcluirbju!
Esta é baseada em fatos reais, mas os protagonistas ainda não deram a cara por aqui. Talvez não tenham curtido.
ResponderExcluirVivo em Boa Vista/RR e, sempre que posso, dou uma pasada no seu blog. Parabéns pelo seu trabalho. Quanto a conto...gay em todo canto.
ResponderExcluirWilson Soler
Caro Soler
ResponderExcluirÉ sempre ótimo receber o feek back dos leitores. Quando o retorno vem da distinta Boa Vista, melhor ainda! Abraços.
LF