27 de novembro de 2009
Na fila do Starbucks
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A Avenida Paulista não é o melhor lugar de São Paulo para fazer compras, para comer ou beber. Se considerado o custo, certamente, não o é. Na avenida mais famosa do Brasil, paga-se pelo ar cosmopolita em um dos metros quadrados mais caros da capital paulista. "Paga-se" pela oportunidade de ver gente diferente, bonita (acima da média da cidade), descolada... e tantos outros adjetivos mais.
– É a maior cidade do mundo. Se me falar que não é a maior, garanto que é a melhor – disse, orguhoso, o dono da lojinha de camisetas com estampas iradas, porém, salgadas. Vale destacar: nada na Paulista é barato.
Quem era eu para discordar de um paulistano nato, doente pelo Corithians e mais ainda pela cidade onde nasceu e onde, confessou-me, quer morrer. Comprei dele uma camiseta, tamanho P, do tipo feminino, com verso de Fernando Pessoa, para uma amiga que faria aniversário por aqueles dias. Andei toda a Paulista, de novo, e no caminho de volta entrei no primeiro shopping que encontrei assim que a chuva engrossou...
No momento das reticências, estava numa cafeteria, escrevendo esta crônica. Dei um fôlego à caneta e interrompi a narrativa para observar uma guria passar. Dessa vez, garanto, foi por um motivo quase antropológico. Cabelos metade negros até a raiz, metade oxigenados até as pontas, esquisitos, mas de uma beleza singular. "Fosse em uma cidade provinciana", pensei, "seria taxada de alguma coisa". Bom, nem é preciso explicar o "alguma coisa" nesse contexto. Mas em São Paulo você tem o direito – mais do que em qualquer outra cidade brasileira – de ser diferente.
Voltei a escrever. Percebi que o café tinha acabado e, para seguir inspirado com as palavras, precisava de mais uma dose. Tinha optado por um expresso Vanilla (café com aroma de baunilha) do Starbucks e, novamente na fila do atendimento, reparava no vai e vem de pessoas, do lado de fora da cafeteria. Observar o comportamento de desconhecidos, que nunca tornarei a ver, aliás, é um de meus hobbies. Pode parecer tolice, mas garanto ser possível aprender muito com isso. Quem faz isso se torna, no mínimo, uma pessoa mais tolerante.
Na fila, estava acompanhado do som de músicas de Natal, da lojinha de presentes logo ao lado, e de uma morena magra, pele clara, cabelos compridos, cerca de 1,65 metros de altura – logo à minha frente, na fila. Não conseguia ver o rosto dela, mas suspeitava que tivesse traços orientais. Estava sozinha; e isso me levou a concluir que poderia puxar conversa com a moça, na primeira oportunidade. O afrodisíaco aroma de café, que tomava conta o ambiente, parecia me dizer: "vai firme que estou contigo".
– Gostei do teu estilo, moderno. Tem companhia para o café? – era o que eu teria dito, se ela ao menos tivesse olhado para trás. O detalhe é que, caso o convite tivesse sido feito, ela não teria entendido nenhuma vírgula.
No atendimento, ela pediu um café do tipo Mocha. A atendente perguntou que tamanho de copo – tall, grande ou venti – e ela não compreendeu. A atendente, então, improvisou no inglês, e nada. Também não me pareceu que a estrangeira entendesse italiano ou alemão, logo, não teria chances com ela. Talvez (e a essa altura já tinha visto o rosto dela) fosse sul coreana. São Paulo, todos sabem, recebe gente de todos os continentes.
A moça apanhou seu Caffè Mocha, suponho que similar ao que ela costumava beber no Starbucks lá na Coreia do Sul, e "sumiu do mapa". Uma pressa de levantar suspeitas. E se ela fosse da China e seus familiares tivessem em débito com a máfia chinesa? Era uma possibilidade. O cronista aqui, por sua vez, tornou a escrever e a beber café. Teria repetido a dose, uma terceira vez, se a loja não estivesse encerrando o expediente.
Na torcida para que a chuva tivesse dado uma trégua – e de dentro do shopping não dá para saber –, tomei o rumo da porta principal, de frente para a Paulista e a alguns metros da estação da Consolação, do metrô. Vi no caminho duas moças se beijando, na praça de alimentação; um sujeito com a cabeça raspada, trajando bermuda xadrez, paletó bege e sapatos da mesma cor, mas sem camisa e sem meias; e uma menina de cabelos cor-de-rosa e roupas a la personagem de mangá japonês. Em São Paulo, "pooooode".
Na saída, a constatação: ao invés de gotas, pareciam cair baldes d'água. Um "toró", como se diz lá em Pato Branco. Poderia pegar o metrô, e me molhar mesmo assim. Poderia esperar a chuva ficar menos intensa, e isso demorar a acontecer. Ou poderia pedir uma sacola plástica na loja mais próxima – para revestir dinheiro, documentos e a camiseta que comprei de presente – e encarar a chuva torrencial. Foi isso que fiz, nos 2,5 quilômetros até o hotel. Na minha última semana em São Paulo, no melhor ano de minha vida, a chuva na Avenida Paulista lavou o corpo, e a alma.
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A Avenida Paulista não é o melhor lugar de São Paulo para fazer compras, para comer ou beber. Se considerado o custo, certamente, não o é. Na avenida mais famosa do Brasil, paga-se pelo ar cosmopolita em um dos metros quadrados mais caros da capital paulista. "Paga-se" pela oportunidade de ver gente diferente, bonita (acima da média da cidade), descolada... e tantos outros adjetivos mais.
– É a maior cidade do mundo. Se me falar que não é a maior, garanto que é a melhor – disse, orguhoso, o dono da lojinha de camisetas com estampas iradas, porém, salgadas. Vale destacar: nada na Paulista é barato.
Quem era eu para discordar de um paulistano nato, doente pelo Corithians e mais ainda pela cidade onde nasceu e onde, confessou-me, quer morrer. Comprei dele uma camiseta, tamanho P, do tipo feminino, com verso de Fernando Pessoa, para uma amiga que faria aniversário por aqueles dias. Andei toda a Paulista, de novo, e no caminho de volta entrei no primeiro shopping que encontrei assim que a chuva engrossou...
No momento das reticências, estava numa cafeteria, escrevendo esta crônica. Dei um fôlego à caneta e interrompi a narrativa para observar uma guria passar. Dessa vez, garanto, foi por um motivo quase antropológico. Cabelos metade negros até a raiz, metade oxigenados até as pontas, esquisitos, mas de uma beleza singular. "Fosse em uma cidade provinciana", pensei, "seria taxada de alguma coisa". Bom, nem é preciso explicar o "alguma coisa" nesse contexto. Mas em São Paulo você tem o direito – mais do que em qualquer outra cidade brasileira – de ser diferente.
Voltei a escrever. Percebi que o café tinha acabado e, para seguir inspirado com as palavras, precisava de mais uma dose. Tinha optado por um expresso Vanilla (café com aroma de baunilha) do Starbucks e, novamente na fila do atendimento, reparava no vai e vem de pessoas, do lado de fora da cafeteria. Observar o comportamento de desconhecidos, que nunca tornarei a ver, aliás, é um de meus hobbies. Pode parecer tolice, mas garanto ser possível aprender muito com isso. Quem faz isso se torna, no mínimo, uma pessoa mais tolerante.
Na fila, estava acompanhado do som de músicas de Natal, da lojinha de presentes logo ao lado, e de uma morena magra, pele clara, cabelos compridos, cerca de 1,65 metros de altura – logo à minha frente, na fila. Não conseguia ver o rosto dela, mas suspeitava que tivesse traços orientais. Estava sozinha; e isso me levou a concluir que poderia puxar conversa com a moça, na primeira oportunidade. O afrodisíaco aroma de café, que tomava conta o ambiente, parecia me dizer: "vai firme que estou contigo".
– Gostei do teu estilo, moderno. Tem companhia para o café? – era o que eu teria dito, se ela ao menos tivesse olhado para trás. O detalhe é que, caso o convite tivesse sido feito, ela não teria entendido nenhuma vírgula.
No atendimento, ela pediu um café do tipo Mocha. A atendente perguntou que tamanho de copo – tall, grande ou venti – e ela não compreendeu. A atendente, então, improvisou no inglês, e nada. Também não me pareceu que a estrangeira entendesse italiano ou alemão, logo, não teria chances com ela. Talvez (e a essa altura já tinha visto o rosto dela) fosse sul coreana. São Paulo, todos sabem, recebe gente de todos os continentes.
A moça apanhou seu Caffè Mocha, suponho que similar ao que ela costumava beber no Starbucks lá na Coreia do Sul, e "sumiu do mapa". Uma pressa de levantar suspeitas. E se ela fosse da China e seus familiares tivessem em débito com a máfia chinesa? Era uma possibilidade. O cronista aqui, por sua vez, tornou a escrever e a beber café. Teria repetido a dose, uma terceira vez, se a loja não estivesse encerrando o expediente.
Na torcida para que a chuva tivesse dado uma trégua – e de dentro do shopping não dá para saber –, tomei o rumo da porta principal, de frente para a Paulista e a alguns metros da estação da Consolação, do metrô. Vi no caminho duas moças se beijando, na praça de alimentação; um sujeito com a cabeça raspada, trajando bermuda xadrez, paletó bege e sapatos da mesma cor, mas sem camisa e sem meias; e uma menina de cabelos cor-de-rosa e roupas a la personagem de mangá japonês. Em São Paulo, "pooooode".
Na saída, a constatação: ao invés de gotas, pareciam cair baldes d'água. Um "toró", como se diz lá em Pato Branco. Poderia pegar o metrô, e me molhar mesmo assim. Poderia esperar a chuva ficar menos intensa, e isso demorar a acontecer. Ou poderia pedir uma sacola plástica na loja mais próxima – para revestir dinheiro, documentos e a camiseta que comprei de presente – e encarar a chuva torrencial. Foi isso que fiz, nos 2,5 quilômetros até o hotel. Na minha última semana em São Paulo, no melhor ano de minha vida, a chuva na Avenida Paulista lavou o corpo, e a alma.
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Olá!! Fiquei um tempo sem postar. confesso. Mas continuo uma leitora fiel. Leio toda as postagens. Acesso todos os dias para ver se tem novidades. Mas o que acontece ultimamente é que o amigo jornalista, blogueiro/cronista de plantão anda se enveredando muito para o lado da mulherada. Como disse alguém em algum comentário, é que o amigo está no cio. Definitivamente eu concordo! Mas há uma atenuante nisso tudo! Nosso amigo tem atitude. isso é raro hoje em dia entre a classe masculina. Ele não deixa a vida passar. Se está a fim de alguém ou de algo, ele corre atrás. Estou aprendendo com ele! Parabéns pela excelente crônica.
ResponderExcluirAndréa Sensação.
primo eu sempre gostei de tomar chuva mas por 2 km é o maximo. e sabe vc devia ter ariscado dizer chaint cheis é algo como um oi bonita mais ou menos isso mas la na china se vc disser isso pode estar dizendo vc é orivel de modo educado ou estar elogiando depende de como vc expressa tuas palavras e ai essa parte eu nao sei
ResponderExcluirA Andréa é leitora assídua do blog, isso eu sei. O que ela não sabe é o quanto me faz falta ler, aqui, os comentários dela. Felizmente, Sensação está de volta! Um pouco exagerada no "enveredando muito para o lado da mulherada", mas está de volta. Seja bem-vinda.
ResponderExcluirOutra sumida é Tais, minha prima, que agora dá novamente o ar da graça. Já te adianto, se ainda tenho dificuldades para falar em alemão, imagina em chinês.
Não iria postar nova crônica até ver aqui algum comentário. Bom recebê-las, porque já tinha duas crônicas arquivadas. Aguardem.
oii!
ResponderExcluirSem dúvidas esta é uma das crônicas mais lindas que já escreveu!
Vc escreve de um jeito profissional, de um jeito que é gostoso ler e ficar esperando pelo que virá!
Acabou o curso, então? Que ele te abra muitas portas para o sucesso!!
Eu não tinha mais passado aqui, aí o Edu comentou desta crônica!
Um grande abraço :)
Cara, eu amo São Paulo. Que saudade que me deu da terra da garoa, ao ler sua crônica. Não que eu tivesse sido um assíduo frequentador da Av. Paulista, até porque me mudei ainda criança de lá. Mas, sei lá, sinto falta da chuva (que é diferente da que cai em Maringá), da possibilidade de ser diferente, do ar, das mil e uma facetas vistas por segundo, das livrarias, do sujo, do concreto, do asfalto, do pulp. Nostalgia total. Forte abraço.
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