1 de dezembro de 2008

Um colega para não se esquecer

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Ocorre-me que o fato a seguir se deu em julho de 2007 (ou época próxima disso). Cinco de uma mesma família, que viajavam espremidos num Fusca, morreram em um trágico acidente em rodovia próximo a Londrina. O então chefe de reportagem de O Diário, Rodrigo Parra, levantou a cabeça, mirou em minha direção e disparou: "vai lá, e não volte sem um bom relato sobre o sentimento de dor daquela família".

A adrenalina disparou. Estava em minha semana probatória - a qual todo repórter de O Diário costuma ser submetido antes de ser contratado -, e temi que aquela matéria colocasse tudo a perder. Era o penúltimo dia no frila de uma semana (depois retornaria a Pato Branco), era o momento de "matar a cobra e mostrar o pau". E com uma ajuda única e especial, tudo deu certo.

O velório ocorria em Cambé, Região Metropolitana de Londrina, e para lá rumei na companhia do fotógrafo Henry Jr. Logo na chegada, ao estacionar o carro, antes de desembarcar, sentimos que a parada não seria fácil. Parentes das vítimas soltavam faíscas pelos olhos em nossa direção, pareciam ofendidos com a presença da imprensa e, acuados, não queriam que ficássemos. "Não tem nada para vocês aqui", gritou alguém, da casa onde velavam os mortos.

A morte foi causada por um estudante que, retornando (supostamente "mamado") da balada, após prestar vestibular na Universidade Estadual de Maringá (UEM), perdeu o controle de sua S-10 e atingiu o pequeno Fusca. Com o estudante, apenas algumas escoriações.

Ao descer do carro, Henri Jr. disse: "distrai o cara (aquele um, zangado), enquanto eu faço as fotos. Você pode inventar uma declaração, se quiser, mas eu não posso sair daqui sem uma foto", declarou, já calibrando a objetiva ideal para o momento. Foi o que aconteceu: ouvia horrores de um parente transtornado, que não queria dar entrevistas, enquanto o nobre colega adentrava de fininho na residência, sob olhares de desaprovação.

Foi uma reportagem delicada, quase apanhamos e o carro de O Diário por pouco não foi apedrejado, o que não ocorreu porque a presidente de bairro, com quem já havíamos conversado por telefone, contornou a situação em nosso favor. Henri Jr. voltou com as fotos e eu com a triste história. O mesmo sujeito que queria descer o braço na dupla entendeu que a publicação poderia pesar contra o jovem imprudente da S-10.

Da última vez que falei com Henri Jr., por telefone, quando ele já lutava contra o câncer, disse a ele sobre como sua astúcia e coragem foram fundamentais para que retornássemos de Cambé com a pauta cumprida. A matéria foi manchete da edição seguinte, e só o foi por causa do saudoso amigo. Sozinho, certamente teria apanhado e voltado sem as necessárias entrevistas, com os parentes das vítimas.

Nunca questionei Parra e Wilson Marini - o editor-chefe naquela época - se aquela matéria, em especial, pesou em favor de minha contratação. Tenho comigo que sim, por isso a última coisa que falei a Henri Jr. foi uma frase de agradecimento: "muito obrigado por aquele dia em Cambé". Ele sorriu e, em novembro deste ano, partiu deste mundo de reportagens muito loucas.

No jornal celestial, o mais lido entre os anjos, as fotos de Henri Jr. certamente estão ganhando a capa de todas as edições.
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4 comentários:

  1. Fiz um comentário do seu blog e tentei mandar mas não deu certo. Vai por aqui (email).

    Luiz Fernando

    Você está fazendo tudo certo. Buscou conhecimentos teóricos na faculdade, complementou com estágio (e que luxo de estágio, na Alemanha!), saiu de sua cidade para trabalhar onde lhe deram emprego e, com isso, conheceu mais pessoas e mais ambientes e aprendeu a viver sozinho, e desde jovem faz "ensaios para escritor". Você vai chegar lá. Entendo que escritor, numa regra geral, é aquele que exercita a escrita - você faz no seu blog, fugindo dos padrões do jornal diário - e não tem medo de viver, seja onde for chamado. Quanto mais conhecimento do mundo, e das pessoas, melhor será seu texto. Vemos aqui com o dr. Kit Abdala, que publicou seu livro "Um médico pelos caminhos do mundo", é o relato do que ele viveu. Altíssimo índice de leituras. Pra tornar-se famoso como Machado de Assis, escrevendo basicamente sobre o quotidiano, tem poucas vagas. Os demais precisam buscar mais motivos pra cativar o leitor. Você já tem um bom patrimônio deste teor. Siga em frente.

    Um grande abraço. Se vier pro Natal, gostaríamos muito de receber sua visita. Mais uma coisa: nosso pessoal do Jornal de Beltrão aceitou copiar a idéia de vocês percorrerem a cidade de norte a sul e leste a oeste. Vai sair no caderno especial do 56º aniversário do município, dia 14 de dezembro.

    Mais um abraço

    Seu colega e amigo Ivo Pegoraro

    Via email
    Jornalista Ivo Pegoraro
    Diretor de Redação do Jornal de Beltrão
    www.jornaldebeltrao.com.br

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  2. meu grande amigo, como nao ser um dos primeiros a comentar seu "novo blog novo"!? eu, como sempre acompanhando (msm de longe) seu brilhantismo com as palavras, a facilidade (as vzs irritante) de com palavras simples deixar assuntos complexos, parecerem do nosso cotidiano..

    Que um dia eu consiga transmitir com imagens as significancias que com tanta facilidade achas ao entrelaçar as letras!

    Parabens por mais uma iniciativa! Lamentos por seu colega!

    seu amigo e fã Eiguel Ribeiro

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  3. Na data deste comentário, atualizei esta crônica, que antes estava desprovida de hiperlinks. Agora os têm e, por isso, ficou mais atrativa! Cliquem para conferir.

    Ao reler os comentário, fiquei emocionado com o elogio de meu ex-chefe, Ivo Pegoraro, grande homem, um cara que admiro demais. Também gostei demais da declaração do meu grande amigo dos tempos de faculdade, Eiguel Ribeiro.

    Pelo incentivo deles, e de tantos outros, o blog segue firme, mais firme do que nunca!

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  4. Eu ainda não tinha lido esta crônica.
    Que história linda, emocionante...

    Parabéns:
    - Pelo excelente modo como escreves
    - Pelas palavras que encontras com tanta facilidade para relatar os mais diversos fatos;
    - Por ter se saído bem mesmo numa situação tão constrangedora.
    - Por ter conseguido a vaga no jornal.
    - Por já ter ganhado um novo cargo, que eu sei
    - Pelo curso que está fazendo!

    Voltando à crônica, eu também não toleraria a presença da imprensa em uma ocasião assim, se quiserem ir, vão no meu casamento registrar e publicar tudo! hehehe

    Parabéns mesmo, nobre cunhado.
    Sucesso pra vc,
    Que Deus continue te abençoando!

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