Poucas pessoas que conheço têm autoestima tão elevada quanto Cobain, um amigo de faculdade com quem editei, no início da década, um folhetim acadêmico chamado "O Contiúdo". Publicitário, dono de ideias mirabolantes, afirmava com convicção que "supermercado é o melhor lugar que existe para arrumar namorada". Por experiências malsucedidas, sempre discordei da "máxima" criada por ele, porém, jamais ousei duvidar das verdades ditas por um colega que conhece como poucos o universo feminino.
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José Mayer |
Certa vez no Sabiá, o bar que serve o melhor e mais reforçado café da manhã de Pato Branco, questionei o ex-colega de "O Contiúdo" sobre como é possível o supermercado ser o melhor lugar para paquerar se a maioria das mulheres que fazem as compras são casadas. O amigo do ditado fácil – "solteiro sim, sozinho nunca" – respondeu: "não sou ciumento". Difícil acreditar na cara-de-pau do cidadão? Não se você conhece Cobain pessoalmente.
Muitas dicas depois, passei a reparar mais nas jovens clientes – no meu caso apenas as solteiras, porque odeio confusão – nas idas ao supermercado. Da última vez, estava no setor onde ficam os objetos de papelaria quando, de repente, surge uma linda garota, de cabelos ondulados e olhos verdes, de 17 anos (talvez 18). Pensei ser meu dia de sorte, doce ilusão.
"Se eu comprar uma lapiseira, precisa ser 0.7, porque 0.5 já tenho duas. Mas tem de ser uma lapiseira, porque se comprar um lápis vou precisar também de apontador", falava a guria, consigo mesma. "Acho que vou levar uma caneta também. Oooooolha essa do Mickey que legal", e fazia pausas como se ouvisse alguém do lado dela, ajudando-a a escolher o produto. Antes mesmo que a linda e assustadora guria notasse minha presença, "piquei a mula".
Ao contrário de Cobain, capaz de distribuir cantadas inclusive na prateleira do leite ninho, logo percebi que esse negócio de paquerar em supermercado não é minha praia. Numa outra oportunidade, rolava o maior papo com uma bela loira balzaquiana, sem anel nos dedos, promotora de uma marca de café, quando ela disse: "o tipo Gourmet é o favorito de meu marido, que é policial". Que safada, casada e jogando charme! Desconversei e fui embora, mas creio que Cobain, em meu lugar, teria ficado e traçado a mulher do tira – e sem o menor receio de acordar com a boca cheia de formiga.
Pingado em copo americano para beber e, para comer, ovo frito, costelinha de porco e "sanduíche" de polenta com queijo. Enquanto degustávamos o café da manhã do Sabiá, Cobain me confidenciou uma de suas mais mirabolantes aventuras. Na minha opinião, até então, o grande feito dele tinha sido se envolver com mais de uma de minhas colegas do curso de Jornalismo e com mais de uma das colegas dele, de Publicidade e Propaganda, ao mesmo tempo, sem que alguma delas desconfiasse estar dividindo o amado com a amiga de classe. A nova proeza, entretanto, vencia fácil a anterior.
Meses antes daquele café sem pressa, Cobain havia viajado com amigos, em férias, para o litoral paranaense. Já no segundo dia de praia, talvez por piscar demais para a mulher de alguém, foi expulso da casa alugada pelo grupo. Sem grana, sem amigos e dependendo de carona para voltar para casa, rumou à praia, onde planejou passar a noite. Com calma, pensaria em alguma saída na manhã seguinte.
O sol se pôs, dando lugar a uma bela noite de lua cheia. Sentado na areia, sobre sua camiseta e com a mochila ao lado, Cobain admirava a paisagem, com os olhos fitos no horizonte e os ouvidos concentrados no quebrar das ondas. "Oi", foi o que ele ouviu antes de mudar o foco de uma para outra paisagem. Quase como se tivesse surgido do além, estava ali ao seu lado, cumprimentando-o com uma simpatia fora de série, uma morena (também fora de série) de parar o trânsito. Mesmo o preparado Cobain, de tantas histórias, sentiu um frio na barriga naquele momento.
– Reparei que você está há mais de duas horas aí sentado, sozinho. Algum problema? – perguntou a moça.
– Parei para admirar o pôr-do-sol e gostei tanto que acho que vou dormir por aqui, na areia – respondeu Cobain, sincero, até aquele momento.
Indignada com a situação do pobre (porém bem apessoado) rapaz, quis saber mais sobre Cobain. Como em nada se parecia com um mendigo ou sem-teto, por que haveria de passar por aquilo, deve ter se perguntado a moça, filha de um conhecido médico da redondeza – mas que estava fora da cidade curtindo bodas-de-alguma-coisa com a esposa. O galanteador de plantão soube, então, que ela estava sozinha em casa. Os problemas dele tinham acabado.
– Assim que me formei em Publicidade, pus a mochila nas costas e saí por esse mundão, sem rumo. Durmo ao relento quando ninguém me dá abrigo – inventou... e prosseguiu – mas tem valido a pena por causa de noites maravilhosas como essa e de mulheres lindas como você – lançou seu charme, usando doces palavras para conquistar a jovem filha do médico.
Algumas vezes Cobain me aconselhou: "tu tens de falar aquilo que as mulheres desejam ouvir, e só". O conquistador-mor de Pato Branco disse tudo o que aquela bela jovem, de curvas perfeitamente esculpidas, queria ardentemente ouvir. E sussurrou ao pé do ouvido, enquanto acariciava a pele macia dela. Falou frases românticas, falou frases picantes, falou frases impróprias para menores e deixou que ela "falasse" no momento em que a levou ao estado de nirvana.
Na casa do médido, de incontáveis quartos, Cobain dormiu pouco, mas dormiu bem; comeu bastante, e comeu bem (e em mais de um sentido da palavra); e se safou de passar a noite ao relento. Na manhã seguinte, foi acompanhado à rodoviária pela encantadora companhia que, pasmem, pagou sua passagem de volta. Tinham curtido se conhecer, embora sem apresentações mais detalhadas. "Posso saber o teu nome", perguntou a moça. "Melhor do jeito que está, para que meu coração não sofra de saudades", respondeu Cobain, antes de embarcar, antes de nunca mais se verem.
Naquele mesmo café da manhã, sugeri a Cobain: "conte-me mais dessas histórias para que eu possa escrever um livro". A obra poderia se chamar: "Como levar as mulheres ao 'nirvana'". Sobre paquerar no supermercado, estou certo de que é uma boa estratégia, desde que o galã seja do nível de James Bond, Don Juan, Zé Mayer e Cobain. Este, vale ressaltar, nunca precisou de um Aston Martin nem de "licença para matar".