29 de dezembro de 2009

Nem mais um SE

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Se te digo tão cedo, ao pé do ouvido: gosto de ti
Se te digo no dia seguinte: quero te ver
Se te digo quando estás longe: volta logo
Se te digo que amigos me disseram:
... estás apaixonado!

Talvez ouça de ti: estás doido
Talvez ouça de mim mesmo: estou doido

E
Se me dizes: também gosto de ti
Se me dizes, quanto te chamo: já vou
Se me dizes, lá de longe: sinto saudades
Se me dizes, com teu olhar e teu doce beijo:
... estou apaixonada!

Talvez ouças de mim o pedido de namoro
Talvez ouças de si mesma: sim

E
Para que tanto "se" se há dois corações que se gostam?
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12 de dezembro de 2009

Adeus, Fundi

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O temporal do fim de outubro de 2009, em Pato Branco, trouxe mais que prejuízo material. Na maior maior enchente da história da cidade, as ruas de vários bairros foram tomadas pelas águas do pequeno Rio Ligeiro – naquela ocasião, já não tão pequeno assim. Em localidades menos abonadas, famílias perderam o pouco que tinham. Fundi, um sujeito que sabia curtir cada tragada de ar, perdeu o bem mais precioso: a própria vida.

Fundi, quando filhote
Quando a chuva cessou e as ruas deixaram de ser navegáveis, populares lamentavam as perdas e a Defesa Civil contabilizava os prejuízos. Fundi, duro como pedra, não sobrevivera para ver os estragos. Amanheceu estirado, no jardim de sua casa, próximo ao ramo de flores em que costumava se aliviar após um bom prato de ração com sardinhas. Em vida, projetava ele, queria ter a morte dos elefantes: velho e longe dos seus.

Adulto e gozando de boa saúde – nunca fumou e não era chegado a bebidas alcoólicas –, Fundi teria certamente teria se safado da correnteza do Rio Ligeiro, fosse o temporal a causa do óbito. Sua família estava convicta: homicídio doloso! Ele fora envenenado e a polícia, ao que tudo indica, não investigaria a autoria do crime. No país da impunidade, assassinos de bichanos não vão em cana. Fundi não frequentou escola, mas, esperto, sempre soube desse detalhe. Por isso, nunca comia fora de casa.

Impedido de chegar à segurança do lar, ilhado pela correnteza que havia tomado conta das vias públicas, Fundi estava molhado, com fome e com frio. Com azar equivalente ao de alguém que transa sem camisinha, pela primeira vez, e contrai o vírus da aids; dançou no primeiro petisco alheio que comeu, aos cinco anos de idade, completados dias antes, em 15 de outubro. O “tempero” de sabor levemente apimentado era, na verdade, o sabor da morte.

Dzico, como também era chamado, sofreu com a dor dos espasmos musculares, com as convulsões causadas pelo veneno. Tinha certeza: a morte viria ao seu encontro em minutos. Usaria ela capa preta e foice, como no cinema? Preferia não pensar nisso! Cruzou a nado o rio... melhor, a rua. Queria se despedir de seus donos. Se gato tem sete vidas, o valente felino amarelo, de pelos curtos e sedosos, gastou seu sopro final de vida contra a correnteza. Em seus últimos pensamentos, recordou-se da vida boa que tivera e deu graças ao deus dos felinos por tudo.

Fundi nasceu em Planalto, uma pequena cidade do Paraná, que – exceto órgãos como os Correios e a Caixa Econômica – poucos têm noção de onde fica. Filhote de origem humilde e mãe pulguenta, por certo seria um gato de galpão. Em outras palavras, não moraria na rua, mas teria de caçar ratos em meio à pilhagem de milho para ter o que comer. De uma ninhada só de amarelinhos, por obra do destino, Dzico foi o único kitty (como se diz em inglês) entre seus irmãos que cresceu à base de ração.

Em Dois Vizinhos, cidade que se autointitula a capital nacional do frango, um jornalista e sua esposa se julgavam jovens demais para ter um herdeiro. Faltava algo ao casal, que discutia sobre adotar um animal de estimação. Queriam um filhote sem raça definida, “dos bão”, e entre um cão e um gato escolheram a segunda opção.

Um aluno lá na escola comentou que tem filhotinhos recém-desmamados, na casa dos pais deles, num lugar chamado Planalto – disse a mulher. – Parece que são todos amarelos – acrescentou, assim que se recordou do detalhe.

Olha só... nunca tive um gato amarelo. Então está decidido, pede para o piá trazer um pra gente – disse o homem.

Fundi adolescente
Desde os tempos de infância e da chupeta, de suas recordações mais antigas, o jornalista lembrava de ter animais de estimação. Gatos, ele perdeu a conta de quantos teve até deixar Pato Branco, após a graduação em Jornalismo. No chute, calculava que foram mais de 50 felinos que, pelo fato de não serem castrados, raramente viviam mais de cinco anos. Robin, um gato malhado que resistira ao primeiro envenenamento, viveu seis.

Na casa de seus pais, era o jornalista quem normalmente batizava os felinos. Com algumas exceções, preferia se esquivar dos nomes de pessoas. Da turma de companheiros, os que mais marcaram se chamavam: Batman, Mimão, Super, Mel, Tom, Parceiro, Batman o Retorno, além do próprio Robin – irmão do primeiro Batman. Fundi, de Fondue "aportuguesado", seria o nome do próximo, independentemente da cara do filhote.

Chegou com cara de gato desnutrido, com mais orelha que qualquer coisa. Tinha listras pretas móveis em meio à pelagem cor-de-caramelo. Pulgas! Centenas delas, gordas e saciadas pelo sangue do pobre coitado. Bem nutridas, tinham força para resistir ao banho e ao xampu. Eram pulgas de vale-tudo e pareciam beber biotônico, ao invés de sangue. Várias rodadas de ensaboa-enxágua foram necessárias para mandar as invasoras pelo ralo.

Sem pulgas e abastecido a carinho, leite morno, ração e sardinha – seu prato preferido –, Fundi cresceu com vigor para se tornar um cara esperto e destemido. Definitivamente, a desnutrição de outrora não havia prejudicado suas habilidades mentais. Se fosse gente, seria um físico... um físico que descobriu a lei da gravidade na prática, ao saltar da janela em investida contra um pardal. Dzico, vale ressaltar, não era muito dado a teorias. O detalhe é que seus “paitotes” (mistura de pais com filhote, que não consta do dicionário) moravam num apartamento. Aos seis meses, Fundi perdeu sua primeira vida e, da forma mais doída, aprendeu que gatos não voam.

Além de físico nato, Fundi era praticamente um diplomata. Transitava bem em qualquer situação e, inclusive, com outras espécies. Provou isso quando o jornalista foi morar na Alemanha e ele, Dzico, teve de se mudar para a casa de seus “avóstotes” (mistura de avós com filhote, que também não consta do dicionário). No novo lar, em Pato Branco, sudoeste do Paraná, tinha a companhia de outros quatro gatos, mas se tornou melhor amigo de um cachorro branco, filhote como ele, chamado Floquinho. O cachorro, outro sem raça definida, cresceu odiando felinos... mas Fundi, como sempre, era uma exceção. Um gato político como ele não poderia, jamais, ser rotulado como os demais de sua espécie. Se fosse preso, exigiria cela especial.

O tempo passou e Dzico se tornou um adulto. Por volta dos dois anos de idade, um gato macho já pode ser considerado adulto. Sem perder tempo e aproveitando o melhor da via, o gato amarelo aplicava sua combustão hormonal nas namoradas... várias, todas gatas. De seu quociente de inteligência (QI), privilegiado, ele fazia bom proveito. Ao invés de namorar na rua e correr o risco de apanhar de gatos mais fortes e experientes, levava as namoradas para comer sua ração, na casa dos avóstotes. E comia elas.

Aos cinco anos, seguia sendo um incorrigível galanteador. Volta e meia levava um corridão de algum vizinho, indignado com o miado do baladeiro Fundi na hora do sono. Ossos do ofício... e que ofício! Com o passar dos anos, o que mais mudou foi a cor dos filhotes da redondeza, mais amarelinhos do que nunca, mais órfãos do que nunca. Ninguém sentirá mais falta do notívago felino do que as gatas que ele seduziu – e não se faz necessário explicar os motivos. Contudo, jornalista e ex-esposa (casamentos também “morrem”) lamentam não ter passado mais tempo com aquele que consideram ser “O Cara” entre os animais de estimação que tiveram.

O jornalista recebeu de sua mãe a trágica notícia, ao telefonar de São Paulo capital para se informar sobre os estragos causados pelo temporal, em Pato Branco. “A boa notícia é que a água não entrou em nossa casa. A má notícia é que Fundi morreu”, contou. (…) Alguns segundos se passaram até que o rapaz conseguisse dizer algo. Custou a assimilar a notícia, enquanto as boas lembranças de Fundi visitavam sua mente. No telefone público de um shopping, deixou escapar uma lágrima, esforçado-se para que aquilo não se repetisse. “Enterrei o corpo dele lá no quintal da tua avó”, acrescentou a mãe do jornalista, já sentindo o baque que a notícia causara em seu filho.

Fundi adulto
Ele e sua ex-esposa, que já não se viam há mais de um ano, tiveram de se falar novamente, por email. Assim que ela soube da morte de Dzico, respondeu a missiva para dizer o quanto amava aquele gato. Aproveitou para contar novidades: se tornara aeromoça, um sonho antigo, e estava morando na Grande São Paulo. Ele a parabenizou pela conquista e, fora isso, limitou-se a agradecer pelas belas palavras proferidas ao felino. Palavras que teriam emocionado o “Babundo”, outro apelido que o velho gato de guerra recebera de seus paistotes.

Amava viajar com ele, em cima de meu ombro, no ônibus; amava ver ele dormindo, e babando; amava esmagar ele; amava até mesmo quando ele ficava mordendo minha orelha, no meio da madrugada – escreveu a mãetote (outra que também não consta do dicionário). – Mesmo longe de você, Fundi, nunca te esqueci. Lembrarei de você e te amarei para sempre – encerrou.

Um mês antes do trágico temporal – e do maligno petisco envenenado –, o jornalista visitou seus pais e irmãos. Foi a última vez que viu Fundi, que estava mais adulto, com um olhar compenetrado, porém, com o mesmo jeito de gato malandro. Era um gato feliz e parecia preocupado em seguir uma única orientação: “vida, só se vive uma vez”. Desde então, com uma saudade que bate forte, seu dono se esforça em aproveitar cada dia como se fosse o último, tal como fazia Fundi. No Natal, quando voltar a Pato Branco e não mais encontrar o gato amigo, o jornalista plantará uma árvore onde jaz o felino... para não se esquecer dos bons momentos.
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27 de novembro de 2009

Na fila do Starbucks

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A Avenida Paulista não é o melhor lugar de São Paulo para fazer compras, para comer ou beber. Se considerado o custo, certamente, não o é. Na avenida mais famosa do Brasil, paga-se pelo ar cosmopolita em um dos metros quadrados mais caros da capital paulista. "Paga-se" pela oportunidade de ver gente diferente, bonita (acima da média da cidade), descolada... e tantos outros adjetivos mais.

– É a maior cidade do mundo. Se me falar que não é a maior, garanto que é a melhor – disse, orguhoso, o dono da lojinha de camisetas com estampas iradas, porém, salgadas. Vale destacar: nada na Paulista é barato.

Quem era eu para discordar de um paulistano nato, doente pelo Corithians e mais ainda pela cidade onde nasceu e onde, confessou-me, quer morrer. Comprei dele uma camiseta, tamanho P, do tipo feminino, com verso de Fernando Pessoa, para uma amiga que faria aniversário por aqueles dias. Andei toda a Paulista, de novo, e no caminho de volta entrei no primeiro shopping que encontrei assim que a chuva engrossou...

No momento das reticências, estava numa cafeteria, escrevendo esta crônica. Dei um fôlego à caneta e interrompi a narrativa para observar uma guria passar. Dessa vez, garanto, foi por um motivo quase antropológico. Cabelos metade negros até a raiz, metade oxigenados até as pontas, esquisitos, mas de uma beleza singular. "Fosse em uma cidade provinciana", pensei, "seria taxada de alguma coisa". Bom, nem é preciso explicar o "alguma coisa" nesse contexto. Mas em São Paulo você tem o direito – mais do que em qualquer outra cidade brasileira – de ser diferente.

Voltei a escrever. Percebi que o café tinha acabado e, para seguir inspirado com as palavras, precisava de mais uma dose. Tinha optado por um expresso Vanilla (café com aroma de baunilha) do Starbucks e, novamente na fila do atendimento, reparava no vai e vem de pessoas, do lado de fora da cafeteria. Observar o comportamento de desconhecidos, que nunca tornarei a ver, aliás, é um de meus hobbies. Pode parecer tolice, mas garanto ser possível aprender muito com isso. Quem faz isso se torna, no mínimo, uma pessoa mais tolerante.

Na fila, estava acompanhado do som de músicas de Natal, da lojinha de presentes logo ao lado, e de uma morena magra, pele clara, cabelos compridos, cerca de 1,65 metros de altura – logo à minha frente, na fila. Não conseguia ver o rosto dela, mas suspeitava que tivesse traços orientais. Estava sozinha; e isso me levou a concluir que poderia puxar conversa com a moça, na primeira oportunidade. O afrodisíaco aroma de café, que tomava conta o ambiente, parecia me dizer: "vai firme que estou contigo".

– Gostei do teu estilo, moderno. Tem companhia para o café? – era o que eu teria dito, se ela ao menos tivesse olhado para trás. O detalhe é que, caso o convite tivesse sido feito, ela não teria entendido nenhuma vírgula.

No atendimento, ela pediu um café do tipo Mocha. A atendente perguntou que tamanho de copo – tall, grande ou venti – e ela não compreendeu. A atendente, então, improvisou no inglês, e nada. Também não me pareceu que a estrangeira entendesse italiano ou alemão, logo, não teria chances com ela. Talvez (e a essa altura já tinha visto o rosto dela) fosse sul coreana. São Paulo, todos sabem, recebe gente de todos os continentes.

A moça apanhou seu Caffè Mocha, suponho que similar ao que ela costumava beber no Starbucks lá na Coreia do Sul, e "sumiu do mapa". Uma pressa de levantar suspeitas. E se ela fosse da China e seus familiares tivessem em débito com a máfia chinesa? Era uma possibilidade. O cronista aqui, por sua vez, tornou a escrever e a beber café. Teria repetido a dose, uma terceira vez, se a loja não estivesse encerrando o expediente.

Na torcida para que a chuva tivesse dado uma trégua – e de dentro do shopping não dá para saber –, tomei o rumo da porta principal, de frente para a Paulista e a alguns metros da estação da Consolação, do metrô. Vi no caminho duas moças se beijando, na praça de alimentação; um sujeito com a cabeça raspada, trajando bermuda xadrez, paletó bege e sapatos da mesma cor, mas sem camisa e sem meias; e uma menina de cabelos cor-de-rosa e roupas a la personagem de mangá japonês. Em São Paulo, "pooooode".

Na saída, a constatação: ao invés de gotas, pareciam cair baldes d'água. Um "toró", como se diz lá em Pato Branco. Poderia pegar o metrô, e me molhar mesmo assim. Poderia esperar a chuva ficar menos intensa, e isso demorar a acontecer. Ou poderia pedir uma sacola plástica na loja mais próxima – para revestir dinheiro, documentos e a camiseta que comprei de presente – e encarar a chuva torrencial. Foi isso que fiz, nos 2,5 quilômetros até o hotel. Na minha última semana em São Paulo, no melhor ano de minha vida, a chuva na Avenida Paulista lavou o corpo, e a alma.
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18 de novembro de 2009

Eis os cinco corajosos

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Estão definidos os cinco corajosos jornalistas – mais pacientes do que corajosos – que votarão para a escolha das 12 melhores crônicas deste blog, na última etapa de seleção. Eles aceitaram o convite para ler cada um das 17 melhores na opinião dos leitores e do autor e classificá-las com notas de 5 a 10, de modo que a mais interessante receba 10 e a mais chata, 5.

Os jornalistas são: Ivo A. Pegoraro, diretor de redação do Jornal de Beltrão; Paulo J. Rafael, professor universitário e proprietário do jornal Folha do Norte; Elaine Utsunomiya, editora de Suplementos de O Diário do Norte do Paraná; Vinícius Carvalho e Thiago Ramari, repórteres de O Diário do Norte do Paraná.

Vinícius Carvalho foi o primeiro a concluir a avaliação e as notas dadas por ele podem ser conferidas nos comentários da cada crônica concorrente. Pontuação e nota têm o mesmo peso, assim, "Orfeu e Violeta" lidera com 30 pontos. Em segundo está "Um tweet de Ana Paula", com 21, e em terceiro lugar "Uma diliça de madrugada", com 19,5.
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10 de novembro de 2009

Teoria da Irmã Tribufú

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O Cara e Mortal construíram em apenas um ano e meio, desde quando o primeiro foi contratado pelo jornal em que o segundo já escrevia há pelo menos seis meses, uma sólida amizade, sustentada pelos pilares da lealdade. Uma amizade tão verdadeira quanto suas diferenças. O ditado "os opostos se atraem", que se mostra falho em tantos relacionamentos, na amizade desses dois repórteres faz todo o sentido.

Na redação, um é especialista na editoria de política e o outro, em economia. Enquanto Mortal estuda jornalismo multimídia e está cada vez mais conectado, O Cara cogita se "orkuticidar" enquanto aguarda pela esperada formatura em mais um curso de graduação. Um é expert em cálculos complexos e escreve o necessário para garantir seu sustento, o outro também escreve para viver, mas nas horas de folga tem por hobby expressar suas ideias no papel, ou melhor, no blog.

Além da esfera profissional, as diferenças são mais acentuadas. O "amigo multimídia" é membro da Igreja Metodista e segue a fé de seus pais e avós. O "amigo economista" frequentou a catequese e hoje, ateu, diz não crer em "fábulas". Na política, o blogueiro prevê a eleição de José Serra para presidente, enquanto o economista aposta que Dilma Rousseff conquistará a maioria do eleitorado graças à popularidade de Lula; embora ambos simpatizem mais com Marina Silva. Na Liga da Justiça, O Cara prefere o Batman e Mortal, o Superman; mas os dois comentam sobre como seria interessante ter – ao menos por um dia – os poderes do Superman e as namoradas do Batman. Por fim, um é Corinthians e o outro, óbvio, Palmeiras.

O fato de discordarem em (quase) tudo, no caso deles, serve de combustível para a amizade. O que só é possível graças ao dom da tolerância – dom que não consta das cartas de Paulo aos Coríntios, mas que é de suma importância quando se anseia por um mundo de paz e sem preconceitos.

Mortal é filho primogênito e tem dois irmãos, homens. O Cara também é o mais velho entre três, mas tem duas irmãs. O corintiano foi apresentado ao irmão do meio de Mortal numa festa junina de rua. O palmeirense conheceu a irmã caçula de O Cara, em um jantar sem cerimônia na casa dele. Ocasião que inspirou o cronista da dupla a bolar a "Teoria da Irmã Tribufú" – uma teoria que, em sua essência, já era antiga no tempo de seus avós.

No jantar, o repórter multimídia levou um vinho, Gato Negro Malbec, que trouxera da Argentina nas férias. O repórter de economia pôs em prática seus dotes culinários para preparar um yakissoba. Caprichou tanto que, mesmo querendo errar no arroz (para deixá-lo empapado), o cozido ficou soltinho. Um jazz na "vitrola", pratos e talheres postos à mesa, Mortal e O Cara falavam de tudo um pouco, menos de trabalho, quando foram interrompidos:

Mano, o jantar vai demorar muito? Senão acho que vou dormir – disse Maria, a irmã mais nova de O Cara. – Está quase pronto mana, aguenta um pouco – respondeu, para em seguida falar ao bem impressionado Mortal – tadinha, estava com fome.

Uma "tadinha" acima da média. Jovem, morena, cabelos longos e lisos, magra e alta (estatura deve estar na genética da família), surgiu na cozinha de pijama, do tipo sem-Mickey-na-estampa. Bem pelo contrário, era um pijaminha tamanho P, desses que os roteiristas de novela pensam para trajar as belas atrizes, com a intenção de elevar a audiência no horário nobre. "Bah", com alguns pontos de exclamação, foi o que Mortal quis dizer, mas não disse. Ficou sem reação, não apenas pela exuberância da moça, mas, também, por se tratar da irmã de um de seus melhores amigos.

Com uma capacidade intelectual invejável, O Cara pode muito bem ter herdado grande parte do Q.I. da família, conforme mencionou Maria durante o jantar. Contudo, certamente foi ela quem ficou com a maior porção da beleza. O conjunto da obra, a plástica facial, as curvas... tornam tal sentença tão incontestável quanto a habilidade do economista com os cálculos e com o tempero do yakissoba.

A situação para Mortal era inédita. O Cara se tornara seu primeiro grande amigo com uma irmã fora de série. O Cara, por sua vez, talvez não percebesse a situação por ainda ver Maria com os olhos de quem a viu crescer. Logo, em função do forte laço de amizade entre os dois, Maria precisava ser vista com uma pitada de divindade, como "freira" ou como "noiva". "Com irmã de melhor amigo não se brinca", lembrou-se Mortal da pertinente frase que ouvira, certa vez, do sábio colega de redação Barack Pandeiro.

"Ficar" sem compromisso está na moda, com algumas ressalvas. Uma delas é justamente a "bela irmã do amigo do peito". E namoro com essas belas divindades é algo complicado, por causa da expectativa que tende a ser gerada pelo amigo-irmão em – na possibilidade de tudo der certo – se tornarem brothers-in-law. Nos tempos do vovô, em que casamentos duravam para sempre, namorar com a irmã mais nova do grande amigo era uma ótima ideia.

O Cara talvez gostasse de ver sua irmã namorando um de seus grandes amigos, talvez não. Independentemente da resposta, Mortal estava certo de que a vida seria mais prática se os amigos do peito não tivessem irmãs deusas. Na "Teoria da Irmã Tribufú", que coloca a amizade sempre em primeiro plano, as caçulas dos melhores amigos seriam sempre horrorosas ou já casadas ou, ainda, jovens demais. Mas como essa teoria é uma besteira sem tamanho, desconsidere.
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27 de outubro de 2009

Para conhecer a audiência

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Acompanho diariamente – desde que fui relocado da editoria de Política do impresso para o site, no início de 2009 – as estatísticas de acessos de O Diário Online. A ferramenta para verificar a audiência é o Google Analytics, a mesma que desde julho passei a utilizar em meus três blogs: Café com Jornalista, LF na Alemanha e este, de crônicas.

Graças ao Analytics, agora posso acompanhar de onde vem minha audiência; quantos acessos tenho por dia, semana e mês; quais as crônicas mais lidas e quanto tempo os leitores permenacem em cada uma delas; além de pormenores como o navegador utilizado pelos leitores – no caso do Blog do LF, em agosto, 57% das visitas se deram via Firefox, contra 30% do Explorer e 10% do Chrome.

Agosto foi o primeiro mês completo de meu blog no Analytics, que revelou 1.015 acessos únicos de um total de 1.629 visualizações de páginas. Para minha surpresa, 794 dessas visualizações ocorreram na página do texto "Fusca para todos, até para loucos", justamente uma de minhas postagens teste, sem pretensão alguma de agradar a audiência. Enquanto isso, a página de entrada do blog teve 403 visualizações, o que representa apenas 50,7% do número de acessos do texto do Fusca.

Foi então que descobri quanto o Analytics pode ser interessante. Com essa ferramenta, soube que grande parte dos acessos no texto do Fusca vem da pesquisa de imagens do Google. Para tirar a prova, digitei "Fusca" no Google Imagens para ver que (pasmem) uma das fotos publicadas Blog do LF surge na primeira página da pesquisa. De duas... duas: o blog está bem ranqueado e o brasileiro ainda curte muito o velho Volkswagen Fusca.

Sabe aquele caso de mídia (cada vez mais recorrente) em que a grande reportagem, com fatos apurados com isenção, com denúncias embasadas por boas fontes, com grande relevância social, por algum motivo perde em audiência para o assunto banal e sensacionalista? O mesmo acontece com minhas principais crônicas frente àquela postagem com imagens dos Fuscas mais bizarros. Isso quem me diz é o Analytics.
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9 de outubro de 2009

"Orfeu e Violeta", a melhor segundo os leitores

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"Orfeu e Violeta", que já liderava o ranking da mais comentadas deste blog, foi eleita a melhor crônica na avaliação dos leitores. O conto, que discorre sobre o encontro entre um jovem de Pato Branco e uma bela moça de Realeza num ônibus a caminho de Maringá, obteve 7 pontos, contra 4 pontos de "Uma linda mulher" – a segunda crônica mais lembrada.

Ao votarem em seus textos preferidos, os amigos contribuíram com a seleção das 12 melhores crônicas do Blog do LF, que vão compor um livreto mais adiante. Na fase decisiva, jornalistas convidados vão avaliar as 17 mais bem classificadas até o momento. Veja quais são elas no Café com Jornalista.

A pontuação corresponde à somatória da primeira fase (número de comentários) com a segunda fase (pontos dados pelos leitores).
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7 de outubro de 2009

As curvas de Maringá

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Ao voltar de São Paulo, a reflexão de sempre: como Maringá é arborizada! E como tem mulheres bonitas – tanto quanto (ou até mais do que) árvores. A constatação é espontânea de tal modo que se torna impossível não repeti-la toda vez que retorno a essa cidade abundante em verde, flores e curvas.

Nas passadas sem pressa rumo à cafeteria preferida, a natureza deu-me as boas-vindas com uma casca de semente de sibipiruna, que deve ter deixado em meu rosto a marca do impacto. Sibipirunas que, na primavera, decoram Maringá em verde e amarelo, com pequenas flores que liberam uma resina grudenta, o terror dos para-brisas dos veículos. "Antes as flores e as cascas de sibipiruna do que as pombas", pensei.

As boas-vindas, Maringá parcelou em duas vezes, a segunda delas "paga" já na cafeteria do shopping. Livre da dieta do açúcar, bebia um café expresso com creme e chocolate, meio amargo, e lia "Traçando New York", livro de Luis Fernando Verissimo recém-comprado num sebo. Na mesa mais afastada do balcão e mais próximo da janela, concentrado na leitura e no café, perdi a majestosa chegada de Liana – suponho que tenha sido majestosa e não tenho a mínima ideia do nome verdadeiro da moça.

Aparentava 1,60m de altura, 20 anos, menos de 50kg, do tipo intelectual embora nada nerd. Tinha cabelos longos, lisos e ruivos que se esforçavam para tocar sua cintura – uma cinturinha para apreciar sem moderação –, e ainda pele clara, olhos verdes e esbeltas coxas, valorizadas pelo shorts curto, porém, comportado. Pediu um café gelado e sacou da bolsa um livro com marca-texto que indicava uma leitura nas páginas finais.

Uma linda jovem, que curte um bom livro regado a café, na livraria com música ao vivo... ahhhh!... uma miragem, um oásis no deserto escaldante. Fiquei com sede, ou melhor, encantado. Esqueci Verissimo e concentrei minha atividade cerebral numa estratégia de aproximação. Precisava ser notado e, mais, causar boa impressão.

Duas rápidas e discretas trocas de olhares me carregaram da coragem necessária para avançar contra os "inimigos": o risco de um fora e o receio de nunca mais tornar a vê-la (caso não tomasse uma iniciativa). Notei que ela estava na mesa 28, com número escrito em fonte igual a que indicava, na passagem, o portão de embarque (também 28) no Terminal da Barra Funda, em São Paulo, um dia antes.

"É um sinal, só pode", alertou minha mente, cobrando-me ação. "Pense em alguma coisa, rápido", insistiu. "E se ela se levantar, for embora e você nunca mais tornar a vê-la?". Minha mente estava certa e eu, se não acatasse seu incentivo, poderia vir a lamentar por algo que deixei de fazer.

Sujeito daqueles que crê que nada acontece por acaso, nem mesmo a repetição da fonte do número 28, tive de agir, sem ser inconveniente. A moça estava concentrada na leitura (ou bem fingia estar), talvez tanto quanto meus olhos estavam nela, e no shorts dela. Optei pela clássica estratégia do bilhete, que no futebol seria correspondente à formação 4-4-2, um tanto defensiva, sem ser retranqueira. No bilhete, assinado com meu endereço de MSN, escrevi:

Como é raro, hoje, mulheres irem ao shopping para ler um bom livro e beber café! Mais raro, ainda, é encontrar com essas mulheres, lindas como você. Gostei de ti e quero te conhecer, mas não quis atrapalhar a leitura.

Corri à papelaria ao lado comprar um pequeno envelope. Depositei o bilhetinho nele e, com os dedos cruzados, pedi a um dos atendentes da livraria que entregasse a "encomenda" à ruiva da mesa próxima à janela. "Não vejo nenhuma ruiva perto da janela", disse o rapaz, para minha surpresa.

A estratégia havia falhado, a moça não estava mais na mesa. Com os óculos bem calibrados, vi o "oásis" na fila do caixa, do outro lado da loja, aguardando para pagar a conta. O único plano B seria pegar a fila e, na primeira oportunidade, puxar conversa. Foi o que fiz. Ela respondeu o tímido "oi" com um "oiiii" sorridente e meigo, olhando-me nos olhos, com seus perolados olhos verdes. Num lapso de falta de reação de minha parte e para fazer valer o imbecil ditado de que "alegria de pobre dura pouco", o atendente lançou o aviso em bom tom: "próximooo!"

E Liana pagou a conta no caixa 1, enquanto eu acertava meu café (e o envelope do plano do bilhete) no caixa 3. Na demora do equipamento em ler meu cartão de crédito, ela foi embora sem que eu notasse, sem que eu soubesse seu verdadeiro nome, sem me dar a chance de entregar o bilhete. Saí dali, dei algumas voltas nos quatro pisos do shopping e não mais a vi.

Dentre tantas lindas maringaenses, a ruiva – de cintura bem definida e cabelos esvoaçantes – destacou-se de todas aos meus olhos. Ao menos naquele dia, eram dela as mais belas curvas da cidade. Na expectativa de vê-la passar, aguardei em vão no banco de concreto em formato de onça-pintada, em frente à entrada principal do shopping. A mesma onça que já testemunhou inúmeros inícios de namoro, desta vez, não pôde fazer nada, senão servir de consolo.
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20 de setembro de 2009

ZERO Açúcar


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O terceiro sábado de agosto foi, particularmente, ímpar! Um dia de vitória da mente sobre o estômago, do autocontrole sobre a gula. O sábado que tantos guardam para Deus, marcou para mim o fim de uma abstinência de 30 dias sem açúcar, um período de flagelo contra o corpo – documentado no Twitter para quem quisesse acompanhar.

No mês em que abdiquei de sorvete, iogurte, chocolate e pão de mel – meus doces favoritos –, vi me abandonarem 2 quilos e 700 gramas. Sinal de que os outros 83 quilos, que permanecem comigo, são mais fiéis. Mantiveram-se leais a mim mesmo com a decisão abrupta de cortar o açúcar inclusive do cafezinho. Cortar o café com açúcar foi, aliás, o desafio mais torturante dessas três semanas.

Nos 30 dias mais longos de minha vida, a pergunta recorrente foi: "por que você está fazendo isso?" Quando alguém menos polido fazia a pergunta, mudavam as palavras, não o sentido: "Pra que essa viadagem de cortar o açúcar?" Difícil explicar.

Porque sim – seria a resposta mais apropriada ou menos cansativa. Contudo, essa não é uma justificativa que se dê, não a adultos. Se devo alguma explicação, que seja ela para aqueles que por curiosidade (ou loucura) acompanharam a saga nada doce, mas com final feliz, em minha página no microblog.

A primeira razão dessa abstinência, e talvez a única plausível, foi a perda de peso. Fiz o sacrifício – que alguns obesos se negariam a fazer, embora precisem – para comprovar que açúcar engorda e que, sendo assim, a falta dele emagrece. Dei um tempo nas atividades físicas, mantive a mesma alimentação, não cortei frituras nem gorduras, limitando-me à privação dos doces. Assim, se emagrecesse, a "culpa" seria da falta de açúcar. Foram quase 3 quilos e, como disse Patrícia de Cássia no Twitter, teria sido mais, casos os exercícios tivessem sido mantidos.

Com a privação "tuitada" dos doces, outra ideia era ampliar o número de seguidores no microblog. Confirmada a teoria de que, na internet, há público para tudo, a marca de 100 seguidores foi superada, perfazendo mais do que o dobro de um mês atrás. O terceiro motivo vai de encontro com o "Yes, we can!" do presidente norte-americano Barack Obama. Certa noite, na cozinha de minha casa, uma ex-namorada, fumante, observou que eu comia muito chocolate e que isso poderia fazer mal à minha saúde. Indignado por ouvir aquilo de alguém dada ao cigarro, exclamei:

Tábom, vou dar um tempo com o chocolate por um mês, mas quero ver tu fazer o mesmo e parar de fumar – disse, em tom de desafio. Fui além, cortei todo tipo de açúcar (sacarose), levando por três semanas a sofrível vida de um diabético. Experimentei alguns produtos diet, sempre dando graças a Deus pelo perfeito funcionamento de meu pâncreas.

A ex-namorada, não tornei a ver, mas alguma coisa me diz que ela não deixou de fumar, nem por um dia sequer. Sentindo-me vitorioso, e mais magro ao 30º dia, penso no doce gosto do triunfo. No domingo, quando eu – metodista – separo para agradecer a Deus por ter saúde e paz, terei meu momento de fé na companhia de um chocolate com avelãs, ou de um café irlandês com creme e borda de chocolate, ou de um sorvete de passas ao rum, ou um pão de mel com café expresso. Ou, ainda, na companhia de alguém que goste disso tudo e que possa tudo isso sem brigar com a balança. Atenção, alguém-que-gosta-disso-tudo, quero te conhecer melhor!
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18 de setembro de 2009

Seleção das melhores crônicas do LF

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Incentivado por colegas de redação, lancei oficialmente este blog de crônicas em 28 de novembro de 2008, data de uma postagem teste com fotos da Groenlândia (não me peçam para explicar o porquê da Groenlândia). Desde então, foram 49 postagens (contando com esta)... crônicas, em sua grande maioria.

Algumas poucas já ilustraram páginas de jornais, porém, a grande maioria ficou presa ao virtual. Desse detalhe, surgiu a ideia de dar "vida" a alguns dos textos publicados neste blog. As 12 melhores crônicas, com data anterior a 18 de setembro, vão compor um livreto "artesanal" – como será e qual o propósito? Prometo explicar mais adiante – ao final de um processo de seleção que incluirá três etapas.

A primeira etapa já foi realizada e resultou nas 25 melhores crônicas do blog, na opinião do próprio autor. A segunda etapa, lançada agora, consiste da votação dos leitores (ler regras abaixo dos links) em seus textos preferidos. Dessa votação, em pontuação acumulativa com a primeira etapa, restarão 17. Na terceira e última fase, cinco jornalistas darão nota a cada uma dessas 17, elegendo, assim (e considerando o desempenho das fases anteriores) as 12 melhores crônicas deste blog.

Classificadas pelo número de comentários (ao lado do respectivo título), até esta data, e por avaliação do autor, as 25 melhores crônicas estão abaixo relacionadas:

Setembro
001 Um tweet de Ana Paula / 11
002 Vinte dias com Angela / 6
003 Uma linda mulher / 8

Agosto
004 Namorei a Paulista / 9
005 Enfim, habilitado! / 11

Julho
006 Um pesadelo com Michael Jackson / 8
007 Graças a Pink Floyd / 10
008 A turma da 6ª Série / 6

Junho
009 Cobain e o universo feminino / 10
010 A lucidez de Barack Pandeiro / 7

Maio
011 Azar no jogo... / 8
012 Canáááááááários! / 10

Abril
013 Sensação na calada da noite / 5
014 Do que as mulheres gostam / 7
015 O Polo Norte, o bilhete e o fim das férias / 5

Março
016 O melhor bolo de aniversário / 4

Fevereiro
017 Um orkut para Daibert / 7
018 O apóstolo e os fugitivos / 6
019 Vinte e tantos mais um / 7
020 O que MacGyver faria? / 4
021 O universo hiper-realista de Gabriel T. / 8
022 Para marcar a mente e o coração / 6

Janeiro
023 Orfeu e Violeta / 13
024 Uma "diliça" de madrugada / 10

Dezembro
025 Uma reportagem e um colega para não esquecer / 3

Como votar
Os leitores devem deixar sua opinião nesta postagem, em comentário assinado com o nome completo e cidade de origem. Opiniões anônimas ou repetidas, neste caso, serão desconsideradas. O votante deve escolher sua crônica favorita (citando corretamente o título ou o número) e, além disso, nominar outras três de sua preferência.

As crônicas apontadas como favoritas receberão 3 pontos. As crônicas preferidas (aquelas outras três) terão peso 1. Os pontos serão somados ao número de comentários obtidos por cada crônica até esta data. A avaliação do leitor poderá ser feita até 30 de setembro, uma quarta-feira. Após essa data, não serão permitidos novos comentários.

Um dos participantes será presenteado, mediante sorteio, com cópia do livreto de crônicas deste blog. Não é nada demais, mas é uma singela maneira de agradecer o incentivo dos seletos leitores do Blog do LF. Sem o apoio de todos que leem - e comentam - certamente eu já teria desistido.

Votem e divulguem esta seleção!
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8 de setembro de 2009

Um tweet de Ana Paula

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O dia em que O Diário superou a marca de mil seguidores no Twitter  uma sexta-feira que, embora chuvosa, clamava por um happy hour com os amigos  trouxe-me a recordação de um momento de êxtase no microblog que é febre mundial. ELA havia escrito para mim. Depois daquilo, tive a certeza: nenhuma rede social na internet se compara ao Twitter na capacidade de proporcionar um diálogo aberto entre pessoas normais e celebridades.

Em meu já não tão confortável sofá, estava só. Lia algum dos livros de Luis Fernando Verissimo  embora não me recorde ao certo qual  e o envolvente texto espantava para longe de mim o peso da solidão. Uma caneca de café e um cobertor, sobre as pernas, aqueciam o corpo. Numa dessas webradios, a voz de Laura Pausini me fazia companhia e aquecia o coração. O sono começava a cansar os olhos quando, por volta das 2h30, o inconfundível alerta de mensagem do MSN interrompeu a leitura.

Da tão distante Rio Branco, a amiga Aleta Dreves trazia boas novas. Há muito não teclava com a ex-colega da faculdade de Jornalismo que, hoje professora universitária, faz-me acreditar na existência do Acre. Logo na primeira mensagem, sem suspense, veio a surpresa:

 Eita, até a Ana Paula Arósio leu tua crônica, que chique  disse, referindo-se à então última postagem de meu blog, intitulada "Azar no jogo..."

 Leu nada!  respondi, no impulso, certo de que Aleta queria me pregar uma peça.
— Ela disse no Twitter, entendi que estava falando do teu blog  esclareceu a amiga.
— Sério mesmo?  questionei, agora, quase acreditando no que lera no MSN. Havia encontrado a atriz favorita, aquela que para mim é parâmetro de beleza feminina, no Twitter.

Na crônica sobre minha reprovação no teste de moto, escrevi sobre o delicioso sonho que tivera com Ana Paula Arósio. Com "reply" para ela, publiquei um tweet com link para aquela crônica. De qualquer forma, não esperava uma resposta da musa.

 @LF_jornalista obrigada pelo carinho Cardoso. Desejo-lhe sucesso, achei muito bom seu texto, lúcido e cativante. Um abraço!  escreveu @anapaula_arosio, em tweet testemunhado por alguns poucos. Ainda bem que há testemunhas, porque o citado perfil foi excluído do Twitter e o recado, por consequência, deletado.

Recado que acarretou uma séria de dúvidas. Teria ela lido minha crônica ou sido apenas gentil? Tratava-se mesmo da musa ou seria um fake (falso perfil) se passando por ela? Num primeiro momento, preferi crer que era a própria e que a crônica havia sido lida por ela, da primeira palavra ao ponto final.

 Se soubesse que Ana Paula Arósio escreveria para mim, nem teria lamentado a reprovação no teste para moto... um sonho isso!  tuitei, enquanto garantia a Aleta que não conseguiria dormir, não naquela noite.

 Seja sincera Aleta, tu achas mesmo que é ela  perguntei, pelo MSN.
Claro que é a gostosa da Ana Paula Arósio  respondeu a amiga jornalista, para sepultar de vez a possibilidade de ser visitado pelo sono naquela noite.
— Pronto LF, agora tu não dormes mais de emoção , brincou a jornalista.

Contei o que se passara a meus pais e irmãos. Também para alguns amigos, embora parte deles ainda desconhecesse o Twitter. Entre os colegas de trabalho, dois dos mais chegados acharam graça, certos de que eu teria me deixado enganar por um fake. O irmão caçula, João Paulo, teve a mesma impressão.

 @LF_jornalista não sei não se a AP Arósio é original. Mas seria bom se fosse. Eu mesmo tenho o Neymar me seguindo, mas é fake  tuitou @joaocoliveira, em "ótima" comparação. Quem é que queria saber de Neymar naquele momento.

A mais bela e talentosa atriz brasileira havia escrito para mim  assim preferia crer  e poucos além de Aleta e eu próprio pareciam acreditar. Ana Paula Arósio parou de tuitar; um fake não teria parado. Dias depois, os tweets de @anapaula_arosio cessaram e, meses depois, o perfil foi deletado do Twitter. Infelizmente, um forte indício de que poderia ser um farsante.

Independentemente daquela mensagem ter sido ou não escrita por ela, e de minha crônica ter agradado ou não, melhor seria conhecer a bela atriz pessoalmente. Precisarei escrever um best seller para que isso aconteça? Quem sabe. Se essa for a condição, eu escrevo.
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4 de setembro de 2009

Vinte dias com Angela

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Era inverno. Pelo que sugere a estação, devia estar frio, mas, na prática, o calor daquele início de tarde, em Maringá, permitia ficar a vontade com pouca roupa. O desconforto não estava no clima, tampouco no pagode de quinta que tocava no alto-falante da rodoviária e, sim, no atraso em quase duas horas do ônibus da linha Palmas-TO/Santa Maria-RS. Foi na longa espera, de causar raiva, que Angela notou Francisco pela primeira vez.

Quase 30, quase 1,80m, quase careca, quase desmaiado de sono - pela insônia da noite anterior -, Chico nunca teve panca de galã. Era do tipo que, com alguma frequência, passava despercebido nas festas. Porém, de jeans, camiseta, boné, óculos escuro e, sobretudo, tênis All Star, ele pareceu interessante aos olhos dela. Há pesquisas que afirmam que uma mulher, quando não está comprometida, repara da cabeça aos pés em até sete homens que a atraem, todo dia. Por sorte - no dicionário dele "destino" e no dela, "acaso" - Chico havia entrado na lista de bem-apessoados na avaliação da moça com não mais de 20, cinturinha de modelo, cabelos curtos e pele lisa.

A troca de olhares, do tipo capaz de causar frio no estômago e calor abrupto em outras partes, aconteceria instantes mais tarde e eles, solteiros, aproveitariam cada instante da oportunidade concedida pelo acaso - ou pelo destino. Se a vida fosse como no cinema ou nas novelas, pelo início da história, Francisco e Angela passariam por dificuldades para ficar juntos e, no final, viveriam felizes para sempre. Na vida real, não foi isso que a história reservou para eles, não em uma trama que envolve também um sujeito chamado Humberto - guarde bem esse nome!

Chico não costuma ser um cara apressado, mas o sono que tanto o torturava o fez ser o primeiro a despachar a mala para, o quanto antes, tomar seu lugar na poltrona 3 do ônibus. Já havia se acomodado quando decidiu buscar água no final do corredor, antes de cair no sono. Ao se levantar, seus olhos brilharam para Angela, que se sentaria na poltrona 4, ao lado da sua. Ele custava a acreditar na bondade divina. Toda vida teve problemas com "vizinhos" de viagem e, desta vez, parecia que a sorte estava a fim de compensá-lo. Angela ajeitava a mochila no bagageiro interno quando ouviu a pergunta:

- Vou ali ao fundo buscar água, posso trazer para ti também? - disse Chico, certo de que ela aceitaria e, mais, que gostaria da atitude. Ser gentil com aquela desconhecida jovem foi mais que um ato de cavalheirismo, em uma situação como aquela foi uma oportunidade, bem aproveitada, de quebrar o gelo.

Ela aceitou e, pelo sorriso ainda inibido, demonstrou ter curtido a atitude. Gaúcha, atraída a Maringá pelos estudos na universidade estadual, notou algo familiar no sotaque de Chico. Neto de gaúchos e repórter do maior jornal de Maringá, ele passaria o fim de semana em sua terra natal, Pato Branco, no sudoeste do Paraná. Uma cidade de colonização gaúcha que, bem por isso, é mais apegada aos costumes do Rio Grande do Sul do que do próprio Paraná.

Em férias na universidade, Angela passaria um mês na longínqua Alegrete, tão distante de tudo que um pouco além - bem pouco - fica o Uruguai. Ao lado dela, o sono de Chico passou de repente e ambos conversaram desde o copo d'água até o desembarque na "Capital do Sudoeste", que é a figura de linguagem utilizada pelos "nativos" para autoproclamar Pato Branco capital de alguma coisa. Nas 11 horas de viagem do trecho - que passaram como se fossem 2 horas - a estudante de Biologia e o repórter só interrompiam o bate-papo mediante apropriados e uníssonos "chiiiiiii" dos outros passageiros. Fora os dois, num ônibus sem televisores e sem filme para ajudar a passar o tempo, os demais queriam dormir.

Da turma do "chiiiiiii", quem não conseguiu pegar no sono ao menos ouviu boas histórias. Angela e Chico foram ecléticos e não economizaram saliva. Falaram sobre estudos, trabalho, religião, família, amigos, saudades da família e dos amigos, da cidade-natal, relacionamentos anteriores, sexo, drogas e rock and roll. Bate-papo que incluiu peculiaridades culinárias, como o fato de ambos gostarem de fígado de galinha e, mais que isso, saberem cozinhar o prato ainda tão pouco apreciado. O assunto sobre o preparo do fígado foi, de longe, o que mais recebeu pedidos de silêncio. Quando eles falaram de sexo e relacionamentos, porém, ninguém no ônibus se manifestou. Curiosidade, talvez.

Na afinada troca de palavras, o tom de voz e os olhares trocados na penumbra sinalizavam que o encontro daquele casal - unido por uma força maior ou por força nenhuma - teria um segundo tempo, de muitos gols. Na primeira despedida, nada de beijo, apenas um olhar prolongado e silencioso, repleto de boas e "más" (no melhor sentido da palavra) intenções. No desembarque em Pato Branco, numa madrugada de céu estrelado, com temperatura na casa dos 10°C, o indiscreto motorista perguntou:

- E aí, companheiro, pegou o telefone da moça? - Chico respondeu com um desinibido sorriso, de modo a dispensar as palavras. Angela ouviu o que dissera o motorista, de dentro do ônibus, enquanto observava o repórter apanhar sua bagagem. Também sorriu, embora um pouco envergonhada, menos pela curiosidade do motorista, mais por notar que todos os demais passageiros estavam em silêncio. Ou dormiam ou, acordados, tinham ouvido pormenores da conversa.

O jovem de Pato Branco havia esquecido de pedir o telefone da guria de Alegrete. O que na geração de seus pais teria sido um problema, na deles era um mero detalhe. Chico tomou nota do endereço de email, do MSN e do orkut de Angela, tudo para se certificar de que eles não perderiam contato. A bela de corpo delgado abanou com a mão esquerda assim que o ônibus partiu, já na expectativa de receber o primeiro email - que não demoraria a ser enviado.

Angela nunca acreditou em simpatias, porém, o encontro no ônibus a deixou pensativa. Seria possível que, mesmo com sua falta de fé, uma simpatia desse certo? No dia de Santo Antônio, na paróquia homônima em Maringá, a gaúcha comprara 12 pedaços de bolo para ela, as primas e os tios, com quem mora desde que ingressou na universidade, três anos antes. Reza a lenda que encontrar uma medalhinha de Santo Antônio no bolo significa - para as solteiras - namorado à vista. Das fatias que comprara, Angela comera três e, apenas esses, continham as ditas medalhinhas no recheio.

Já em Alegrete, recordou-se do recorde da Paróquia Santo Antônio, que agora lhe pertencia e do qual preferia não se orgulhar: três pedaços de bolo, três medalhinhas. E se, por acaso, a simpatia providenciasse a ela um namorado trilegal? Tentando se manter incrédula, seguiu trocando emails com Chico, todos os dias, até o dia em que seus olhares tornassem a se encontrar.

O reencontro foi em um banco de concreto com formato de onça-pintada, diante da entrada principal de um shopping de Maringá. Trocaram mimos - lembrancinhas, como se diz no Rio Grande -, beijos não. Não ali, diante de um conglomerado de lojas, de uma plateia de desconhecidos, da onça inanimada. Não antes de um passeio a dois, pelas ruas arborizadas da cidade. Não sem antes brindar o momento com chope gelado e música ao vivo. Sob a bênção de um céu estrelado, sem Lua, mas com outra longa e descontraída conversa, ele a acompanhou até a casa dos tios.

Chico sabia que seria correspondido. Angela sabia que bastava se virar de costas para ele, para ser abraçada e beijada no pescoço, antes do presumível beijo de cinema. Foi o primeiro grande momento de um romance que, já foi dito, não terminaria com o batido "e viveram felizes para sempre" e que teria ainda a figura de Humberto - repito: guarde bem esse nome!

Combinaram de ir ao parque, na tarde seguinte, caso fizesse sol. Contudo, a previsão era de chuva. E do céu derramou água, mas Chico foi ao encontro de sua gaúcha, com seu possante 1.0, mesmo assim. Questionou o que faria, pois chovia, e recebeu de Angela a melhor resposta:

- Com o tempo ruim assim, já era o passeio no parque - disse a bióloga.
- O que você sugere? - questionou o rapaz.
- A gente poderia ver um filme em sua casa - respondeu Angela, sem delonga. Para Chico, que morava sozinho, a ideia foi brilhante.

A gaúcha e o paranaense não combinavam em muita coisa, aliás, combinavam bem pouco. Ele, cristão protestante; ela, católica nada praticante. Ele, sonhador; ela, pés no chão. Ele, favorável à liberalização da maconha, embora nunca tivesse experimentado; ela, contrária à descriminalização, ainda que conhecesse os efeitos da Cannabis. As diferenças eram gritantes, mas um bom filme, sem pressa, eles curtiam muito assistir juntos. No segundo grande momento, beberam vinho. Bom esclarecer, não era um vinho qualquer.

Certa vez, na redação do jornal, Chico foi presenteado por Humberto - olha ele aí -, seu editor, com um chileno Santa Helena. Uma retribuição a um vinho que trouxera para o amigo de uma vinícola que visitara durante as férias, na Serra Gaúcha. Em uma comprometida troca de olhares, e admirado com a beleza de Angela, o pato-branquense se lembrou da sábia recomendação de Humberto.

- Deguste esse vinho com alguém especial, que faça por merecer cada gole - disse o experiente editor. Pela intensidade do encontro, Chico não tinha dúvidas: Angela fizera por merecer cada gota do fruto da videira. E foram vários goles, de modo a faltar tempo para o filme, no sentido literal da palavra. Quem dera durasse para sempre, porém, aos dois, nenhum ditado serviu tão bem quanto este: "os dispostos se atraem e os opostos se distraem". A gaúcha e o paranaense eram como água e óleo e, por consequência, não estavam verdadeiramente atraídos, mas, sim, se distraindo.

Tal como na noite do primeiro beijo, 20 dias depois, estavam novamente numa mesa de bar, frente a frente, mas já não tão próximos. Desta vez, o encontro era para desmanchar o namoro. No meteórico romance, Angela não se sentia como Julieta, tampouco Francisco como Romeu. Faltava a paixão genuína, o "combustível" sem o qual não é possível chegar ao amor. Deveriam insistir no namoro e desistir da busca pelo verdadeiro amor? A pergunta que não quis calar, calou sem dó o relacionamento recém-iniciado.

Angela se foi, sem dizer adeus. Chico, em busca de consolo, foi contar a história a Humberto. Experientes escritores, como ele, entendem bem os dramas da vida e do coração e, por isso, têm a palavra certa para quando um romance acaba.

- Você aproveitou bem o vinho, naquela noite? - quis saber Humberto. Ainda cabisbaixo, Chico respondeu que sim, que o vinho não tinha sido em vão. - É isso que importa. Levanta a cabeça e vai beber outro vinho, com outra companhia especial - sentenciou o amigo editor.

Feliz por ter conhecido Angela, e sem saber onde está sua Julieta, Chico levantou a cabeça, pensou no próximo vinho, e tocou o barco. Mais decidida do que ele no término do namoro, Angela seguiu com uma dúvida cruel: seria o amor de anos antes o Romeu que ela viu ir embora, sem se despedir? Ambos, em caminhos distintos, ajudados pelo destino - ou pelo acaso -, seguem em busca de uma paixão genuína, para escrever uma história que termine com "felizes para sempre".
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1 de setembro de 2009

Uma linda mulher

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"Terminei o namoro. Vem me ver... e vem sem pressa de voltar, tá". Foi essa a mensagem que recebi da mulher amada, via SMS, uma noite dessas, já no final do expediente no jornal. Custei a acreditar e me contive, por estar no ambiente de trabalho, para não dar pulos de alegria ao reler o "torpedo". Custei a acreditar que não passava de um sonho ao acordar, no sofá, com o corpo doído, os olhos inchados e um princípio de torcicolo. Pareceu tão real que, ainda zonzo de sono, cheguei a conferir a caixa de mensagem do celular  e nada.

Nem sempre me recordo dos sonhos que tive, porém, de alguns poucos, daqueles carregados de realidade e impactantes por isso, não apenas lembro de cada detalhe, passo semanas refletindo a respeito deles. O que querem me dizer? Para mim, sonhos como esse da mensagem via celular são instigantes e, às vezes, preocupantes.

Costumo ter dois tipos de sonho. Aqueles com um misto de informações desconexas, que não fazem sentido, desconsidero. Esses, como o do relato, são raros e dão a impressão de que vão, de fato, acontecer. Em algumas ocasiões  em situações de pequena relevância  já aconteceram tal como eu havia sonhado. Isso, assusta.

Há alguns meses, dias depois de ter um desses sonhos que se concretizaram, sonhei que havia acertado as seis dezenas da Mega-Sena (e relatei isso, neste blog, em uma crônica). Despertei com os seis números em minha mente, de maneira que podia vê-los rabiscados no bilhete premiado. Voltei a dormir e, ao acordar, de novo, só me lembrava do número 12. Naquele dia, fiz uma aposta nesse número e em outros cinco, sem conseguir recordar quais eram os outros cinco. No concurso daquele dia, o 12 foi sorteado.

Cinco madrugadas antes desse do SMS, sonhei que minha ex-namorada estava grávida, com riqueza de detalhes da tensa conversa que tivemos a respeito e da maneira como ela anunciou a gravidez. Estivemos juntos, depois disso, e ela  sem saber de meu sonho  me contou que havia passado um par de dias preocupada com o atraso da menstruação. Disse-me como pretendia me contar, caso estivesse mesmo grávida. Detalhe: ela me contaria tal como eu havia sonhado.

Fico preocupado quando sonhos ruins envolvem pessoas próximas a mim. Também este ano, sonhei com a morte de um grande amigo que fiz em Maringá. Ele perderia a vida ao ser atropelado, no Centro da cidade, no dia em que fazia a mudança para outro apartamento. Cheguei a perguntar se ele estava planejando se mudar  e não estava, ainda bem , mas não lhe contei o porquê da pergunta. Quando for deixar o apê, espero estar junto para me certificar de que ele vai olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. De quebra, ajudo com a mudança.

Impressionado com os pensamentos que irrigaram minha mente enquanto eu entortava a cervical no sofá, tomei o rumo do quarto. Na cama, apanhei caderno e caneta da cabeceira e escrevi até o parágrafo anterior, antes de pegar no sono, por volta das 5 horas.

A claridade do Sol, o céu azul, que podia ser visto pela fresta da janela, e o barulho da construção do prédio ao lado me despertaram lá pelas 9 horas. Quando digo que alguns sonhos me instigam, não exagero. Com meiguice e doçura sem iguais, a linda mulher  a "Julia Roberts" de meus pensamentos  havia retornado para mim, agora, para sempre. Acordei feliz, mesmo sabendo que se tratava apenas de um sonho, até porque, sonhos às vezes se materializam.

Sonhar é de graça e, pelo menos neles, o "felizes para sempre" de tantas obras literárias é possível, tanto quanto estar com quem se deseja. Que o sonho do SMS seja, quiçá, daqueles que tem continuidade, na vida real.
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28 de agosto de 2009

Namorei a Paulista

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Estou convencido de que São Paulo quer me provar que é, de fato, a terra da garoa. Há um mês, fez jus ao título ao me privar do sol durante toda uma semana. Meu retorno à grande metrópole da América do Sul foi num domingo, frio e úmido, de céu em tons de cinza, de novo.

Estava na agenda um passeio no Parque do Ibirapuera, mas a garoa ininterrupta, que se esforçava para molhar, levou-me à Avenida Paulista, a primeira pavimentada de São Paulo capital. A mais famosa avenida do Brasil, que concentra o poder econômico e onde são fechados os grandes negócios do País, é sempre uma boa opção de passeio, faça chuva ou faça sol.

Desta vez, fui de metrô – sossegado, sem as “sardinhas” dos dias de semana. Peguei o trem na estação São Joaquim e segui até a estação Paraíso. Tomei outra linha, sentido Consolação, no outro extremo da Avenida Paulista para, de lá, retornar a pé. Talvez daí aquele divertido – e para mim verdadeiro – ditado: “a Paulista é que nem casamento, começa no paraíso e termina na consolação”.

Namorei a Paulista durante toda aquela tarde de domingo, sem pressa. Comecei devagar. De repente, notava que estava num ritmo mais acelerado e, para aproveitar mais bem o momento, “pisava no freio”. A Paulista estava molhadinha – por causa da garoa, claro –, mas isso jamais espantaria um paranaense curioso, que gosta de ver gente. Num dos lugares mais cosmopolitas do País, estava contente por gozar de boa saúde e poder cruzar, a pé, os quase três quilômetros da avenida.

No primeiro shopping que visitei, vi um grupo de alemães – austríacos talvez, porque falavam na língua de Goethe – bebendo chope e rindo, mas com a discrição inerente aos europeus. Da conversa alheia, entendi que estavam impressionados com o tamanho de São Paulo. “Wunderbar” (maravilhoso) foi apenas um dos adjetivos empregados para classificar a capital. O nerd entre eles, o único com máquina fotográfica em mãos, sugeriu uma foto só com as meninas do grupo. Aliás, belas jovens germânicas, loiras e mais altas que nossa média nacional, viciantes! Remeteram minha mente a lembranças do tempo em que morei na Alemanha.

Parei em dois shoppings, para beber o merecido café expresso, sem açúcar. O segundo “pit stop”, para repor a cafeína, foi no Pátio Paulista, onde me deparei com um grupo de turistas japoneses. Estou certo de que não eram coreanos nem chineses, porque mais de um, a maioria para ser sincero, volta e meia sacava do bolso (ou do pescoço) o celular, sempre do tipo “lançado ontem”, para tirar fotos. Conversavam menos que os alemães, e bebiam refrigerante. Riam sem mostrar os dentes, mas não faço a menor ideia do que falavam. Fiquei curioso para saber o que dizia a nipônica com cabelos com mechas cor-de-rosa – linda de uma forma instigante.

Boa parte do tempo, porém, passei a céu aberto e, por pelo menos meia hora, fiquei no pátio do Museu de Arte de São Paulo (Masp), observando tamanha diversidade, num momento antropológico de inspiração. Vi gente de várias cores, Estados, nações, credos. Alguns de gravata, outros despreocupados em combinar a calça laranja com o agasalho azul. Moças de cabelos para todos os gostos: roxo, compridos, loiros, curtos, lisos, cacheados, soltos ou amarrados. Rapazes fazendo acrobacias com ioiôs, a fim de chamar a atenção dessas mesmas moças.

São Paulo me encanta por essa riqueza cultural, de costumes mil. Em Sampa, mais do que em qualquer outra cidade do Brasil, dá para ser você mesmo, por mais estranho que você possa parecer. Não importa se você tem carro ou vai de metrô, se tem emprego fixo ou se é autônomo, se veste terno ou se arrisca um saiote (kilt) como se estivesse na Escócia, se é heterossexual ou se é gay, se fuma maconha ou se é contra a liberalização, se fala como paulistano nato ou se tem sotaque de outro lugar. Do jeito que for, numa cidade nada provinciana, sempre vai haver alguém para curtir teu jeito de ser.

Nessa “salada” de tudo e de todos, percebo na Avenida Paulista um “tempero” único. Na via que é a cara de São Paulo, sinto-me em casa e nem noto o tempo passar. Molhadinha ou não, gosto de pegar a Paulista sem pressa, para curtir cada passo. O relógio... só olhei quando alguém me perguntou as horas.


Publicado também em: Recanto das Letras e jornal O Diário (Cultura, 13/01/2016)
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18 de agosto de 2009

Enfim, habilitado!

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"Será que dá para desligar a seta?"

Ao invés de "aprovado" (ou "reprovado") foi isso que ouvi, com uma rispidez de grosso calibre, ao cruzar a "linha de chegada" do teste para a carteira de moto. Para ser franco, tratava-se do terceiro teste: já que havia reprovado nas duas primeiras tentativas e não suportava mais ver o fiscal descedente de japoneses que, ao julgar pela cara amarrada, chupa limão verde no café da manhã.

Sem saber o resultado e devidamente apreensivo, estacionei a moto no local pré-determinado e, com o capacete em mãos, fui ao encontro do japa para conhecer o veredicto. Com dores no corpo, dificuldade para respirar e medo de estar com a gripe suína, tinha saído de casa certo de que, naquela manhã, reprovaria no teste pela terceira vez. Não aguentava com meu próprio corpo, logo, tinha uma boa desculpa caso não aguentasse com a moto.

O céu estava azul, o clima agradável e a cara do japa, a mesma de sempre. Carrancudo, perguntou meu nome, olhou para a prancheta, olhou para mim, outra vez para a prancheta e, sem olhar novamente para mim, lançou a sentença: "Errou a seta, menos três pontos. E só, está aprovado". Na frente dele, esforcei-me para não dar um brado de felicidade.

Na avaliação prática para a carteira de moto, o candidato a motoqueiro pode perder, no máximo, três pontos. Mal de saúde a ponto de cogitar estar com a nova gripe, a aprovação - com a punição que fosse - era algo a comemorar. Após duas negativas vergonhosas, aqueles três pontos não seriam capazes de ferir meu orgulho - e não feriram.

Ergui a cabeça e, com o sorrido que alcançava a orelha - e com os olhos quentes, acho que de febre -, tomei apressado o rumo do portão de saída do circuito, para deixar o recinto antes que o avaliador pudesse mudar de ideia. Do lado de fora, tentei sem êxito fazer uma expressão de desânimo, para enganar o instrutor. "É isso aí rapaz! Já notei que você passou", disse aquele que me ensinou a guiar uma moto, ao me ver.

Ali, no momento de euforia, lembrei das palavras de apoio da noite anterior, quando o receio de não passar, de novo, bateu à porta. "Tu tens que querer passar. E tenho certeza que vais passar", disse a namorada, com seu agradável sotaque gaúcho, ao dar bem mais que palavras de apoio. Na companhia dela, com um bom filme regado a vinho, pulverizei o problema que acarretou na segunda reprovação: a ansiedade.

Para obter a carteira de moto, entregue em até oito dias úteis após a aprovação, precisei de um teste, dois retestes, três meses de espera, R$ 200 a mais que o normal e ajuda contra a ansiedade. Certo de que para tudo há um propósito, não há do que reclamar: nem da grana que desperdicei nem da gripe que me atrapalhou. Como a namorada teve os sintomas antes, sei bem como fiquei gripado. E se tive mesmo a influenza A, então foi a gripe suína mais bem pega da história.

Aliás, a nova carteira de motorista, agora também com a habilitação tipo A, não chegou até esta data. Desta vez, para compensar os tropeços nos testes, espero não sair parecido com o Shrek na foto. Tomara!

Crônica publicada no Jornal de Beltrão.
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23 de julho de 2009

Um pesadelo com Michael Jackson

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Sonhar com Michael Jackson na sexta-feira seguinte a sua morte não parecia um bom sinal. Com o corpo todo doído, acordei do pesadelo no momento em que Madonna catava "Material Girl" no velório do Rei do Pop, a poucos metros do corpo que, no sonho, estava sem o nariz. Uma cena pouco agradável.

Definitivamente, não era um bom sinal!

O sonho conturbado se deu no dia do reteste prático para a carteira de moto. Um mês antes, sonhei que namorava a atriz Ana Paula Arósio e que havia dormido com ela - se bem que "dormir" é o verbo menos adequado para descrever o que se passou em minha mente. Naquela ocasião, acordei otimista com a vida. Embora os bons fluídos e a manhã de céu de brigadeiro, ainda assim reprovei no teste. Após a conturbada noite, em que participara do velório de Michael Jackson, uma segunda reprovação era presumível.

Fazia frio naquela úmida manhã com cara de Finados. O céu acinzentado e antipático era capaz de intimidar a autoestima e afugentar o pouco de confiança que teimava em me acompanhar. Diante do mesmo circuito - oito, prancha, rampa, cones, etc -, a confiança mudou de ideia e evaporou como água de chaleira. Ao contrário da primeira vez, estava demasiadamente ansioso, a ponto de pensar que um fraldão teria sido uma boa ideia. Felizmente - e talvez por pouco -, o acessório geriátrico não fez falta.

Se o universo pode mesmo conspirar a favor ou contra alguém, ele deve ter apostado alto contra mim naquele dia. O capacete era pequeno e mal cabia em minha a cabeça tamanho GG, a dor de barriga era grande e a ansiedade, quase insuportável. Como um músico sem confiança, na iminência de desafinar, parti em busca da volta perfeita. Passei o oito, dei aula na prancha e segui o percurso...

Ao deixar o circuito, por um portão de metal, o primeiro a surgir no campo de visão foi o instrutor da autoescola. "E aí, passou?" Quem dera! Havia deixado a moto de nada possantes 125 cilindradas afogar na rampa. O instrutor custava a acreditar no relato.

- Você nunca deixou a moto afogar nas aulas! Assim vai parecer que não te ensinei direito - exclamou.

- Não podia deixar isso acontecer depois de tirar a carta? - questionou, durante o "sermão". A bronca era devida. Às vezes é preciso um chacoalhão para despertar, um choque de 220 volts para recarregar o ânimo. Mantive os dedos longe da tomada, de qualquer forma, a segunda reprovação foi como um choque.

Um choque que fez aflorar algumas lembranças, no caminho de volta para casa. Recordei de quantas coisas boas o excesso de ansiedade me privou, num passado não tão distante. Durante a faculdade, disputava as ditas "olimpíadas" internas representando o curso de Jornalismo no tênis de mesa. Sempre chegava à final, sempre perdia. Na decisão, no grande momento, encontrava-me dando raquetadas contra o adversário e contra minha própria ansiedade. O mesmo acontecia nos relacionamentos: a ansiedade explodia minhas chances com as garotas mais interessantes, logo, era relegado a ficar com quem menos me identificava.

Bastou deixar a Ciretran, cabisbaixo, para o nível de ansiedade despencar. Embarquei em meu Fusca 1975 e fui afogar as mágoas com um pingado - mais forte de café do que leite - na panificadora de sempre, com as atendentes de costume: as simpáticas Simone e Rose. Ambas têm carteira de moto, ambas tiveram bons conselhos para dar ao indignado reprovado, num momento de necessário consolo.

- Da próxima vez, tome maracugina dias antes do teste. Deu certo comigo - sugeriu Rose. A dica de Simone veio em seguida e foi, digamos, mais ousada.

- Acha uma namorada e no dia do reteste dá umas duas logo cedo, antes de sair de casa - disse. Algo a ponderar.

No jornal também fui consolado, inclusive por uma colega repórter que reprovou três vezes e que hoje, com alguma persistência e vários retestes depois, dirige sua motoneta com proeza. Dias depois, estava no jornal quando recebi uma ligação da autoescola, que havia agendado a terceira tentativa para agosto. Com tanto apoio e boas dicas, algo me diz que a aprovação é questão de tempo.

Para fuzilar a ansiedade, vou correr mais no parque e procurar, na farmácia, a dita maracugina. Para aproveitar a dica mais levada (e gostosa, por que não), apoio feminino é indispensável - e sempre bem-vindo. Para que tudo dê certo, só não posso ter outro pesadelo na véspera, como aquele com Michael Jackson. Negro ou branco, que Deus o tenha.
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22 de julho de 2009

Vinte dias com Angela... em breve!

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Pode um romance que começa em uma viagem de ônibus, e que prossegue na internet até o intenso reencontro entre um pacato paranaense e uma bela gaúcha, terminar em "viveram felizes para sempre?" Francisco e Angela são os protagonistas do novo conto de LF Cardoso, que envolve na trama um terceiro elemento: Humberto.

O conto, baseado em uma história real, retrata a realidade de tantos casais: a falta da paixão genuína, "combustível" tão importante para se chegar ao amor. Angela e Chico estariam mesmo apaixonados, ou não passaria de atração física? Leia e descubra!

"Vinte dias com Angela", aqui!

Do autor!
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17 de julho de 2009

Graças a Pink Floyd

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Tarde fria de sábado, não me recordo ao certo a data, mas me lembro bem da história. Estavam os colegas de redação, Fanta Uva e Mortal, na cafeteria do shopping Maringá Park, bebendo uma daquelas opções de café com álcool – para esquentar o corpo –, quando surgiu um magrelo de óculos, cabelo enrolado, com seu afinado violão. Aparentava ser dos bons. Era bom que fosse, torciam os jornalistas, para não amargar o café.


Tomara que a música seja agradável disse Fanta Uva.
Tomara que não seja sertanejo emendeu Mortal.

Na companhia de seu violão, uma guitarra em stand by e duas caixas de som para dar vida à música, lançou-se num MPB para aquecer os dedos.

Toca muito bem avaliou a repórter, após o término da segunda música. Mortal ainda achava cedo para um palpite, isso antes de ser tocada a terceira do repertório do dia.

Com uma categoria ímpar, o músico fez seu violão "cantar" – e o exagero é pertinente – "Another Brick In The Wall", de Pink Floyd, uma das bandas mais bem sucedidas da história do rock. Em instantes, alguns garotos presenciavam de perto, em pé e estáticos, um deles com a boca aberta e quase babando, a execução da famosa música. O que mais um homem pode querer, além de boa companhia, um café expresso e rock de qualidade, ao vivo? Inevitável refletir sobre isso naquele momento.

Terminada a música, Mortal bebeu mais um gole e disse à companheira de cafeína: "preciso cumprimentá-lo". É inerente ao ser humano criticar quando se depara com algo que não o agrada, porém, raramente os elogios acontecem na mesma proporção. O violonista se preparava para massagear os ouvidos alheios, com alguma outra de seu repertório, no momento em que foi abordado.

Olá, sou repórter do jornal O Diário. Quero te parabenizar pela música disse Mortal. Em Maringá, em quase todo lugar que vou só ouço sertajeno, por isso não esperava ouvir Pink Floyd completou o jornalista que, graças à banda inglesa, teve a oportunidade de conhecer um instrumentista de grande talento.

Só toco música de qualidade brincou Marcos Santana, violonista que toca rock, blues, jazz, música brasileira e erudita; músico que não toca sertanejo, axé, funk e "na boquinha da garrafa". É sempre bom receber elogios acrescentou.

Mortal havia agido mais como fã de uma boa música, menos como repórter. Foi, elogiou, trocou meias palavras, voltou, tornou a beber seu café – convicto de que não estranharia se Eric Clapton viesse em seguida. Dois goles mais tarde, foi bombardeado por Fanta Uva.

Você sabe se ele já lançou algum CD? Quando ele toca aqui novamente. Ele é de Maringá? O que ele faz, vive apenas da música? perguntou Fanta Uva, lançando um olhar de reprovação ao perceber que Mortal não tinha feito nenhuma daquelas perguntas básicas. Questões que o repórter sanou minutos depois de terminado o café, pouco antes de irem embora.

Foi pela força do rock 'n roll que aqueles dois jovens repórteres – ele da área de política, ela especialista em gastronomia – haviam cruzado o caminho daquele talentoso violonista. Graças a Pink Floyd, sabiam que Marcos Santana, que não é parente do famoso guitarrista de mesmo sobrenome, lançaria seu primeiro CD dali dois meses. Também souberam que ele é músico profissional há mais de 15 anos e que tira da música, e apenas dela, o sustento de sua família.

Dia ou outro Mortal se depara com Santana pelas ruas da cidade. Numa dessas oportunidades, o músico fez o convite: "vou lançar meu CD dia tal, na livraria do shopping, aparece lá".

Mortal disse que faria melhor, prometeu uma matéria em O Diário a respeito... e cumpriu. Contou a Mercúrio, o editor de cultura do jornal, sobre como havia conhecido Santana. Lembrou também da brilhante execução de "Another Brick In The Wall" e, convincente, ganhou uma página inteira, colorida, para escrever sobre o violonista e seu primeiro álbum.

E todos ganharam com isso. Santana não se conteve em alegria, ao se ver no maior jornal da cidade. Mercúrio gostou da matéria e elogiou o trabalho. Mortal ficou feliz por ter o texto elogiado e, talvez por isso, bebeu quantidade dobrada de café naquele dia. Fanta Uva foi convidada para outro café alcoólico (sem segundas intenções) e a ambos – ela e Mortal – Santana prometeu tocar Pink Floyd, de novo. Pela força do rock, o café expresso ficou ainda mais saboroso.
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